Martinho Júnior, Luanda
Os
relacionamentos dos Estados Unidos para com Angola, espelharam sempre a
dialéctica entre os“lobbies” internos de suporte aos republicanos e
democratas, articulados a conexões de carácter elitista em África.
Os
republicanos têm-se mantido sobretudo suportados pelos “lobbies” do
armamento e do petróleo, enquanto os democratas têm vínculos com o apoio
sobretudo do “lobby” dos minerais.
Essa
dialéctica financeira e sócio-política norte-americana, é imprimida em função
dos interesses da aristocracia financeira mundial, assim como de suas ligações
e conexões espalhadas pelo mundo, África incluída.
Desse
modo os Estados Unidos garantiram sempre uma interpretação dos fenómenos “no
terreno”que permitia uma síntese-analítica em relação a Angola que se baseava
na observação duma íntima correlação entre os fenómenos de natureza
físico-geográfico-ambiental (petróleo, gás e minerais incluídos) e as culturas
humanas, sem perder de vista a inserção do país no contexto e nas conjunturas
regionais, tendo em particular atenção os interesses norte-americanos na África
do Sul e no Zaíre.
Em
1975 a administração Ford seguia a estratégia de Henry Kissinger para Angola,
dissonante dos interesses das multinacionais do petróleo anglo-saxónicas
instaladas em Angola e isso apesar do Presidente Agostinho Neto ter garantido a
continuidade desses interesses, assumindo a sua segurança em relação às
instalações e aos seus perímetros externos.
Desde
então, derrotados em 1975 os etno-nacionalismos apoiados pela CIA, por Mobutu e
por Botha, o “lobby” dos minerais foi determinante para a contínua
agressão das SADF a Angola e pela trajectória de Savimbi, a coberto do “apartheid” (até
1992) e, posteriormente, a coberto de Mobutu (de 1992 a 2002).
Os
interesses no ouro, na platina e nos diamantes, instrumentalizando o cartel dos
diamantes, referiam-se ao histórico elitista oxfordiano de Cecil John Rhodes,
espelhado então pela Anglo American, como pela De Beers sob a batuta do clã
Oppenheimer, o que era tido como factor principal na abordagem dos interesses
capitalistas para com Angola.
A
exploração sem limites de mão-de-obra negra na África do Sul, respondia aos
interesses do“apartheid” tal como a “guerra de fronteiras” por
parte das South Africa Defence Forces instaladas no norte da Namíbia.
Posteriormente
a riqueza mineral do Congo, outro grande produtor de diamantes, garantiu os
laços indispensáveis, quer para “ter na mão” Mobutu, quer Savimbi,
algo que para muito contribuiu Maurice Tempelsman, (de acordo com Janine
Farrell Roberts no seu livro “Blood Stained Diamonds” e em
intervenções em suporte da Congressista Cynthia McKinney, ela própria muito
crítica em relação às políticas norte-americanas em África).
O “lobby” dos
minerais interessava-se pelo miolo de África, “do Cabo ao Cairo”, pelo que
Savimbi aninhava-se perfeitamente ao regime do “apartheid” (desde a “Operação
Madeira” a 1992), à sombra do qual fez evoluir sua máquina de guerra,
enquanto foi possível às SADF equacionarem a“guerra de fronteiras” a
partir do território da Namíbia ocupada, durante quase toda a década de 80 do
século passado.
As
vantagens de Savimbi eram tão evidentes nessa altura, que até a administração
republicana de Ronald Reagan, que estreou conceitos neo liberais na sua
orientação, considerou Savimbi, a par dos contra da Nicarágua e de Bin Laden no
Afeganistão, um privilegiado “freedom fighter”…
Quando
a Namíbia se tornou independente, Savimbi (profundamente conhecedor das
características físico-geográfico-ambientais do país), perdia a sua base de
retaguarda no Sudeste de Angola e teve de mudar entre 1991 e 1998, seu sistema
de apoio externo para o Zaíre de Mobutu (onde pontificava Maurice Tempelsman
uma entidade incontornável dos diamantes ligado ao cartel) e mais tarde para a
Zâmbia, de onde continuou a saga definida previamente sobretudo pelo cartel dos
diamantes.
