A
vontade popular impôs como seus representantes uma maioria de deputados que se
propuseram lutar contra a austeridade em defesa da democracia e do Estado
social tendo como suporte a Constituição da República.
Mário Tomé
Um
enxame de vespas bem apessoadas zumbe ameaçador.
A
situação não é para menos: inesperadamente do ventre do monstro, um suposto
allien vem perturbar a tranquilidade pachorrenta da alarve devoração.
A
direita dos negócios e das rendas mais os debicadores de migalhas garantidas
entraram em pânico.
O
centrão passou a sofrer de angustiosa ansiedade .
A
derrota imposta à ousadia do Syriza pela parceria dos neoliberais com os
sociais-democratas europeus, com inusitada e, apesar de tudo, inesperada
violência por parte destes últimos, parecia assegurar que a sudoeste nada de
novo viria perturbar o regular funcionamento da hegemonia troikiana: a
aceitação da aldrabice orquestrada pelo executivo e pela docilidade do
legislativo sob a vigilância do cinismo presidencial dava sinais de resultar em
pleno, com a previsão de uma vitória eleitoral dos caudatários domésticos de
Merkell e Schäuble.
O
PS, invocando em vão os valores republicanos e social-democratas , esforça-se
estrenuamente por ignorar que a defesa desses valores em tempo de global
financeirização da economia pertence objectivamente à política radical proposta
à sua esquerda.
Podia
ter aprendido alguma coisa com a mudança profunda no Partido Trabalhista com a
eleição de Jeremy Corbyn por um lado e, pelo lado negativo, com o comportamento
vergonhoso dos seus congéneres europeus no esmagamento da vontade do povo
grego.
O
resultado das eleições de 4 de Outubro veio obrigar os socialistas a terem que
considerar uma resposta para a qual não estavam devidamente preparados e abriu
a caixa de Pandora do reaccionarismo mais boçal e imbecil por parte dos agentes
da coligação do PSD com o CDS e dos propagandistas, comentadores e jornalistas
que prosperam à sombra da política do centrão, construindo a narrativa (cá vai
ela) de que política é a arte de fintar, esconder e enganar e que a aldrabice é
o mais sofisticado método de compor a realidade.
A
vontade popular impôs como seus representantes uma maioria de deputados que se
propuseram lutar contra a austeridade em defesa da democracia e do Estado
social tendo como suporte a Constituição da República.
O
CDS, levado ao colo pelo PSD sem arriscar a contagem dos votos, ficou atrás do
Bloco e, onde enfrentou o eleitorado cara a cara, na Madeira, perdeu
directamente o deputado que já elegera para o Bloco de Esquerda.
A
composição do Parlamento revela a derrota dos partidos da PAF que ficaram em
minoria perante uma maioria clara anti-austeritária.
A
obstrução ideológica à constatação da vitória das forças anti-austeridade e à
legitimidade da formação de um governo apoiado nessa maioria que o povo
determinou com o seu voto para travar e acabar com a brutalidade do regime
austeritário, tem assumido aspectos sórdidos e também ridículos, revelando em
toda a sua nudez não apenas a rasteirice da direita mas, talvez o mais
significativo, a sabujice colaboracionista dos media subordinados sem apelo nem
agravo às exigências dos patrões da comunicação social.
As
esquerdas, sistematicamente acusadas de não quererem assumir responsabilidades
na procura e sustentação de soluções governativas, quando se propõem dar passos
nesse sentido, em função dos resultados eleitorais que apelam à governação pela
esquerda, passaram a ser anatematizadas, insultadas e, pelos mais ternurentos,
aconselhadas a manterem-se no seu lugar de protesto e oposição.
A
situação é propositadamente baralhada, tornada confusa e inextricável, por
forma a dar saída à solução cavaquista-passista-portista.
A
perícia troca-tintas de Paulo Portas, foi posta a nu pela divulgação de um
passo do seu debate com Passos Coelho na campanha legislativa de 2011 em que
argumentava exactamente o contrário do que hoje defende; ou seja na altura
defendia que a formação do governo devia e podia ser assegurada por quem
assegurasse uma maioria de deputados no caso de uma força política vencer sem
apoio maioritário garantido.
As
hesitações e divisões dentro do PS em trabalhar seriamente para reunir as
condições, conjuntamente com as forças de esquerda anti-austeritária para
assumir a formação de um governo com esse apoio maioritário garantido, deve-se
exclusivamente à sua já velha capitulação perante os status quo neoliberal.
Tony
Blair ou Jeremy Corbyn eis a escolha que tem pela frente.
Mário Tomé (na foto) - Coronel
na reforma. Militar de Abril. Escreve com a grafia anterior ao acordo
ortográfico de 1990
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