Expresso
das Ilhas, editorial
As
revelações vindas a público sobre as aplicações feitas do Fundo do Ambiente
vieram confirmar o pior que se pode esperar da gestão de recursos públicos.
Notou-se imediatamente a disparidade regional na distribuição dos fundos (Santiago
82 %, outras ilhas 18%), viu-se o potencial eleitoralismo e partidarização na
selecção de projectos e parceiros(quase vinte mil contos para a Associação dos
Amigos para o Desenvolvimento de Brasil-ASA) e ficou claro que outras
razões que não a protecção do ambiente determinou a alocação dos fundos
disponíveis (mais de dois mil contos para campas de combatentes).
A
publicação neste número do jornal (pag.16 e 17) do quadro da distribuição de
recursos do Fundo do Ambiente em 2013 e 2014 permitirá ao leitor tirar as
devidas ilações quanto à motivação, razoabilidade e pertinência das escolhas
feitas. O facto de o Fundo do Ambiente não ter todos os órgãos previstos no seu
estatuto a funcionar já é deplorável. Piora quando, para supostamente colmatar
as falhas institucionais, o Ministro chama a si as competências do Fundo
porque, segundo ele, em declarações à imprensa “o Fundo não pode ficar parado
porque as comissões não funcionam e que a lei lhe dá prorrogativas de
movimentar o Fundo”. Movimentar significa na prática decidir qual é o projecto
aprovado, quem é o parceiro e quanto cada um pode receber. É evidente que
olhando para o quadro publicado das escolhas feitas dificilmente se pode dizer
que o interesse público foi devidamente salvaguardado.
A
gestão dos recursos públicos numa perspectiva partidária e eleitoralista vem
sendo denunciada por vários actores políticos. Os partidos na oposição acusam a
nível nacional o partido no governo de utilização eleitoralista dos dinheiros e
meios do Estado e a nível local apontam o dedo ao partido maioritário nas
câmaras municipais pela mesma razão. É um facto que o próprio Primeiro-Ministro
reconhece que a administração pública directa, indirecta e local está
partidarizada. Sendo assim, não estranha que haja uma percepção geral de que
muitas das taxas e fundos criados nos últimos anos não são propriamente
utilizados na persecução dos objectivos inicialmente preconizados.
O
que espanta é que não haja uma indignação geral contra isso. Talvez porque
essas práticas são tomadas como normais e como parte integrante do que é fazer
política, ser influente e ganhar votos. Em consequência, denúncias de situações
gravosas de compra de votos em eleições nacionais autárquicas e
intrapartidárias não resultam na penalização dos visados. Pelo contrário,
insiste-se em acreditar que todos assim fazem e que são os mais espertos ou os
mais efectivos que ganham. A partir daí é só um passo para o desenvolvimento de
uma cultura política marcada pelo cinismo e pelo conformismo.
Em
Cabo Verde, de há muito que se instituiu que governar é controlar. Durante
algum tempo tudo se fez para que houvesse pensamento único e dependência total
do Estado. Mudaram-se os tempos, e não sendo já possível advogar o alinhamento
de todos pelo mesmo diapasão político, alimenta-se o desencanto com o
pluralismo e o multipartidarismo. Entretanto não se deixa as pessoas
despersuadirem da centralidade do Estado para o seu bem-estar, prosperidade e
carreira e também dos meios, acessos e facilidades que pode disponibilizar a
quem “merecer”.
O
quadro da distribuição de fundos pelas associações e outras ONGs é elucidativo
do esforço em manter controlado as populações. É evidente que tal ambiente não
evidencia o valor da autonomia, da iniciativa e da criatividade, enquanto ingredientes
essenciais para se construir a riqueza das nações. Nem tão pouco deixa
desenvolver as instituições inclusivas indispensáveis para que o esforço
individual ou colectivo das pessoas sirva para colocar o país num caminho
ascendente de crescimento económico e de criação de emprego. A opção que
realmente se faz é pelo conformismo, pela dependência do Estado e até por
pretensa neutralidade política.
Os
dados do Afrobarómetro que vão ser divulgados hoje, quarta-feira, dão conta que
a população já se apercebe dos níveis cada vez mais elevados da corrupção. É um
mau sinal. Significa que as disputas e rivalidades no acesso aos favores do
Estado aumentaram à medida que se tornou evidente que os enormes investimentos
públicos não estão a produzir crescimento elevado e a criar emprego de
qualidade. Uma inversão desta tendência só pode acontecer quando activamente se
combater o centralismo e se evitar que as pessoas fiquem menos dependentes do
Estado. Também quando a cultura administrativa dominante for substituída por
uma cultura empresarial de procura de resultados que ponha enfase na produção e
na qualidade da prestação de serviço.
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