Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Os
portugueses têm o direito à recuperação dos rendimentos que perderam nos
últimos anos. Por razões de justiça e porque é indispensável para o
desenvolvimento do país. Um novo Governo comprometido com os valores da
democracia e com a Constituição da República terá de mexer de forma cirúrgica e
com eficácia nas políticas salariais, na atualização das pensões de reforma, na
política fiscal e em mecanismos de acesso a direitos sociais fundamentais.
A
austeridade deve ser substituída pelo rigor. Os apelos dos governantes à
submissão do povo e à pacífica aceitação de injustiças e humilhações têm de dar
lugar a um diálogo responsável com os cidadãos e a sociedade, à transformação
dos direitos e interesses das pessoas e das suas organizações no verdadeiro
interesse nacional.
As
políticas económicas terão de ser estruturadas não em função dos interesses
egoístas de umas quantas centenas que detêm o fundamental da riqueza e do
poder, mas servirem a sociedade no seu todo, assegurando redução de
desigualdades, progresso social, desenvolvimento humano, científico e
tecnológico. Só teremos um futuro melhor tomando estes objetivos como
estratégicos. Como já tenho escrito, o enfoque no crescimento económico, sem
cuidar da distribuição da riqueza e sem considerar todas as componentes do
nosso desenvolvimento, pode ser um logro rotundo.
O
Observatório sobre Crises e Alternativas divulgou na passada sexta-feira um
barómetro sobre o salário mínimo nacional (SMN)1 que analisa e projeta cenários
de um possível aumento para valores entre 532 e 600 euros. Aí podemos observar
que i) com um reduzido impacto na massa salarial global das empresas se pode
atingir um efeito positivo no rendimento de muitas centenas de milhares de
trabalhadores; ii) sendo as remunerações e outros gastos com o pessoal (que
inclui contribuições para a Segurança Social) apenas cerca de 20% do valor dos
custos de produção e os gastos gerais com pessoal bem menores do que o que as
empresas gastam com serviços externos contratados, é fácil constatar que há
medidas de redução de custos bem mais influentes que a velha receita de
espremer salários; iii) as pequenas empresas são mais atingidas pela subida do
SMN mas, em contrapartida, podem beneficiar bastante do crescimento da procura;
iv) num país com uma grande parte da população depauperada, a atualização do
SMN poderá impulsionar o investimento privado e, por outro lado, reforçar as
receitas da Segurança Social.
Mas,
não é suficiente atualizar o SMN. É preciso uma melhoria progressiva da maioria
dos salários, pois 50% do total dos trabalhadores auferem até pouco mais de 600
euros por mês. A revitalização da contratação coletiva é, assim, uma urgência
sob pena de o SMN se transformar no salário "normal" da maioria dos
portugueses e porque é através da negociação entre os trabalhadores e os
patrões que essa atualização pode ser feita com estabilidade e se podem
alcançar compromissos dinamizadores do emprego, da qualificação dos
trabalhadores e do investimento produtivo.
A
reposição de rendimentos tem de ser feita também através da atualização das
pensões de reforma. Sem dúvida que todas as pensões mínimas deverão constituir
uma primeira preocupação, mas, tal como na política salarial, temos de olhar
para o universo dos reformados. De forma equilibrada mas regular, todas as
pensões devem ser atualizadas. O atual sistema de cálculo das pensões já está
bastante blindado no sentido de evitar benefícios indevidos e tem mecanismos
mais que limitadores do valor das pensões futuras.
Nos
sistemas públicos universais e solidários da Segurança Social não existem e
jamais poderão existir reformas douradas, do tipo dos 90 mil euros mensais que
Ricardo Salgado recebe do "Fundo de Pensões" daquele que era o seu
banco. Contudo, como o Estado tem assumido responsabilidades na sobrevivência
dos bancos e nos encargos destes, acaba por ser o povo a pagar a fatura.
Há
muita "legalidade" a favor dos muito ricos que tem de ser posta em
causa, e novas leis que agora devem ser feitas para repor justiça e rendimentos
ao comum dos cidadãos.
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