Perdeu
a bacia do Okawango, para ganhar as bacias ricas de diamantes aluviais do
Kwango, do Kassai e do Kwanza!
Em “Jonas
Savimbi, combats pour l’Afrique et la démocratie” (“Demain l’UNITA”),
escrito com a fiel colaboração do professor togolês da Sorbonne III, Atsoutsé
Kokouvi Agbobli, a geo estratégia e a ideologia dos interesses do “lobby” dos
minerais era explicada: Savimbi assumia a base de apoio dos “autóctones” contra
os “crioulos”, do “interior” contra o “litoral”, dos “autênticos
nacionalistas pan-africanos”, contra a “cultura lusitana sinónimo de
discriminação racial”, de “nacionalistas autênticos” contra a “coalizão
perpetuando dominação colonial e racial”, a dialéctica possível para quem, sem
abdicar no fundo dum etno-nacionalismo sectário, começou a catapultar as suas
acções a partir da retaguarda na Zâmbia e no Zaíre da “autenticité”.
Desse
modo, as bacias hidrográficas carregadas de diamantes aluviais do Kwango, do
Kassai e do Kwanza, tornar-se-iam sua obsessão, pois era a partir dos seus
recursos que ele implementaria sua última saga de guerra, enquanto instalava
seu Quartel-General no Andulo, próximo do centro geográfico de Angola e no
perímetro da região central das grandes nascentes.
O “alvo
a abater” era a própria identidade angolana em formação, o manancial
humano de sustentação do MPLA, com população concentrada precisamente num
triângulo com base no litoral e vértice na região central angolana das grandes
nascentes, onde, longe das fronteiras, a angolanidade se demarcava da amálgama
sócio-cultural e sócio-política do continente e por tabela dos Congos.
A
saga do cartel dos diamantes, uma componente importante do “lobby” dos
minerais, foi ainda possível enquanto Mobutu se manteve sem grandes
contrariedades no poder em Kinshasa, todavia, quando a partir dos Kivus a
rebelião de Laurent Kabila crescia, apoiada pelo Uganda e o Ruanda, já na
década de 90, a geo estratégia desse “lobby” foi obrigada a “revisão”,
até por que a ascensão de Paul Kagame no Ruanda tinha a alavanca desse “lobby” com
evidência na administração democrata de Bill Clinton, um “rodes
schollarship” que antes havia sido Governador do único Estado
norte-americano produtor de diamantes, o Arkansas…
Se
a “revisão” do contexto angolano foi feita pelos democratas, na
sequência da ascensão de Paul Kagame e do declínio evidente de Mobutu, (uma “revisão” que
implicou o reconhecimento político-diplomático de Angola), Savimbi persistiu na “guerra
dos diamantes de sangue”, interpretando de forma errada o reconhecimento de
Angola por parte dos Estados Unidos, precisamente durante a administração
democrata de Bill Clinton.
Nesses
termos Savimbi, sem se aperceber dos sinais de declínio, que alicerçou seu
poder na exploração desenfreada de diamantes aluviais nas bacias do Kwango, do
Kassai e do Kwanza, apostava tudo na confrontação contra um governo que era
obrigado a ter no petróleo seu principal sustentáculo económico e financeiro,
ou seja, chocou frontalmente com os interesses do “lobby” do petróleo
em Angola, precisamente no litoral, quando atacou o Soio.
Essa
situação foi imediatamente compreendida pelo sistema de interesses republicanos
nos Estados Unidos e dos seus aliados conservadores e ultraconservadores da
NATO (particularmente na Grã Bretanha e na França), o que permitiu ao governo
angolano de então, recrutar a “Executive Outcomes” a fim de passar ao
contra-ataque, reforçando a capacidade de intervenção das FAA dentro e fora das
fronteiras (nos dois Congos).
