Marcolino
Moco* - Africa Monitor, opinião
1.
Uma saudação à atitude, algo inesperada, da Senhora Angela Merkel, sempre vista
como a “capataz” da “Europa imperialista”, mas que, à volta dos fugidos das
guerras do Médio Oriente, foi capaz de reavivar, com forte simbolismo, a ideia
de que a Europa tem grande responsabilidade no regresso ao primado da dignidade
humana, se quisermos preservar o nosso planeta, em tantas ameaças envolto.
2.
Se a consideração da dignidade humana e dos direitos humanos são o eixo da
salvação do gênero humano como, a contrario sensu, o demostraram a I e a II
guerras mundiais e todos os outros conflitos sangrentos entre grupos humanos,
então, uma saudação deve ir para o gesto de Barack Obama na sua tentativa de
colocar os Estados Unidos na liderança das batalhas mais directas para poupar o
ambiente terráqueo do que poderão ser as últimas machadadas contra a esperança
de vida digna e completa para os nossos filhos e netos, e, quem sabe, mesmo
para nós próprios nos dias que ainda nos restam?
3.
Já mais perto da minha seara histórico-linguística, não posso deixar de saudar
a ainda que tardia e meia emenda do actual Presidente da República da
Guiné-Bissau, que depois de nos ter dado uma triste lição de interpretação tão
estrita e mesquinhamente legal e formalista (positivista?) de uma Constituição,
abrindo no seu país uma crise absolutamente desnecessária, só para (quiçá)
fazer jus à sua condição (formal) de “primeiro magistrado da Nação”; vá lá,
aceitou o veredito da suprema instância judicial do país. Esperemos que não
seja apenas uma cedência transitória para novos assaltos demolidores contra a
tão necessária estabilidade institucional no país irmão. Seja como for, deu-se
mais uma comprovação de afirmações anteriores minhas, de que quanto a certo
“sentido de vergonha”, não há, entre os países africanos de língua portuguesa,
pior do que a actual situação da “justiça angolana”, agora (com a saída do Dr.
Cristiano André da presidência do Tribunal Supremo) superior e totalmente
entregue a assessores do Presidente da República e abertamente dependente de
suas “ordens superiores”.
4. Já
o fiz no FB, mas volto a fazê-lo aqui. Na margem Índica do Continente,
Moçambique, muito mais perto ainda da “minha seara”, lá onde se voltam a
adensar nuvens agoirentas (assassinatos ainda não explicitados e quase a
queima-roupa de figuras como o professor Gilles Cistac ou, mais recentemente,
do jornalista Paulo Machava, em simultâneo com reajuntamentos de tropas dos
antigos “dois lados” – para novos confrontos?!), saudação a Mia Couto que “sem
papas na palavra”, não tremeu para dizer aos que mandam que, hoje por hoje, é
preciso saber ouvir o “não” dos outros. Necessária esta saudação a partir desta
margem atlântica, em que de gargantas do mesmo peso, idade e talento que Mia
Couto, enrolam-se as palavras de fora para dentro, onde são bem deglutidas
depois de engolidas. Na verdade, o caso não é para menos.
5.
Finalmente, a “foice” dentro da “minha própria seara” e quem sabe se isso não
são derradeiros sinais da aproximação da “vez de todos” (ainda Mia Couto):
5.1.
Graças a persistência de almas como a eurodeputada Ana Gomes e do activista dos
direitos humanos Rafael Marques, o Parlamento Europeu reconhece – até que em
fim! – e de forma inequívoca, que antes do petróleo e outros minerais está a
dignidade humana, no caso dos angolanos e, especialmente, da sua juventude que
quer romper com as péssimas práticas do passado, porque merece um futuro
melhor.
5.2.
E no momento que escrevo estas linhas estará a decorrer um encontro de apoio
aos presos políticos – vergonha no século XXI e num país “democrático e de
direito” –, se ao menos for permitida esta forma de manifestação. Como não
saudar esta forma criativa de contornar legitimidades ”ilegitimadas”?
5.3.
Finalmente, mas não menos importante, saudar a acção coordenada de todos os
grupos da oposição na Assembleia Nacional (AN), reunidos pela primeira vez em
jornada parlamentar conjunta, com a presença de partidos não representados na
AN, presentes todos os líderes partidários de Angola e figuras importantes da
sociedade civil; e com intervenções e conclusões à altura da situação grave que
o país vive já há algum tempo, no essencial artificialmente criada no plano
jurídico-institucional, e que se vai tornando um tanto quanto explosiva na sua
combinação com a irresponsabilidade com que se gere a administração do Estado e
dos seus recursos.
A
hora é grave mas ao mesmo tempo é mais uma oportunidade que se nos oferece para
se resolver, de vez, o problema fundamental de uma nação que já por si se
constrói com dificuldades naturais, para que, especialmente, partidos políticos
não venham a “furar” (como alguma vezes já aconteceu) compromissos solenes a
troco de bagatelas e outras efemeridades, para quem se incumbiu de representar
sectores importantes de populações e regiões que constituem a nação em
construção.
E
seria inusitado se, mais uma vez (mesmo quando já quase ninguém acredita) que o
Presidente José Eduardo dos Santos aproveitasse esta vaga para rever (sem
pensar que se inferioriza) com seus parceiros do panorama político angolano, o
caminho errado que escolheu e que pessoalmente tenho criticado com sentido
positivo, particularmente, depois do fim da guerra civil?
Como
gosta de dizer, com certa graça, um apresentador desportivo na televisão
sul-africana, “a ver vamos”. Seguiremos os passos encetados e contribuiremos
com ideias para estas iniciativas de indiscutível importância e pertinência,
caminhando sempre por veredas da moderação e do realismo possíveis.
*Marcolino
Moco é ex-primeiro ministro de Angola e ex-secretário executivo da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa
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