Reginaldo
Silva – Rede Angola, opinião
No
que terá sido, provavelmente, o seu último discurso africano feito na cidade
onde nasceu a OUA, há mais de 50 anos, o afro-americano Barack Obama não podia
ter sido menos diplomático e mais provocatório sem aspas, na forma como, olhos
nos olhos, falou para os seus “brothers”, chamando como se costuma dizer, os
bois pelo seu próprio nome, ao abordar a questão central da política africana
que ainda é a relação dos dignitários com o poder.
No
que terá sido, provavelmente, a sua última visita a Angola, pelo menos enquanto
JES/MPLA estiverem no poder, a portuguesa e euro-deputada socialista, Ana
Gomes, também não podia ter sido menos diplomática e mais frontal na abordagem
que fez das questões relacionadas com o respeito dos direitos humanos e do
exercício das liberdades fundamentais no nosso país, ao ponto de ter provocado
um verdadeiro ataque de nervos no seio do regime angolano.
Até
que ponto poderemos encontrar referências de contacto/convergência nestas duas
visitas, tendo como pano de fundo a realidade política africana?
Até
que ponto esta “informalização” do discurso das duas personalidades
internacionais poderá ajudar a melhorar o debate de tais questões em África e
muito particularmente em Angola?
Lamentavelmente,
continuamos a ser o continente campeão de todos os défices, com algumas muito
poucas excepções.
Entre
estas excepções contam-se, certamente, a generosidade, a paciência, a
resignação e a compreensão das suas populações, indicadores onde especialmente
a África sub-sariana tem pontuações bastante elevadas, pois já vimos
“primaveras” terem tido inicio noutras longitudes por causa de ligeiros
aumentos no preço do pão ou dos combustíveis.
De
facto, em Addis Abeba ,
Barack Obama não podia ter sido mais directo na crítica que fez ao apego que os
dignitários africanos têm ao poder, particularmente quando chegam ao “poleiro”,
não importando aqui saber se de forma legítima, se pela via do golpe militar ou
palaciano, sem falar da terceira via mais juvenil que está ser “inventada”
agora mesmo em Angola, enquanto se aguarda pela competente jurisprudência.
Como
se sabe, o problema não está na chegada mas sim na saída, a fazer lembrar-nos
um pouco e por uma certa analogia, aquela letra do Chico Buarque cantada pelo
Gilberto Gil que diz que o branco inventou que o negro quando não suja na
entrada vai sujar na saída.
No
caso em apreço, aparentemente, os brancos já não têm nada a ver com isto, tendo
em conta que o colonialismo já “bazou” há mais de meio século, mas há sempre
alguém que se lembra de os trazer de volta para explicar as partes mais gagas
dos nossos próceres, no âmbito da teoria do bode expiatório.
Com
as excepções que se conhecem, ainda continuamos a assistir a muitos dramas
seguidos de algumas tragédias, sendo a mais recente a que se está a passar no Burundi,
por causa deste relacionamento obsessivo com o poder, ao ponto de um conhecido
milionário africano ter promovido um chorudo e muito estranho prémio, mas
bastante sintomático desta realidade.
O
Prémio Mo Ibrahim que este ano vai ser entregue ao nosso vizinho, o Presidente
cessante da Namíbia, Hifikepunye Pohamba, destina-se a recompensar anualmente
com alguns expressivos milhões de dólares, os lideres africanos que se tenham
destacado em termos de boa governação e que, sobretudo, não tenham criado dificuldades
adicionais na hora de deixarem o poder, com o recurso a conhecidos truques de
algibeira para se eternizarem nos cargos que ocupam.
Efectivamente,
faz-me alguma/bastante espécie que em África ainda se tenha que premiar quem
faz bem o que deve ser feito bem, pois é assim mesmo que está escrito na
Constituição, que é de cumprimento obrigatório por todos, sem excepção.
Em
meu entender devia haver um outro “prémio”, uma espécie de óscar para o pior
filme, que condenasse quem se recusasse a abandonar o poder e quisesse fazer
dele o seu modo permanente de vida.
Como
fazer a entrega deste “prémio” é que seria o maior problema, começando pela sua
própria definição em termos mais objectivos, pois não acreditamos que fosse
possível fazer a entrega do mesmo ao vencedor em tempo oportuno, isto é, antes
dele afastar-se ou ser afastado do poder.
Se
em Addis Abeba ,
Barack Obama disse o que pensava em voz alta e não lhe aconteceu nada de
especial tendo sido até bastante aplaudido, em Luanda não se pode dizer que o
mesmo se tenha passado com a euro-deputada Ana Gomes que já é efectivamente uma
personalidade internacional bastante conhecida de vários governos e da imprensa
mundial, quando o assunto se chama direitos humanos.
Tanto
assim é, que um dos “mimos” que lhe foi dispensado por um destacado porta-voz
da situação e que mais chamou a nossa atenção, é que ela já tem o estatuto de
ser “uma desestabilizadora de governos”.
Seja
como for, em Luanda
Ana Gomes também falou alto e em bom som para toda a gente
ouvir, apesar de todos os “cortes silenciosos” que levou dos vigilantes
editores dos MDMs, ao ponto de em algumas matérias ela ter ficado completamente
irreconhecível, pois as pessoas pensaram que o Governo tinha conseguido
“domesticá-la”, o que a confirmar-se seria uma verdadeira proeza.
Em
síntese, e para tentarmos responder às duas perguntas aqui deixadas no ar,
diríamos que sim, que as duas visitas ao continente convergem para a
identificação de uma questão que é comum e que depois explica as diferentes
manifestações conflituosas que vão marcando pela negativa a actualidade
africana nos diferentes contextos nacionais.
Responderíamos
igualmente pela positiva à segunda questão, pois achamos que os cuidados e a
prudência da diplomacia já esgotaram em parte a sua capacidade, sendo esta a
hora de se ensaiar um outro discurso mais objectivo e directo na hora de se
discutirem todas as questões, não sendo por aí que o gato vai às filhós.
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