sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O LABORATÓRIO AFRICOM – VIII



 Martinho Júnior, Luanda

Os relacionamentos dos Estados Unidos para com Angola, espelharam sempre a dialéctica entre os“lobbies” internos de suporte aos republicanos e democratas, articulados a conexões de carácter elitista em África.

Os republicanos têm-se mantido sobretudo suportados pelos “lobbies” do armamento e do petróleo, enquanto os democratas têm vínculos com o apoio sobretudo do “lobby” dos minerais.

Essa dialéctica financeira e sócio-política norte-americana, é imprimida em função dos interesses da aristocracia financeira mundial, assim como de suas ligações e conexões espalhadas pelo mundo, África incluída.

Desse modo os Estados Unidos garantiram sempre uma interpretação dos fenómenos “no terreno”que permitia uma síntese-analítica em relação a Angola que se baseava na observação duma íntima correlação entre os fenómenos de natureza físico-geográfico-ambiental (petróleo, gás e minerais incluídos) e as culturas humanas, sem perder de vista a inserção do país no contexto e nas conjunturas regionais, tendo em particular atenção os interesses norte-americanos na África do Sul e no Zaíre.

Em 1975 a administração Ford seguia a estratégia de Henry Kissinger para Angola, dissonante dos interesses das multinacionais do petróleo anglo-saxónicas instaladas em Angola e isso apesar do Presidente Agostinho Neto ter garantido a continuidade desses interesses, assumindo a sua segurança em relação às instalações e aos seus perímetros externos.

Desde então, derrotados em 1975 os etno-nacionalismos apoiados pela CIA, por Mobutu e por Botha, o “lobby” dos minerais foi determinante para a contínua agressão das SADF a Angola e pela trajectória de Savimbi, a coberto do “apartheid” (até 1992) e, posteriormente, a coberto de Mobutu (de 1992 a 2002).

Os interesses no ouro, na platina e nos diamantes, instrumentalizando o cartel dos diamantes, referiam-se ao histórico elitista oxfordiano de Cecil John Rhodes, espelhado então pela Anglo American, como pela De Beers sob a batuta do clã Oppenheimer, o que era tido como factor principal na abordagem dos interesses capitalistas para com Angola.

A exploração sem limites de mão-de-obra negra na África do Sul, respondia aos interesses do“apartheid” tal como a “guerra de fronteiras” por parte das South Africa Defence Forces instaladas no norte da Namíbia.

Posteriormente a riqueza mineral do Congo, outro grande produtor de diamantes, garantiu os laços indispensáveis, quer para “ter na mão” Mobutu, quer Savimbi, algo que para muito contribuiu Maurice Tempelsman, (de acordo com Janine Farrell Roberts no seu livro “Blood Stained Diamonds” e em intervenções em suporte da Congressista Cynthia McKinney, ela própria muito crítica em relação às políticas norte-americanas em África).

O “lobby” dos minerais interessava-se pelo miolo de África, “do Cabo ao Cairo”, pelo que Savimbi aninhava-se perfeitamente ao regime do “apartheid” (desde a “Operação Madeira” a 1992), à sombra do qual fez evoluir sua máquina de guerra, enquanto foi possível às SADF equacionarem a“guerra de fronteiras” a partir do território da Namíbia ocupada, durante quase toda a década de 80 do século passado.

As vantagens de Savimbi eram tão evidentes nessa altura, que até a administração republicana de Ronald Reagan, que estreou conceitos neo liberais na sua orientação, considerou Savimbi, a par dos contra da Nicarágua e de Bin Laden no Afeganistão, um privilegiado “freedom fighter”…

Quando a Namíbia se tornou independente, Savimbi (profundamente conhecedor das características físico-geográfico-ambientais do país), perdia a sua base de retaguarda no Sudeste de Angola e teve de mudar entre 1991 e 1998, seu sistema de apoio externo para o Zaíre de Mobutu (onde pontificava Maurice Tempelsman uma entidade incontornável dos diamantes ligado ao cartel) e mais tarde para a Zâmbia, de onde continuou a saga definida previamente sobretudo pelo cartel dos diamantes.

Perdeu a bacia do Okawango, para ganhar as bacias ricas de diamantes aluviais do Kwango, do Kassai e do Kwanza!

