Nobel
de Economia alerta: sob hegemonia do Ocidente, sistema financeiro bloqueia
metas da ONU, sabota inovações dos BRICS e quer, agora, punir países que
promovam mudanças sociais
Joseph
Stiglitz – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho - Imagem: Carlo
Giambarresi
A
III Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento reuniu-se
recentemente na capital da Etiópia, Adis Abeba. A conferência aconteceu num
momento em que os países em desenvolvimento e mercados emergentes demonstraram
capacidade para absorver produtivamente enormes volumes de recursos.
As tarefas que esses países estão assumindo – investindo em infra-estrutura
(estradas, geração de energia, portos e muito mais), construindo cidades onde
um dia viverão bilhões de pessoas e movendo-se em direção a uma economia verde
– são verdadeiramente enormes.
Ao
mesmo tempo, falta no mundo dinheiro que possa ser utilizado produtivamente. Poucos anos atrás Ben Bernanke, então presidente do Federal Reserve (Banco
Central) dos EUA, falou sobre o excesso de poupança global. Apesar disso,
projetos de investimento com elevado retorno social estavam parados por falta
de fundos. Isso continua sendo verdade hoje. O problema, à época e agora agora,
é que os mercados financeiros do mundo — cuja função deveria ser intermediar
eficientemente recursos de poupança e oportunidades de investimento — fazem, ao
invés disso, má alocação dos recursos e geram riscos.
Há
outra ironia. A maioria dos projetos de investimento de que o mundo emergente
necessita é de longo prazo, assim como a maioria dos recursos disponíveis –
trilhões em contas de aposentadoria, fundos de pensão e enormes fundos
soberanos. Mas nossos mercados financeiros, cada vez mais incapazes de enxergar
o longo prazo, atravancam o caminho entre as duas partes.
Muita
coisa mudou nos últimos treze anos, desde que a I Conferência
Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento ocorreu em Monterrey
(México), em 2002. Na época, o G-7 dominava as políticas econômicas globais;
hoje, a China é a maior economia do mundo (segundo o critério de poder real de
compra das moedas), com poupança cerca de 50% superior à dos EUA. Em 2002, as
instituições financeiras ocidentais eram consideradas mágicas em gerenciamento
de riscos e alocação de capital; hoje, vemos que são mágicas em manipulação de
mercado e outras práticas enganosas.
Ficaram
para trás os apelos para que os países desenvolvidos honrassem seu
compromisso de destinar ao menos 0,7% do seu PIB para ajuda ao
desenvolvimento. Algumas poucas nações europeias – Dinamarca, Luxemburgo,
Noruega, Suécia e, surpreendentemente, o Reino Unido, em meio a sua austeridade
auto-infligida – cumpriram as promessas em 2014. Mas os Estados Unidos (que
doaram 0,19% do PIB em 2014) encontram-se muito, muitíssimo atrás.
Agora,
os países em desenvolvimento e mercados emergentes dizem aos EUA e aos outros
ricos: se não vão cumprir suas promessas, ao menos saiam do meio do caminho e deixem-nos
criar uma arquitetura de economia global que trabalhe também para os pobres.
Não surpreende que os países hegemônicos, liderados pelos EUA, estejam fazendo
de tudo para frustrar tais esforços. Quando a China propôs o Banco Asiático de
Investimento em Infra-estrutura, para ajudar a destinar parte de seu
excesso de poupança para onde os recursos são extremamente necessário, os EUA
tentaram torpedear o esforço. O governo do presidente Barack Obama sofreu,
então, uma derrota doída e altamente embaraçosa.
Os
EUA estão também bloqueando os caminhos do mundo em direção a uma lei
internacional sobre dívidas e finanças. Para que os mercados de títulos
funcionem bem, por exemplo, é necessário que se encontre uma forma organizada
de resolver casos de insolvência dos países. Hoje, essa forma não existe.
Ucrânia, Grécia e Argentina são exemplos do fracasso dos acordos internacionais
existentes. A grande maioria de países reclama a criação de um caminho para a
reestruturação das chamadas “dívidas soberanas”. Washington continua a ser
o maior obstáculo.
O
investimento privado também é importante. Mas as novas disposições de
investimento embutidas nos acordos comerciais que o governo Obama está
negociando, com seus parceiros do Atlântico e Pacífico, sugerem que qualquer
investimento direto no exterior terá agora, como contrapartida, uma
acentuada limitação na capacidade dos governos de regular o meio ambiente,
a saúde, as condições de trabalho e até mesmo a economia.
A
posição dos EUA relativa à parte mais disputada da conferência de Adis Abeba
foi particularmente decepcionante. Como os países em desenvolvimento e mercados
emergentes abriram-se para as multinacionais, torna-se cada vez mais importante
que eles possam tributar esses gigantes sobre lucros gerados pelos negócios
ocorridos dentro de suas fronteiras. Apple, Google e General Electric têm
revelado enorme capacidade de driblar tributos que excedam o que
empregaram na criação de produtos inovadores.
Todos
os países – tanto desenvolvidos como em desenvolvimento – vêm perdendo bilhões
de dólares em receitas tributárias. No ano passado, o Consórcio Internacional
de Jornalistas Investigativos divulgou informações sobre fraude e evasão fiscal
em escala global, praticadas graças às regras tributárias frouxas de Luxemburgo,
um paraíso fiscal. Talvez um país rico, como os EUA, possa arcar com
o comportamento descrito no chamado Luxemburgo Leaks,
mas os países pobres não podem.
Integrei
uma comissão internacional, a Comissão Independente para a Reforma da
Tributação de Corporações Internacionais, que examinou as possibilidades de
reforma do sistema tributário atual. Num relatório apresentado à III
Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, fomos
unânimes em afirmar que o sistema atual está quebrado, e que pequenos ajustes
não o consertarão. Propusemos uma alternativa – semelhante ao modo como as
corporações são taxadas dentro dos EUA, com lucros alocados a cada estado com
base na atividade econômica ocorrida dentro de suas fronteiras. Os EUA e outros
países desenvolvidos têm pressionando para fazer apenas pequenos ajustes,
a serem recomendados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico), o clube dos países mais ricos. Em outras palavras, os países de
onde vêm os fraudadores e evasores fiscais, poderosos politicamente, deveriam
conceber um sistema capaz de reduzir a evasão fiscal. Nossa Comissão
explica por que as reformas da OCDE, ajustes num sistema fundamentalmente
falho, são, na melhor das hipóteses, simplesmente inadequadas.
Os
países em desenvolvimento e mercados emergentes, liderados pela Índia,
argumentaram que o fórum apropriado para discutir tais temas globais é um grupo
já existente dentro das Nações Unidas, o Comitê de Especialistas em Cooperação Internacional
e Assuntos Tributários, cujo status e orçamento precisavam ser elevados. Os EUA
opuseram-se fortemente: quiseram manter as coisas como no passado, com a
governança global feita pelos e para os países desenvolvidos.
Novas
realidades geopolíticas demandam novas formas de governo global, com mais voz
para países emergentes e em desenvolvimento. Os EUA prevaleceram em Adis Abeba , mas também
mostraram que estão no lado errado da história.
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