terça-feira, 8 de setembro de 2015

Cabo Verde. O governo não tem moral para falar em reestruturação da comunicação social



José Maria Rosário – Expresso das Ilhas, opinião

“Para perpetuar a governamentalização da gestão das empresas pú­blicas de comunicação social, o executivo é capaz de desencantar leis feitas à medida.” Carlos Santos

A reestruturação, feita em 1997, da Comunicação Social do Estado, no segundo Governo do MpD, pelo então Ministro José António dos Reis, foi a mais sólida, eficiente e profunda me­dida organizacional alguma vez concebida para o sector.

Tanto é assim que o governo do PAICV levou mais de uma década a conspirar, permanen­temente, contra o modelo e não conseguiu remover uma pedra à estrutura do edifício.

E se hoje a imprensa escrita floresce com quatro semanários, deve-se, em grande medida, à política de incentivos, igual­mente, adoptada por J.A.R.

Muita gente bem posicionada o reconhece “em voz baixa”, mau augúrio para o fantasma omnipresente de liberdade de expressão.

A Rádio Televisão Cabo-ver­diana, Empresa, SA (RTC) foi fundada em 1997, sob proposta do então Ministro da Comuni­cação Social, José António dos Reis. Esta nova empresa pública tem sob sua orgânica a Rádio de Cabo Verde (RCV) e a Televisão de Cabo Verde (TCV), figurino que perdura até hoje.

Em 2001, com a chegada do PAICV ao poder, em vez de dar continuidade à consolidação da empresa, inicia um processo conspirativo “dividir para rei­nar”, chegando ao cúmulo de chamar de volta parte do pessoal que tinha saído, convertendo as indemnizações em emprés­timos. Caso insólito e hoje não é de se admirar que o corpo de pessoal ascenda a mais de 350.

A TCV-Televisão de Cabo Verde - é o calcanhar de Aqui­les da RTC, onde a qualidade “é algo por aí além”, e mais parece um couto seguro,- daqui não saio e daqui ninguém tira- com veteranos. De tal forma entrin­cheirados, que dias contados tem qualquer dirigente que tente alterar o “ status quo”, mesmo os mais conceituados, de Medina a Carvalho.

Esta unidade padece de uma enfermidade que toda a gen­te diagnostica e avalia, mas ninguém sabe ao certo qual a terapia adequada.

Ausência de políticas & prestação de contas

A ausência deliberada de medidas estruturantes, ao lon­go de quase três mandatos, empurrou a empresa para uma gestão de sobrevivência e agonia financeira

Conforme disse Carlos Santos “é de todo incompreensível que o governo tenha mergulhado numa letargia confrangedora nos últimos quinze anos, em matéria de políticas públicas, visão estratégica e medidas que pudessem levar a uma melhoria do serviço prestado pela rádio, televisão e agência”.

Esta opção de deixar a em­presa “pachorrentamente sen­tada” não é ingénua e insinua interesses obscuros amarrados ao saudosismo do tempo do partido único.

Por outro lado, alguém se lembra se alguma vez a RTC, ao longo dos últimos 15 anos, tenha publicado Balanços e Contas anuais como manda a lei? Qual é a situação patrimo­nial e financeira da empresa? O contribuinte não terá direito de ter estes dados antes das elei­ções que se avizinham? Viva a cidadania fiscal.

Quem garante que, como a TACV, a RTC não se encontra em situação de falência técnica?
Ou será que o INPS, não obstante a síndrome de “Fast Ferry”, virá ainda a tempo de salvar um novo náufrago?

Sector privado à deriva

Da parte do governo não existe qualquer respeito para com o sector privado do audio­visual, não obstante o balúrdio que abocanha pela via da taxa RTC “uma taxa pouco nítida e com ruído”.

Cada cidadão que se dirigir à Electra para pagar os seus consumos, deixa lá cerca de seis mil e duzentos escudos anuais, mais de cinquenta por cento do salário mínimo mensal. O secretismo à volta do montante arrecadado e sua aplicação é um exemplo da boa governação que tanto se publicita por aí.

Desse bolo, o privado não é tido nem achado e tem ainda que enfrentar a desleal concor­rência publicitária.

O desgraçado contribuinte, ainda pela via do Orçamento do Estado, tem que espremer mais sacrifícios para suportar a ineficiência desse órgão.

Onde estão os protagonistas dos direitos de autor, quando a RTC deveria dar o exemplo, e ser a primeira a pagar pelas músicas que emite. Por que não consignar uma fatia da taxa para este efeito?

“Socialização do nada”

A alguns meses do render de guardas, eis que o jovem Ministro Démis Almeida, “num rompante, a escassos meses das eleições, queira dar a ideia de que está a fazer alguma coisa neste sector,” vem com um dossier nebuloso de integração da Inforpress na RTC, uma ba­tata quente que Rui Semedo, político astuto, habilmente con­tornou e que o líder parlamentar Felisberto Vieira, em tempos, desconhecia os meandros.

“Voilá” três erros de palma­tória:

– Tentou-se sociabilizar “o nada” junto de quadros cuja experiência e background de­veriam ser merecedores de maior respeito, com a caricato de “aos participantes é vedado o acesso ao documento objecto de análise”;

– Potencial desestabilização da tripulação do novo figurino: “trabalhadores de primeira e de segunda”, isto é, mesmas fun­ções, salários diferentes;

– Extemporaneidade do pro­cesso.

Das duas, uma:

Ou estamos perante uma di­versão política e dissimulação, com a criação de E.C.C.I.,SA, para depois o governo vir a aparecer como salvador-mor, reabrindo o “tubinho” que a Ministra das Finanças fechara à IFH, para absorver o Passivo oculto da RTC. Cadê oposição.

Ou pretende-se instalar um quadro emocional de vulnera­bilidade no seio do corpo social da RTC :“estar sempre em alerta é esgotante”.

Seja como for não será desta, mesmo após quarenta aniversá­rios da Independência Nacional, que o PAICV se regenerará do seu ADN obsessivo de contro­lar a comunicação social do Estado.

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