Com
a extinção das gloriosas FAPLA, as FAA estavam nessa altura ainda longe de
atingir as capacidades ao nível da ameaça de Savimbi, quando atacou o Soio e
dominava nos ricos vales pejados de diamantes aluviais do Kwango, do Kassai e
do Kwanza.
O “lobby” do
armamento, do petróleo e do gás nos Estados Unidos, por via dos republicanos,
não perdeu mais de vista as vantagens conseguidas no terreno pelas FAA e
aproveitou-as para as suas conexões e ligações ao governo angolano,
influenciando por outro lado na diplomacia envolvente, nomeadamente em relação
ao quadro de conversações, como na direcção do Golfo Da Guiné, dos Congos e dos
Grandes Lagos.
Esse
ambiente foi provocando na UNITA um inexorável desgaste, que começou, entre
outros fenómenos sócio-políticos internos e externos, com o afastamento cada
vez maior a Savimbi, por parte de seus quadros, dentro e fora do espaço
nacional.
Por
razões de sua própria sobrevivência e “mandando para as urtigas” a
ideologia de combate de Savimbi, muitos militantes da UNITA refugiavam-se no
litoral abandonando o interior, contribuindo para o rápido crescimento de
concentrações urbanas como Luanda e o “complexo”Benguela-Catumbela-Lobito,
evidenciando o potencial do fortalecimento da angolanidade (que nos permite
hoje fazer o exercício fundamental de unidade na diversidade).
A
situação da “orfandade” angolana, serviu de base para os republicanos
se decidirem, quando ascendeu George W. Bush ao poder, a lançar um programa
ousado em direcção a África (a Angola, ao Golfo da Guiné e aos Grandes Lagos),
tirando partido da cultura de responsabilidade em relação ao petróleo
alicerçada pelos dois Presidentes angolanos, António Agostinho Neto e José
Eduardo dos Santos.
O “petróleo
para o desenvolvimento” em África tornava-se assim num engodo que possibilitava
a criação do AFRICOM, precisamente na mesma altura em que Savimbi, em Fevereiro
de 2002, pagava com sua própria vida a teimosia mal-avisada de sua persistente
actuação, esgotados os apoios do “lobby” dos minerais, fragilizada
sua base humana de apoio dentro e fora do território nacional e estando
decidido o “processo Kimberley”, que evitava os “diamantes de sangue”!
A
26 de Fevereiro de 2002 o Presidente José Eduardo dos Santos visitou
oficialmente os Estados Unidos e, com os Presidentes do Botswana e de
Moçambique, foi recebido na Casa Branca por George W. Bush.
O
poderoso Corporate Council on Africa, com o apoio da ExxonMobil, da
ChevronTexaco, da BP e da Ocean Energy, com a presença de Maurice Tempelsman,
Walter Kansteiner e de outras entidades ligadas aos negócios de petróleo e
diamantes em Angola, recebeu com pompa e circunstância num jantar e nesse mesmo
dia, o Presidente angolano.
O
fim da “Iª Guerra Mundial Africana” tornou propício o plano de
ofensiva em relação a África, por parte da administração republicana de George
W. Bush e importantes sectores conservadores do espectro sócio-político
norte-americano seriam chamados para a gestação, no berço, do AFRICOM, a par da
implementação duma “nova era” de relações entre os Estados Unidos e
Angola, mesmo assim, por razão do carácter sócio-político típico do capitalismo
nos Estados Unidos da América e tal como eu sempre sustentei com base nas
leituras fundamentadas em vários desenvolvimentos em África, não livres de
futuras ambiguidades, manipulações e ingerências!
Os
norte-americanos sempre estiveram longe da fermentação do Movimento de
Libertação em África, sempre tiveram dificuldades em compreender as motivações
africanas, a razão histórica profunda de elas existirem, as aspirações
legítimas e visionárias e isso foi, é e será uma enorme dificuldade para,
garantindo independência e soberania, continuar o rumo de Angola na longa
batalha contra o subdesenvolvimento!
