Há
qualquer coisa de suicidário nas ocorrências registadas no PS nas últimas
semanas. A negligência nos cartazes, além das frases, ocas e compridas (...);
e, agora, esta designação embrulhada, sem elegância nem grandeza, que impugna,
afinal, a candidatura de Sampaio da Nóvoa.
Baptista Bastos* – Jornal de Negócios, opinião
A apresentação de Maria de Belém como putativa candidata à Presidência da República, apoiada pelo PS, abre uma cisão naquele partido, semelhante àquela que opôs Manuel Alegre a Mário Soares, e empurrou o dr. Cavaco para as mais altas funções do Estado. Com os resultados dramaticamente conhecidos. A ambiguidade do comportamento socialista só se explica pela correlação de forças naquele partido, e pela cedência de António Costa à ala mais conservadora, que parece ser dominante em força e em poder.
Há qualquer coisa de suicidário nas ocorrências registadas no PS nas duas últimas semanas. A negligência nos cartazes, além das frases, ocas e compridas, com módico impacto público; e, agora, esta designação embrulhada, sem elegância nem grandeza, que impugna, afinal, a candidatura de Sampaio da Nóvoa. O PS, assim, demonstra uma indecisão ou uma dicotomia larvar, oposta e, até, antagónica da coesão exigida a uma organização daquela natureza. E não me venham com a conversa de o PS ser um partido "plural", que mantém opiniões diversas.
Sampaio da Nóvoa congregou, em torno da sua candidatura, três ex-Presidentes da República, além de alguns dos nomes mais prestigiosos e respeitados da sociedade actual. O que incomodou alguns "socialistas" com ouvidos meigos foi a clareza meridiana com que o antigo reitor disse ao que vinha, e que colide, fortemente, com a mansuetude calculada da vida portuguesa.
É extremamente preocupante a distanciação com que o PS se colocou em relação a Sampaio da Nóvoa, cuja atitude e orientação continua uma tradição que vem de Soares, de Jorge Sampaio e de Eanes. Uma tradição cultural progressista que se antagoniza com o errático e se fixa numa acepção moral da sociedade. O dr. Cavaco representa o outro lado dessa interpretação. Faltam-lhe a dimensão intelectual e o entendimento "do outro", e, para lembrar um querido e saudoso amigo, Luís Fontoura, militante e alto dirigente do PSD, "entre mim e ele medeiam três quilómetros de livros."
As responsabilidades do PS de António Costa sobrelevam as de um mero plebiscito. E, pelos vistos e ouvidos, caso o secretário-geral não altere o prometido e ajuramentado, o que já me parece difícil, ele pode constituir o definitivo encerramento de um ciclo funesto e tenebroso. A máquina de propaganda do PSD, o despudor com que os seus máximos dirigentes mentem e manipulam a verdade dos factos, a inexistência de uma crítica ideológica e política eficaz e não estipendiada, têm causado fortes danos ao ideal democrático.
Perante o que Sampaio da Nóvoa representa, qual o desejo secreto deste PS amolgado numa deriva perigosíssima para o País. Dir-se-á que aquele partido sempre foi o que foi, e as alianças que fez são de molde a deixar desalentados e perplexos o comum dos portugueses. Costa pareceu arrastar consigo o entusiasmo de muita gente, entusiasmo que tem esmorecido com o desenrolar dos acontecimentos políticos. Onde está o PS que ele prometeu?
Este episódio de que Maria de Belém, infelizmente, é protagonista secundária, porque em causa estão interesses mais elevados e ocultos, fornece-nos a dimensão do que, afinal, ambiciona este PS. Creio que António Costa perdeu o ímpeto inicial, calafetado pelo que de mais reaccionário se oculta naquele partido. Mas ele conhecia e conhece, melhor do que ninguém, as forças dissimuladas naquela agremiação. Esperemos para ver. Mas o andar da carruagem deixa certas dúvidas.
*Considerado um dos maiores prosadores portugueses contemporâneos,
Baptista-Bastos (Armando Baptista-Bastos) nasceu em Lisboa, no Bairro da Ajuda
(que tem centralizado em vários romances e numerosas crónicas), em 27 de Fevereiro
de 1934. Frequentou a escola de Artes Decorativas ...
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