Jorge
Heitor* - O Máximo
O
Conselho de Segurança das Nações Unidas manifestou-se, obviamente, preocupado
com a actual crise política na Guiné-Bissau, mais uma de tantas, e pediu aos
diferentes órgãos de soberania, claro, o que parece ser quase impossível: o
diálogo e o consenso na resolução das suas divergências. Diálogo e consenso são
coisas de que normalmente os políticos guineenses se têm mostrado incapazes,
desde os tempos em que alguns guerrilheiros preferiram facilitar a vida às
autoridades coloniais a terem um diálogo sério com Amílcar Cabral sobre as
divergências existências quanto à melhor forma de a Guiné se poder tornar
independente. Diálogo foi o que faltou ao relacionamento do primeiro comissário
(primeiro-ministro) João Bernardo Vieira, "Nino", com o Presidente
Luís Cabral, tendo preferido derrubá-lo e forçá-lo ao exílio. Diálogo foi o que
faltou a "Nino", já depois de ter chegado à chefia do Estado, com o
primeiro-ministro Victor Saúde Maria, que mandou colocar em prisão
domiciliária. Diálogo foi o que faltou ao brigadeiro Ansumane Mané para se
procurar entender com "Nino", sem a necessidade de se colocar à
frente de uma Junta Militar e de fazer largos meses de guerra a um Presidente
que, para tentar sobreviver, pediu a ajuda do Senegal e da República da Guiné.
Estes são apenas alguns dos múltiplos exemplos das ocasiões em que os
guineenses não souberam dialogar, antes avançando para o achincalhamento, para
a traição e para outras práticas muito pouco democráticas. Vem-nos agora dizer
o antigo Presidente timorense José Ramos-Horta, que já representou em Bissau o
secretário-geral das Nações Unidas, que a crise resulta "de uma
Constituição que foi cozinhada em Portugal, sem qualquer consideração à
realidade social da Guiné-Bissau, mas encomendada e absorvida na Guiné-Bissau,
logo a seguir ao derrube do Presidente Luis Cabral". A partir desse
primeiro golpe, o de "Nino" Vieira contra Luís Cabral, a Guiné-Bissau
nunca mais conheceu paz. Mas, como o próprio Ramos-Horta foi capaz de
reconhecer, esse modelo constitucional não desculpa tudo. Claro que não
desculpa, pois que já no tempo da luta armada havia fortes conflitos, com
certos combatentes mais interessados numa Guiné que fosse só para negros do que
em trabalhar com os comandantes cabo-verdianos que se haviam prestado a estar
com eles numa causa comum. O mal é muito antigo e tem algo a ver, conforme já o
cheguei a sublinhar, com o facto de não haver muito mais gente alfabetizada,
para se poder alargar o leque das escolhas possíveis para a governação do
frágil país. A falta de um número maior de quadros e de cidadãos devidamente
letrados, que não se deixassem arrastar em aventuras, sejam elas conduzidas por
caudilhos militares ou civis, poderá explicar a agitação quase permanente que
se vive na Guiné-Bissau, uma terra que devidamente aproveitada até dava para
todos viverem de uma forma aceitável. Como o regime colonial não teve o cuidado
de alfabetizar 15 ou 20 por cento da população que fosse, e como nas primeiras
décadas da independência não se generalizou a alfabetização, que deveria ter
sido em massa, chegamos a esta altura da História com um grande défice de
cultura cívica. Ainda há muitos guineenses a pensar, em primeiro lugar, como
balantas, manjacos ou mandingas, e não como cidadãos de um país novo que
importa levar para a frente, recorrendo aos múltiplos recursos naturais de que
dispõe, como o petróleo, o ouro, os fosfatos e as bauxites. Só assim se
explica, pela ausência de 100 ou 200 bons políticos, credíveis, formados em
devido tempo, e não à pressa, que tenhamos na Presidência da República da
Guiné-Bissau um senhor que não é capaz de estabelecer consensos com a
Assembleia Nacional Popular nem com a direcção dos principais partidos
políticos. Quando o Presidente José Mário Vaz demitiu o primeiro-ministro
Domingos Simões Pereira e foi chamar para o seu lugar um polémico indivíduo
chamado Baciro Djá ficou patente que este deveria ter muita dificuldade em
constituir equipa, à margem das pessoas que nos últimos dois ou três anos já
têm passado pelo Governo. Apertado, isolado, temendo pela vida, bem poderá José
Mário Vaz solicitar ao seu vizinho setentrional, o Senegal, que lhe envie
tropas de elite, a protegê-lo a ele e ao seu novo e quiçá efémero
primeiro-ministro. Não é assim que se resolvem as situações, alheando-se do sentimento
da maioria da população e pedindo a alguns estrangeiros que nos protejam, com a
eventual promessa de que também nós iremos proteger os seus interesses,
nomeadamente na exploração de recursos nas águas que nos são comuns. Se José
Mário Vaz e Baciro Djá só conseguirem ficar nos seus lugares sob a protecção de
uns quantos comandos senegaleses, muito mal vai a Guiné-Bissau, uma vez mais. E
de nada lhe servirão os muitos apoios que lhe foram prometidos durante a mesa
redonda de Bruxelas. Teria sido tudo em vão, tanto o afastamento dos militares
golpistas como as eleições do ano passado e a tão elogiada mesa redonda. Tudo
fogo fátuo. Num território onde a crise parece ser a forma permanente de vida,
só aqui e ali intervalada por uns ténues lampejos de esperança. É esta a triste
realidade! JH 22 de Agosto de 2015
*Jornalista
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