MERCENARISMO
POLÍTICO PARA LIMPAR REGIME
Folha
8 digital
Estávamos
em Outubro de 2001. António
Martins da Cruz anunciava a sua demissão do cargo de ministro dos Negócios
Estrangeiros, aceite pelo primeiro-ministro, Durão Barroso. Horas antes, o
diplomata divulgara um comunicado garantindo que não se demitia e reafirmando
que nunca fez qualquer diligência junto do ex-ministro Pedro Lynce de Portugal
para favorecer a entrada da sua filha no Ensino Superior.
O
comunicado de Martins da Cruz surgia na sequência de notícias segundo as quais
Rui Trigoso, ex-chefe de gabinete de Pedro Lynce, teria tentado por duas vezes
alterar a lei de excepção de acesso à universidade para filhos de diplomatas
sem o conhecimento do ex-ministro da Ciência e Ensino Superior.
O facto de Rui
Trigoso estar na altura convidado por Martins da Cruz para ser seu chefe de
gabinete adensou as suspeitas sobre o ministro dos Negócios Estrangeiros, até
porque, segundo a SIC, esta seria a primeira vez que haveria um chefe de
gabinete de um ministro dos Negócios Estrangeiros não diplomata.
O PS reagiu de
imediato a este desenvolvimento, pedindo a comparência do Ministro dos Negócios
Estrangeiros na Assembleia da República. A este pedido juntaram-se requerimentos
semelhantes de outros grupos parlamentares. O Bloco de Esquerda quis a
comparência de Martins da Cruz na Comissão Parlamentar da Educação. O PCP e Os
Verdes exigem uma audição com carácter de urgência de Martins da Cruz e de Rui
Trigoso.
No
comunicado então emitido, Martins da Cruz revelou que o secretário de Estado
das Comunidades, José Cesário sugeriu aliterações aos regimes especiais de
acesso ao ensino superior. As alterações propostas contemplariam as habilitações
académicas com que Diana Martins da Cruz concorreu ao Ensino Superior, mas
Martins da Cruz assegurou – no comunicado – que o requerimento apresentado pela
sua filha foi anterior à iniciativa de José Cesário. A sugestão de alteração
dos regimes especiais feita pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros ao
Ministério da Ciência e Ensino Superior foi apresentada por escrito, mas
Martins da Cruz retirou-a no dia seguinte.
No dia 1 de Agosto de 2003 foi
despachado favoravelmente o requerimento de acesso à universidade apresentado
por Diana Martins da Cruz. Poucas horas após a divulgação destas informações,
Martins da Cruz anunciou a sua demissão.
“Continuo disposto a fazer todos os
sacrifícios pelo País, mas não tenho o direito de pedir os mesmos sacrifícios à
minha filha”, disse o ministro demissionário. Para os partidos da oposição, a
demissão só pecou por tardia e não chegava para encerrar o caso. O PS quis
ouvir explicações do próprio primeiro-ministro. O então secretário-geral
socialista, Ferro Rodrigues, considerou que Durão Barroso tinha de explicar ao
País.
O ano e meio em que Martins da Cruz chefiou a diplomacia portuguesa foi
marcado por várias polémicas, a primeira das quais começou pouco depois de ter
assumido o cargo, ao lançar a reforma interna do Ministério dos Negócios
Estrangeiros. Na altura, Martins da Cruz foi acusado de tentar levar a cabo um
saneamento político depois de ter retirado o embaixador Francisco Seixas da Costa
– com quem não tinha as melhores relações pessoais – da representação portuguesa
na ONU num gesto que levou à movimentação de três dezenas de embaixadores.
Nova
polémica surgiu quando substituiu toda a hierarquia do MNE, o que aconteceu
pela primeira vez na história da instituição. A restruturação da rede consular
que levou ao encerramento de vários consulados, entre os quais o de Osnabruck,
na Alemanha, e o de Hong Kong, desencadeou fortes protestos das comunidades
afectadas.
MERCENARISMO
POLÍTICO DIPLOMÁTICO E DINHEIRO DA CORRUPÇÃO
Um
recente debate na portuguesa TVI, em que a estação televi-siva fez mais um
frete ao MPLA, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, agora
como assalariado do regime de José Eduardo dos Santos, reproduziu as ordens
recebidas de Luanda e criticou a forma “leviana e irresponsável” como Rafael
Marques tem mostrado que o patrão de Martins da Cruz vai nu.
Rafael Marques mostrou
que o caso Luaty Beirão foi e é uma “fabricação” do sistema de justiça angolano,
mas o antigo ministro português, hoje funcionário do MPLA, afirmou – tal como
consta do despacho que recebera de Luanda – que o processo “foi posto pelas
autoridades angolanas no plano judicial e não no plano político”.
Martins da
Cruz sempre quis afirmar-se como perito dos peritos. Que trate os portugueses
como matumbos, é um problema dos portugueses. Agora que queira pôr os angolanos
no mesmo plano, isso não. Seguindo à risca as instruções recebidas de quem lhe
paga, Martins da Cruz disse que além de terem sido cumpridos os prazos, a
justiça angolana foi até mais rápida que a portuguesa, pois marcou o julgamento
num tempo recorde. O MPLA sorriu. De facto, não é fácil encontrar um sipaio tão
submisso.
António Martins da Cruz, certamente ainda a querer acertar contas
antigas, disse mesmo que, enquanto a justiça angolana agiu dentro dos prazos,
na fase de instrução, na acusação e na marcação do julgamento, a portuguesa
manteve um ex-primeiro-ministro na prisão perto de um ano, sem deduzir acusação
e sem marcar julgamento.
“O facto de o Procurador da República receber instruções
do Presidente da República nada tem a ver com a independência do poder
judicial”, esclareceu António Martins da Cruz. Quem diria, não é? Terá sido,
mais ao menos o que ele fez no caso da sua filha. Dão-se instruções mas,
pasme-se, não se influencia a independência. Recorde-se que, de acordo com o Club-k,
as autoridades angolanas indicaram sem alarido, António Martins da Cruz, como
consultor do governo de Angola. A nomeação ocorrida devido aos bons ofícios de
Manuel Vicente, aconteceu logo após as últimas eleições.
Como
consultor do governo angolano, o seu contributo com maior dimensão foi na
assessoria externa à TAAG, na altura das sanções na União Europeia que Martins
da Cruz terá ajudado a resolver. O Presidente José Eduardo dos Santos tem sido
identificado como um dos líderes africanos que mais recruta antigos governantes
estrangeiros como seus consultores. Ao tempo do conflito armado, conseguiu recrutar
como seu consultor um ex-secretário adjunto dos EUA para os assuntos africanos,
Herman Cohen. Depois de ter cessado funções no departamento de Estado
norte-americano, Herman Cohen passou a prestar consultoria ao governo de
angolano através da sua empresa de consultoria Cohen & Woods.
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