domingo, 25 de outubro de 2015

DEMOCRACIA ATACADA EM ANGOLA, MOÇAMBIQUE E GUINÉ-BISSAU



Marcolino Moco* - Africa Monitor, opinião

1. Uma saudação à atitude, algo inesperada, da Senhora Angela Merkel, sempre vista como a “capataz” da “Europa imperialista”, mas que, à volta dos fugidos das guerras do Médio Oriente, foi capaz de reavivar, com forte simbolismo, a ideia de que a Europa tem grande responsabilidade no regresso ao primado da dignidade humana, se quisermos preservar o nosso planeta, em tantas ameaças envolto.

2. Se a consideração da dignidade humana e dos direitos humanos são o eixo da salvação do gênero humano como, a contrario sensu, o demostraram a I e a II guerras mundiais e todos os outros conflitos sangrentos entre grupos humanos, então, uma saudação deve ir para o gesto de Barack Obama na sua tentativa de colocar os Estados Unidos na liderança das batalhas mais directas para poupar o ambiente terráqueo do que poderão ser as últimas machadadas contra a esperança de vida digna e completa para os nossos filhos e netos, e, quem sabe, mesmo para nós próprios nos dias que ainda nos restam?

3. Já mais perto da minha seara histórico-linguística, não posso deixar de saudar a ainda que tardia e meia emenda do actual Presidente da República da Guiné-Bissau, que depois de nos ter dado uma triste lição de interpretação tão estrita e mesquinhamente legal e formalista (positivista?) de uma Constituição, abrindo no seu país uma crise absolutamente desnecessária, só para (quiçá) fazer jus à sua condição (formal) de “primeiro magistrado da Nação”; vá lá, aceitou o veredito da suprema instância judicial do país. Esperemos que não seja apenas uma cedência transitória para novos assaltos demolidores contra a tão necessária estabilidade institucional no país irmão. Seja como for, deu-se mais uma comprovação de afirmações anteriores minhas, de que quanto a certo “sentido de vergonha”, não há, entre os países africanos de língua portuguesa, pior do que a actual situação da “justiça angolana”, agora (com a saída do Dr. Cristiano André da presidência do Tribunal Supremo) superior e totalmente entregue a assessores do Presidente da República e abertamente dependente de suas “ordens superiores”.

4. Já o fiz no FB, mas volto a fazê-lo aqui. Na margem Índica do Continente, Moçambique, muito mais perto ainda da “minha seara”, lá onde se voltam a adensar nuvens agoirentas (assassinatos ainda não explicitados e quase a queima-roupa de figuras como o professor Gilles Cistac ou, mais recentemente, do jornalista Paulo Machava, em simultâneo com reajuntamentos de tropas dos antigos “dois lados” – para novos confrontos?!), saudação a Mia Couto que “sem papas na palavra”, não tremeu para dizer aos que mandam que, hoje por hoje, é preciso saber ouvir o “não” dos outros. Necessária esta saudação a partir desta margem atlântica, em que de gargantas do mesmo peso, idade e talento que Mia Couto, enrolam-se as palavras de fora para dentro, onde são bem deglutidas depois de engolidas. Na verdade, o caso não é para menos.

5. Finalmente, a “foice” dentro da “minha própria seara” e quem sabe se isso não são derradeiros sinais da aproximação da “vez de todos” (ainda Mia Couto):

5.1. Graças a persistência de almas como a eurodeputada Ana Gomes e do activista dos direitos humanos Rafael Marques, o Parlamento Europeu reconhece – até que em fim! – e de forma inequívoca, que antes do petróleo e outros minerais está a dignidade humana, no caso dos angolanos e, especialmente, da sua juventude que quer romper com as péssimas práticas do passado, porque merece um futuro melhor.

5.2. E no momento que escrevo estas linhas estará a decorrer um encontro de apoio aos presos políticos – vergonha no século XXI e num país “democrático e de direito” –, se ao menos for permitida esta forma de manifestação. Como não saudar esta forma criativa de contornar legitimidades ”ilegitimadas”? 

5.3. Finalmente, mas não menos importante, saudar a acção coordenada de todos os grupos da oposição na Assembleia Nacional (AN), reunidos pela primeira vez em jornada parlamentar conjunta, com a presença de partidos não representados na AN, presentes todos os líderes partidários de Angola e figuras importantes da sociedade civil; e com intervenções e conclusões à altura da situação grave que o país vive já há algum tempo, no essencial artificialmente criada no plano jurídico-institucional, e que se vai tornando um tanto quanto explosiva na sua combinação com a irresponsabilidade com que se gere a administração do Estado e dos seus recursos.

A hora é grave mas ao mesmo tempo é mais uma oportunidade que se nos oferece para se resolver, de vez, o problema fundamental de uma nação que já por si se constrói com dificuldades naturais, para que, especialmente, partidos políticos não venham a “furar” (como alguma vezes já aconteceu) compromissos solenes a troco de bagatelas e outras efemeridades, para quem se incumbiu de representar sectores importantes de populações e regiões que constituem a nação em construção.

E seria inusitado se, mais uma vez (mesmo quando já quase ninguém acredita) que o Presidente José Eduardo dos Santos aproveitasse esta vaga para rever (sem pensar que se inferioriza) com seus parceiros do panorama político angolano, o caminho errado que escolheu e que pessoalmente tenho criticado com sentido positivo, particularmente, depois do fim da guerra civil?

Como gosta de dizer, com certa graça, um apresentador desportivo na televisão sul-africana, “a ver vamos”. Seguiremos os passos encetados e contribuiremos com ideias para estas iniciativas de indiscutível importância e pertinência, caminhando sempre por veredas da moderação e do realismo possíveis.

*Marcolino Moco é ex-primeiro ministro de Angola e ex-secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

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