Em “Jonas Savimbi, combats pour l’Afrique et la démocratie” (“Demain l’UNITA”), escrito com a fiel colaboração do professor togolês da Sorbonne III, Atsoutsé Kokouvi Agbobli, a geo estratégia e a ideologia dos interesses do “lobby” dos minerais era explicada: Savimbi assumia a base de apoio dos “autóctones” contra os “crioulos”, do “interior” contra o “litoral”, dos “autênticos nacionalistas pan-africanos”, contra a “cultura lusitana sinónimo de discriminação racial”, de “nacionalistas autênticos” contra a “coalizão perpetuando dominação colonial e racial”, a dialéctica possível para quem, sem abdicar no fundo dum etno-nacionalismo sectário, começou a catapultar as suas acções a partir da retaguarda na Zâmbia e no Zaíre da “autenticité”.

Desse modo, as bacias hidrográficas carregadas de diamantes aluviais do Kwango, do Kassai e do Kwanza, tornar-se-iam sua obsessão, pois era a partir dos seus recursos que ele implementaria sua última saga de guerra, enquanto instalava seu Quartel-General no Andulo, próximo do centro geográfico de Angola e no perímetro da região central das grandes nascentes.

O “alvo a abater” era a própria identidade angolana em formação, o manancial humano de sustentação do MPLA, com população concentrada precisamente num triângulo com base no litoral e vértice na região central angolana das grandes nascentes, onde, longe das fronteiras, a angolanidade se demarcava da amálgama sócio-cultural e sócio-política do continente e por tabela dos Congos.

A saga do cartel dos diamantes, uma componente importante do “lobby” dos minerais, foi ainda possível enquanto Mobutu se manteve sem grandes contrariedades no poder em Kinshasa, todavia, quando a partir dos Kivus a rebelião de Laurent Kabila crescia, apoiada pelo Uganda e o Ruanda, já na década de 90, a geo estratégia desse “lobby” foi obrigada a “revisão”, até por que a ascensão de Paul Kagame no Ruanda tinha a alavanca desse “lobby” com evidência na administração democrata de Bill Clinton, um “rodes schollarship” que antes havia sido Governador do único Estado norte-americano produtor de diamantes, o Arkansas…

Se a “revisão” do contexto angolano foi feita pelos democratas, na sequência da ascensão de Paul Kagame e do declínio evidente de Mobutu, (uma “revisão” que implicou o reconhecimento político-diplomático de Angola), Savimbi persistiu na “guerra dos diamantes de sangue”, interpretando de forma errada o reconhecimento de Angola por parte dos Estados Unidos, precisamente durante a administração democrata de Bill Clinton.

Nesses termos Savimbi, sem se aperceber dos sinais de declínio, que alicerçou seu poder na exploração desenfreada de diamantes aluviais nas bacias do Kwango, do Kassai e do Kwanza, apostava tudo na confrontação contra um governo que era obrigado a ter no petróleo seu principal sustentáculo económico e financeiro, ou seja, chocou frontalmente com os interesses do “lobby” do petróleo em Angola, precisamente no litoral, quando atacou o Soio.

Essa situação foi imediatamente compreendida pelo sistema de interesses republicanos nos Estados Unidos e dos seus aliados conservadores e ultraconservadores da NATO (particularmente na Grã Bretanha e na França), o que permitiu ao governo angolano de então, recrutar a “Executive Outcomes” a fim de passar ao contra-ataque, reforçando a capacidade de intervenção das FAA dentro e fora das fronteiras (nos dois Congos).

Com a extinção das gloriosas FAPLA, as FAA estavam nessa altura ainda longe de atingir as capacidades ao nível da ameaça de Savimbi, quando atacou o Soio e dominava nos ricos vales pejados de diamantes aluviais do Kwango, do Kassai e do Kwanza.

O “lobby” do armamento, do petróleo e do gás nos Estados Unidos, por via dos republicanos, não perdeu mais de vista as vantagens conseguidas no terreno pelas FAA e aproveitou-as para as suas conexões e ligações ao governo angolano, influenciando por outro lado na diplomacia envolvente, nomeadamente em relação ao quadro de conversações, como na direcção do Golfo Da Guiné, dos Congos e dos Grandes Lagos.

Esse ambiente foi provocando na UNITA um inexorável desgaste, que começou, entre outros fenómenos sócio-políticos internos e externos, com o afastamento cada vez maior a Savimbi, por parte de seus quadros, dentro e fora do espaço nacional.

Por razões de sua própria sobrevivência e “mandando para as urtigas” a ideologia de combate de Savimbi, muitos militantes da UNITA refugiavam-se no litoral abandonando o interior, contribuindo para o rápido crescimento de concentrações urbanas como Luanda e o “complexo”Benguela-Catumbela-Lobito, evidenciando o potencial do fortalecimento da angolanidade (que nos permite hoje fazer o exercício fundamental de unidade na diversidade).