Fotos:
-
1 – Foto do Presidente angolano no Corporate Council on Africa, a 26 de
Fevereiro de 2002, quando proferia a sua intervenção;
-
2 – Savimbi “freddom fighter” de Ronald Reagan, um apogeu transitório
e efémero sob a articulação do “lobby” dos minerais; foto do encontro
de Ronald Reagan com Savimbi, a 30 de Janeiro de 1986;
-
3 – Capa do livro de Savimbi, compendiado pelo professor da Sorbonne III, o
togolês Atsutsé Kokouvi Agbobli.
A
consultar:
-
Breve monografia angolana – http://5---breve-monografia-angolana.blogspot.com/
-
General Beto Traça – histórias da guerrilha do MPLA – http://www.opais.net/pt/opais/?id=1647&det=1473&mid=322
- Portugal
deixou a PIDE colaborar com apartheid - Óscar Cardoso – http://www.angonoticias.com/Artigos/item/42856/portugal-deixou-a-pide-colaborar-com-apartheid-oscar-cardoso
- Operação
secreta lançou a guerra suja – http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/operacao_secreta_lancou_a_guerra_suja
- UNITA
pagou abastecimentos com três mil toneladas de marfim – http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/unita_pagou_abastecimentos_com_tres_mil_toneladas_de_marfim
- Jamba
foi centro de droga – http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/jamba_foi_centro_de_droga
- Angola
Rebel To Lobby Washington – http://articles.chicagotribune.com/1986-01-28/news/8601070771_1_rebel-leader-jonas-savimbi-military-aid-angola
-
Fowler Report – http://en.wikipedia.org/wiki/Fowler_Report
- UNITA:
The Battle in Angola
Freedom vs. Communism – http://www.conservativeusa.org/angola.htm
Freedom vs. Communism – http://www.conservativeusa.org/angola.htm
-
Jonas Savimbi – http://en.wikipedia.org/wiki/Jonas_Savimbi
-
Combats por l’Afrique et la démocratie – http://www.amazon.com/Combats-lAfrique-D%C3%A9mocratie-Entretien-Atsuts%C3%A9/dp/2828905551
- Atsutsè
Kokouvi Agbobli – http://www.agbobli.org/atsutse_kokouvi_agbobli.php
- As
missões estratégicas para a paz no continente – http://jornaldeangola.sapo.ao/20/0/as_missoes_estrategicas_para_a_paz_no_continent
-
O vale do Cuango – http://pagina--um.blogspot.com/2011/01/o-vale-do-cuango.html
-
Bill Clinton – http://www.biography.com/people/bill-clinton-9251236#in-recent-years
- Is
Bill Clinton A Descendant
Of Cecil Rhodes? – http://www.rense.com/politics6/rhodes.htm
Of Cecil Rhodes? – http://www.rense.com/politics6/rhodes.htm
-
Maurice Tempelsman – http://en.wikipedia.org/wiki/Maurice_Tempelsman
-
Basta de matanzas y saqueo en el Congo – http://www.inshuti.org/extracto.htm
-
Walter Kansteiner III – http://rightweb.irc-online.org/profile/Kansteiner_Walter_III; http://www.sourcewatch.org/index.php/Walter_Kansteiner
- Congresswoman
Cynthia McKinney – http://muhammadfarms.com/covert_action_in_africa.htm
-
Discurso do Presidente sobre o estado da nação (15 de Outubro de 2010) – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2010/9/41/Discurso-Presidente-sobre-estado-nacao,a2f97d55-7f2b-40f2-98a2-daf624e4c00a.html
- O
MUNDO SOB A DOUTRINA BUSH E A GLOBALIZAÇÃO – http://www.escolagabrielmiranda.com.br/hotpot/8serie/texto8.htm
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