domingo, 8 de novembro de 2015

Angola. MARTINS DA CRUZ, DE MINISTRO (PORTUGUÊS) A ASSALARIADO (DO MPLA)



MERCENARISMO POLÍTICO PARA LIMPAR REGIME

Folha 8 digital

Estávamos em Outubro de 2001. António Martins da Cruz anunciava a sua demissão do cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros, aceite pelo primeiro-ministro, Durão Barroso. Horas antes, o diplomata divulgara um comunicado garantindo que não se demitia e reafirmando que nunca fez qualquer diligência junto do ex-ministro Pedro Lynce de Portugal para favorecer a entrada da sua filha no Ensino Superior.

O comunicado de Martins da Cruz surgia na sequência de notícias segundo as quais Rui Trigoso, ex-chefe de gabinete de Pedro Lynce, teria tentado por duas vezes alterar a lei de excepção de acesso à universidade para filhos de diplomatas sem o conhecimento do ex-ministro da Ciência e Ensino Superior. 

O facto de Rui Trigoso estar na altura convidado por Martins da Cruz para ser seu chefe de gabinete adensou as suspeitas sobre o ministro dos Negócios Estrangeiros, até porque, segundo a SIC, esta seria a primeira vez que haveria um chefe de gabinete de um ministro dos Negócios Estrangeiros não diplomata. 

O PS reagiu de imediato a este desenvolvimento, pedindo a comparência do Ministro dos Negócios Estrangeiros na Assembleia da República. A este pedido juntaram-se requerimentos semelhantes de outros grupos parlamentares. O Bloco de Esquerda quis a comparência de Martins da Cruz na Comissão Parlamentar da Educação. O PCP e Os Verdes exigem uma audição com carácter de urgência de Martins da Cruz e de Rui Trigoso.

No comunicado então emitido, Martins da Cruz revelou que o secretário de Estado das Comunidades, José Cesário sugeriu aliterações aos regimes especiais de acesso ao ensino superior. As alterações propostas contemplariam as habilitações académicas com que Diana Martins da Cruz concorreu ao Ensino Superior, mas Martins da Cruz assegurou – no comunicado – que o requerimento apresentado pela sua filha foi anterior à iniciativa de José Cesário. A sugestão de alteração dos regimes especiais feita pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros ao Ministério da Ciência e Ensino Superior foi apresentada por escrito, mas Martins da Cruz retirou-a no dia seguinte. 

No dia 1 de Agosto de 2003 foi despachado favoravelmente o requerimento de acesso à universidade apresentado por Diana Martins da Cruz. Poucas horas após a divulgação destas informações, Martins da Cruz anunciou a sua demissão. 

“Continuo disposto a fazer todos os sacrifícios pelo País, mas não tenho o direito de pedir os mesmos sacrifícios à minha filha”, disse o ministro demissionário. Para os partidos da oposição, a demissão só pecou por tardia e não chegava para encerrar o caso. O PS quis ouvir explicações do próprio primeiro-ministro. O então secretário-geral socialista, Ferro Rodrigues, considerou que Durão Barroso tinha de explicar ao País. 

O ano e meio em que Martins da Cruz chefiou a diplomacia portuguesa foi marcado por várias polémicas, a primeira das quais começou pouco depois de ter assumido o cargo, ao lançar a reforma interna do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Na altura, Martins da Cruz foi acusado de tentar levar a cabo um saneamento político depois de ter retirado o embaixador Francisco Seixas da Costa – com quem não tinha as melhores relações pessoais – da representação portuguesa na ONU num gesto que levou à movimentação de três dezenas de embaixadores. 

Nova polémica surgiu quando substituiu toda a hierarquia do MNE, o que aconteceu pela primeira vez na história da instituição. A restruturação da rede consular que levou ao encerramento de vários consulados, entre os quais o de Osnabruck, na Alemanha, e o de Hong Kong, desencadeou fortes protestos das comunidades afectadas.

MERCENARISMO POLÍTICO DIPLOMÁTICO E DINHEIRO DA CORRUPÇÃO

Um recente debate na portuguesa TVI, em que a estação televi-siva fez mais um frete ao MPLA, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, agora como assalariado do regime de José Eduardo dos Santos, reproduziu as ordens recebidas de Luanda e criticou a forma “leviana e irresponsável” como Rafael Marques tem mostrado que o patrão de Martins da Cruz vai nu. 

Rafael Marques mostrou que o caso Luaty Beirão foi e é uma “fabricação” do sistema de justiça angolano, mas o antigo ministro português, hoje funcionário do MPLA, afirmou – tal como consta do despacho que recebera de Luanda – que o processo “foi posto pelas autoridades angolanas no plano judicial e não no plano político”. 

Martins da Cruz sempre quis afirmar-se como perito dos peritos. Que trate os portugueses como matumbos, é um problema dos portugueses. Agora que queira pôr os angolanos no mesmo plano, isso não. Seguindo à risca as instruções recebidas de quem lhe paga, Martins da Cruz disse que além de terem sido cumpridos os prazos, a justiça angolana foi até mais rápida que a portuguesa, pois marcou o julgamento num tempo recorde. O MPLA sorriu. De facto, não é fácil encontrar um sipaio tão submisso. 

António Martins da Cruz, certamente ainda a querer acertar contas antigas, disse mesmo que, enquanto a justiça angolana agiu dentro dos prazos, na fase de instrução, na acusação e na marcação do julgamento, a portuguesa manteve um ex-primeiro-ministro na prisão perto de um ano, sem deduzir acusação e sem marcar julgamento. 

“O facto de o Procurador da República receber instruções do Presidente da República nada tem a ver com a independência do poder judicial”, esclareceu António Martins da Cruz. Quem diria, não é? Terá sido, mais ao menos o que ele fez no caso da sua filha. Dão-se instruções mas, pasme-se, não se influencia a independência. Recorde-se que, de acordo com o Club-k, as autoridades angolanas indicaram sem alarido, António Martins da Cruz, como consultor do governo de Angola. A nomeação ocorrida devido aos bons ofícios de Manuel Vicente, aconteceu logo após as últimas eleições.

Como consultor do governo angolano, o seu contributo com maior dimensão foi na assessoria externa à TAAG, na altura das sanções na União Europeia que Martins da Cruz terá ajudado a resolver. O Presidente José Eduardo dos Santos tem sido identificado como um dos líderes africanos que mais recruta antigos governantes estrangeiros como seus consultores. Ao tempo do conflito armado, conseguiu recrutar como seu consultor um ex-secretário adjunto dos EUA para os assuntos africanos, Herman Cohen. Depois de ter cessado funções no departamento de Estado norte-americano, Herman Cohen passou a prestar consultoria ao governo de angolano através da sua empresa de consultoria Cohen & Woods.

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