Martinho Júnior, Luanda
A
República da Guiné Equatorial, no inventário de suas potencialidades logo no
princípio do século, acabou por ser um país atraente para o quadro do “Africa
Oil Policy Innitiative Group” e na perspectiva do Golfo da Guiné.
A
administração republicana de George W. Bush por conseguinte, na sua abordagem
para com África e para com o Golfo da Guiné, alterou imediatamente os seus
relacionamentos, criando um“lobby” de suporte e ligação ao Presidente
Obiang, ao mesmo tempo que delineava um novo enquadramento regional para o
país.
A “cenoura” dos
benefícios do petróleo, tal como em relação a São Tomé e Príncipe, acabou por
imediatamente atiçar as disputas, colocando em conluio sectores internos e
externos que passaram também pelo laço do “Batalhão Búfalo” com a “Executive
Outcomes”, por tabela e tacitamente em concorrência com outras “Private
Military Companies”.
O
esforço da presidência norte-americana no sentido de atrair ao seu plano os
produtores de crude africanos da África Sub Sahariana para colmatar o espaço
deixado no vazio pelos produtores do Médio Oriente (no seguimento da invasão do
Iraque) foi de tal maneira intenso que facilmente atraiu e arregimentou os
incautos africanos, entre eles o Presidente Obiang, que procurou também
valorizar a muito sensível posição geo estratégica do seu país, inclusive
enquanto “invólucro” físico-geográfico de São Tomé e Príncipe.
O
Laboratório AFRICOM no que ao Golfo da Guiné dizia respeito, começou a ser
montado peça a peça, acabando por influir também nos relacionamentos de Angola
naquela região e até no quadro da CPLP.
O
figurino da CPLP foi produzido de modo a que Portugal, única componente filiada
na NATO, tivesse um papel mais fortalecido a jogar, explorando a contento o
carácter da “pax americana”assim estendida, de forma a melhor se
interligar com as presenças militares e de inteligência da França e dos Estados
Unidos.
SÉCULOS
DE SOLIDÃO
GUINÉ
EQUATORIAL – UM INVÓLUCRO GEOESTRATÉGICO PARA SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
O
micro País que constitui o arquipélago de São Tomé e Príncipe, uma continuação
da cordilheira montanhosa que emerge no Oceano Atlântico e em pleno Golfo da
Guiné dando sequência vulcânica, no mar, ao Monte Camarões, em direcção
Nordeste-Sudoeste, por ironia da Conferência de Berlim e da partilha de África
pelas potências coloniais possui um invólucro.
De
facto o território da Guiné Equatorial, particularmente o seu espaço marítimo,
antes uma colónia de Espanha, envolve quase por completo o espaço marítimo da
antiga colónia portuguesa, a norte e a sul.
A
norte de São Tomé e Príncipe encontra-se a ilha de Bioko, a sul a minúscula
ilha de Ano Bom.
Se
somarmos a tudo isso a posição geográfica do território continental do Rio
Muni, então uma grande percentagem das águas marítimas de São Tomé e Príncipe
estão quase cercadas pelas águas da República da Guiné Equatorial.
Se
isso pouca importância tinha quando os territórios foram explorados apenas por
causa de seus produtos tropicais, principalmente o café e o cacau, as questões
físico geográficas têm desde logo outro peso quando estão em causa não só a geo
estratégia da exploração do petróleo no Golfo da Guiné, mas também as
prioridades para a segurança que a potência hegemónica preconiza, tendo em
consideração o valor económico das explorações petrolíferas na região, (onde as
empresas norte-americanas são as maiores e as mais activas) e os riscos
existentes na conjuntura global.
A
República da Guiné Equatorial foi colónia espanhola e foram os espanhóis que
juntaram o Rio Muni ao território da Guiné Equatorial.
O
país tornou-se independente a 12 de Outubro de 1968, após um Referendo, tendo
sido formado um governo de coligação nacional, tendo à frente o Presidente
Francisco Macias Nguema que fora eleito um mês antes.
Em
1969 houve a tentativa dum golpe de estado e em 1970 o Presidente baniu todos
os partidos políticos, assumindo em 1972 um controlo “vitalício” do
governo e da presidência.
Exercendo
um poder de carácter ditatorial dentro do clã que compunha o aparelho de estado
estalou um golpe de estado a 3 de Agosto de 1979, tendo o Brigadeiro General
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, o então Comandante da Guarda Nacional, tomado o
poder, a ponto de prender, julgar, condenar à morte e executar o deposto
Presidente.
O
novo Presidente tem alterado muito lentamente o quadro político do país:
Em
1987 havia um único partido e em 1993, com uma nova Constituição, houve
eleições legislativas multipartidárias que foram boicotadas pela maior parte
dos partidos de oposição, evocando os índices anormais de repressão existentes,
pelo que o Partido Democrático (de que faz parte o Presidente) ganhou a maioria
dos assentos.