A situação da “orfandade” angolana, serviu de base para os republicanos se decidirem, quando ascendeu George W. Bush ao poder, a lançar um programa ousado em direcção a África (a Angola, ao Golfo da Guiné e aos Grandes Lagos), tirando partido da cultura de responsabilidade em relação ao petróleo alicerçada pelos dois Presidentes angolanos, António Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos.

O “petróleo para o desenvolvimento” em África tornava-se assim num engodo que possibilitava a criação do AFRICOM, precisamente na mesma altura em que Savimbi, em Fevereiro de 2002, pagava com sua própria vida a teimosia mal-avisada de sua persistente actuação, esgotados os apoios do “lobby” dos minerais, fragilizada sua base humana de apoio dentro e fora do território nacional e estando decidido o “processo Kimberley”, que evitava os “diamantes de sangue”!

A 26 de Fevereiro de 2002 o Presidente José Eduardo dos Santos visitou oficialmente os Estados Unidos e, com os Presidentes do Botswana e de Moçambique, foi recebido na Casa Branca por George W. Bush.

O poderoso Corporate Council on Africa, com o apoio da ExxonMobil, da ChevronTexaco, da BP e da Ocean Energy, com a presença de Maurice Tempelsman, Walter Kansteiner e de outras entidades ligadas aos negócios de petróleo e diamantes em Angola, recebeu com pompa e circunstância num jantar e nesse mesmo dia, o Presidente angolano.

O fim da “Iª Guerra Mundial Africana” tornou propício o plano de ofensiva em relação a África, por parte da administração republicana de George W. Bush e importantes sectores conservadores do espectro sócio-político norte-americano seriam chamados para a gestação, no berço, do AFRICOM, a par da implementação duma “nova era” de relações entre os Estados Unidos e Angola, mesmo assim, por razão do carácter sócio-político típico do capitalismo nos Estados Unidos da América e tal como eu sempre sustentei com base nas leituras fundamentadas em vários desenvolvimentos em África, não livres de futuras ambiguidades, manipulações e ingerências!

Os norte-americanos sempre estiveram longe da fermentação do Movimento de Libertação em África, sempre tiveram dificuldades em compreender as motivações africanas, a razão histórica profunda de elas existirem, as aspirações legítimas e visionárias e isso foi, é e será uma enorme dificuldade para, garantindo independência e soberania, continuar o rumo de Angola na longa batalha contra o subdesenvolvimento!

Fotos:
- 1 – Foto do Presidente angolano no Corporate Council on Africa, a 26 de Fevereiro de 2002, quando proferia a sua intervenção; 
- 2 – Savimbi “freddom fighter” de Ronald Reagan, um apogeu transitório e efémero sob a articulação do “lobby” dos minerais; foto do encontro de Ronald Reagan com Savimbi, a 30 de Janeiro de 1986; 
- 3 – Capa do livro de Savimbi, compendiado pelo professor da Sorbonne III, o togolês Atsutsé Kokouvi Agbobli.

A consultar:
- Breve monografia angolana – http://5---breve-monografia-angolana.blogspot.com/
- General Beto Traça – histórias da guerrilha do MPLA – http://www.opais.net/pt/opais/?id=1647&det=1473&mid=322
- Portugal deixou a PIDE colaborar com apartheid - Óscar Cardoso – http://www.angonoticias.com/Artigos/item/42856/portugal-deixou-a-pide-colaborar-com-apartheid-oscar-cardoso 
- Operação secreta lançou a guerra suja – http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/operacao_secreta_lancou_a_guerra_suja 
- UNITA pagou abastecimentos com três mil toneladas de marfim – http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/unita_pagou_abastecimentos_com_tres_mil_toneladas_de_marfim 
- UNITA: The Battle in Angola
Freedom vs. Communism – http://www.conservativeusa.org/angola.htm
 
- Atsutsè Kokouvi Agbobli – http://www.agbobli.org/atsutse_kokouvi_agbobli.php 
- As missões estratégicas para a paz no continente – http://jornaldeangola.sapo.ao/20/0/as_missoes_estrategicas_para_a_paz_no_continent 
- Is Bill Clinton A Descendant
Of Cecil Rhodes? – http://www.rense.com/politics6/rhodes.htm
 
- Basta de matanzas y saqueo en el Congo – http://www.inshuti.org/extracto.htm
- Congresswoman Cynthia McKinney – http://muhammadfarms.com/covert_action_in_africa.htm 
- O MUNDO SOB A DOUTRINA BUSH E A GLOBALIZAÇÃO – http://www.escolagabrielmiranda.com.br/hotpot/8serie/texto8.htm

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