Em
Março de 1999 houveram novas eleições legislativas, voltando o Partido
Democrático a ganhar, completando 75 dos 80 assentos da Câmara dos
Representantes.
O
coro da denúncia de fraude eleitoral fez-se ouvir e dos 13 partidos da oposição
que desta vez participaram nas eleições legislativas, só 2 conquistaram
assentos nessa Câmara.
O
poder encontra-se de facto nas mãos duma cada vez mais poderosa “elite
network” que se tornou, segundo a maioria dos observadores atentos à vida
do país, na praticamente única detentora de todos os poderes e se manifesta
hoje como uma autêntica oligarquia que pelo menos numa fase inicial de sua
existência retirou para seu proveito e esbanjamento uma parte substancial dos
proventos da exploração do petróleo e deliberadamente continua a ostentar os
proveitos a que teve acesso, enquanto 90% da população vegeta nos níveis mais
baixos de “pobreza”, sem acesso a condições básicas consideradas mínimas,
como casa, água potável, electricidade, emprego, educação, etc., na própria
capital, pior ainda no campo onde vive 70% da população.
Uma
situação desse género numa altura em que a tendência global é para o aumento do
fosso das desigualdades entre as classes mais privilegiadas e a restante
população, o que se torna ainda mais sensível nos países subdesenvolvidos, as
probabilidades de golpes de estado podem vir a ser maiores, até por que esse
tipo de “soluções” podem-se tornar “tradicionais” em países
com as características que apresenta a Guiné Equatorial.
Quem
manipula muitas das situações correntes em África em estreita conexão com os
interesses da aristocracia financeira mundial e dos seus “lobbies”,
sabendo desses riscos derivados das características do sistema capitalista tal
qual a sua deriva, tirando partido de suas enormes vantagens “globais”,
tem na sua mão todas as cartas possíveis do baralho e joga-as em função de suas
próprias e exclusivas conveniências.
“Lavar
a imagem” do regime da Guiné Equatorial é por exemplo uma das jogadas que
estão a ser feitas neste momento, de forma a que elementos psicológicos de
persuasão sejam introduzidos com impactos nas conjunturas internacionais,
regionais e internas, a fim de “facilitar”, no essencial, o“desembarque” das
multinacionais.
A
22 de Abril de 2002, num estudo publicado no “The Nation” sob o
título “As políticas norte-americanas do petróleo no Kuwait de África”, o
analista Ken Silverstein detalhou os índices que evidenciam o crescimento da
exploração do petróleo, evidenciando que a Guiné Equatorial atingia já nesse
ano a produção de 500.000 barris / dia, dentro em breve iria atingir a produção
de 1.000.000 de barris / dia e estava em terceiro lugar entre os países
produtores de petróleo na África Sub Sahariana, atrás da Nigéria e de Angola.
Para
o ano de 2002 o crescimento previsto iria atingir os 34% com base nas receitas
do petróleo, o dobro do “ratio” respeitante a países com índices
elevados de receitas, mas para o referido analista isso não significava um
verdadeiro desenvolvimento, uma vez que as características do poder
comprometiam de certo modo a aplicação julgada “inteligente” de
eventuais investimentos cujos fundos eram provenientes dos rendimentos do
petróleo, o que transtornava também as políticas norte-americanas no quadro da “AOPIG”.
Para
os conceitos expressos nos “think tanks” que em função dos interesses
da aristocracia financeira mundial têm vindo a analisar e acompanham o “boom” do
petróleo no Golfo da Guiné e os seus efeitos sobre a sociedade e as
instituições da República da Guiné Equatorial (entre eles o“Council on Foreign
Relations” e o “The Institute for Advanced Strategic and Political
Studies”,“IASPS”), há a necessidade objectiva de que o governo
equato-guineense, de acordo com a óptica da “AOPIG”, assegure com
transparência os dividendos financeiros, aplicando-os da forma mais conveniente
em políticas que tragam mais desenvolvimento (segundo a óptica da potência
hegemónica) diversificando os sectores produtivos, assuma os encargos de
segurança das explorações petrolíferas e garanta as melhores condições
institucionais e humanas para os investimentos estrangeiros em regime de
parceria.
Esse
asseguramento seria muito provavelmente impossível, pois segundo o antigo
Embaixador norte-americano no país, Frank Ruddy, activo durante a administração
de Ronald Reagan, “o governo é corrupto” e não haveria vontade da
actual “elite network” em alterar o quadro económico-financeiro da
Guiné Equatorial.
Por
essa razão a administração democrata de Bill Clinton, sob pressão da sua
própria Secretária de Estado para os Assuntos Africanos, Susan Rice, manteve os
relacionamentos com o governo da Guiné Equatorial a um nível débil e só houve
alterações para melhor com o advento da administração republicana de George
Bush que entretanto reabriu a Embaixada dos Estados Unidos em Malabo (o que
reflecte aliás a visão por vezes contraditória dos “lobbies” dos
minerais e do petróleo como sustentáculos de distintos padrões das políticas
externas dos dois principais partidos dos Estados Unidos quando assumem o poder
na potência hegemónica, correspondendo aos encargos previstos pela aristocracia
financeira mundial durante as últimas décadas).
É
no actual quadro de melhorias de relacionamento bilateral entre os Estados
Unidos e o governo da Guiné Equatorial que a “Private Military Company” que
dá pelo nome de “Military Professional Resources Inc” (“MPRI”), ela
própria “a cavalo” no “lobby” do petróleo, assumiu o
encargo de treinar a Guarda Costeira da Guiné, a fim de “proteger as
plataformas offshore” a operar nas águas daquele país.
De
acordo com o General na reforma Ed Soyster, um dos antigos Chefes da Agência de
Inteligência da Defesa (“DIA”), que prestou serviço no “MPRI”, os
guineenses “possuem um pobre coeficiente em matéria de direitos humanos,
mas isso acontecia também com o governo nazi e nós também ajudámos a Alemanha
após a IIª Guerra Mundial”.
Esse
estado de opinião e comentário corrobora os responsáveis pelo “lobby” do
petróleo no país, que a propósito afirmam: “durante muito tempo as nossas
relações com a Guiné Equatorial resumiam-se ao rescaldo das críticas que
fazíamos no âmbito dos direitos humanos”, “essa é uma questão legítima,
mas neste momento a figura relativa ao quadro da energia está a mudar, o que
introduz algo que acaba por balancear o nosso diálogo”.
As
companhias norte-americanas de maior peso que operam na República da Guiné
Equatorial são a “ExxonMobil”, a “Chevron”, a “Ocean Energy”, a “Triton” e
a “CMS Energy” (que recentemente vendeu os seus interesses na Guiné
Equatorial à “Marathon”); qualquer delas está muito próxima da actual
administração republicana e como exemplo basta referir que de acordo com o
artigo de Ken Silverstein, há as seguintes evidências:
O “Chairman” da “CMS
Energy”, William McCormick, concedeu 100.000 USD ao Comité Presidencial de Bush
– Cheney em 2001.
Chester
Norris, Embaixador dos Estados Unidos na Guiné Equatorial durante a
administração republicana de George Bush, pai, é o Consultor em Malabo para as
operações da “Ocean Energy”.
O “Chairman” da “Triton”, Tom
Hicks, “tornou Bush milionário quinze vezes quando ele comprou a Texas
Rangers em 1998”.
Na
promoção duma “nova” imagem da República da Guiné Equatorial, a
começar por uma “nova”imagem para o Presidente Teodoro Obiang Nguema
Mbasogo, o estado guineense por influência do“lobby” do petróleo contratou
os serviços de Bruce McColm, um antigo Director da “Freedom House” que
está ao serviço do “Institute for Democratic Strategies”, (“IDS”) da
Virgínia.
Bruce
McColm tem vindo a trabalhar de forma muito estreita com o governo da Guiné
Equatorial, recebendo inclusive honorários pelo seu trabalho.
No
ano de 2000, estabelecidas previamente as regras do jogo, o “IDS” enviou
uma equipa de observadores para monitorar as eleições municipais na Guiné
Equatorial que foram consideradas“livres e justas”, espelhando aliás essa
opinião nos comunicados que foram elaborados por essa instituição, que
contrastaram segundo Ken Silverstein com o relatório da ONU que acerca desses
mesmas eleições afirmava que “foram caracterizadas pela omnipresença do
partido no poder, votando com a presença pública e intimidadora das forças
armadas”.
A “ordem”, “
para lavar a imagem” do regime de acordo com os interesses do “lobby” do
petróleo, tornou-se de tal modo incisiva que o “Corporate Council on
Africa” nessa peugada esgrimiu todos os argumentos de conveniência em
relação à Guiné Equatorial:
Em
2001 o “CCA” elaborou e publicou o “Country Profile” da
Guiné Equatorial, pago por seis multinacionais do petróleo e pelo “AfricaGlobal”,
este último representando o Presidente Obiang.
Esse
relatório não só propõe o país aos investimentos externos, mas também afirma
que, de acordo com os parâmetros característicos da democracia representativa,
por parte do regime “foram tomadas medidas para encorajar a diversidade
política e se assumirem os encargos no âmbito dos direitos humanos”.
A
8 de Fevereiro de 2002 o “CCA” promoveu um jantar privado a Obiang
que visitava na altura Washington.
O
evento ocorreu no Clube do Exército e da Marinha em Washington e cada um dos
convidados receberam uma biografia de Obiang preparada pelo “IDS” sob
a orientação de Bruce McColm ., descrevendo-o como “o primeiro Presidente
democraticamente eleito” e um homem “totalmente empenhado na
reconstrução física do seu país e em aumentar o bem estar de todos os seus
habitantes”.
Podendo.se
considerar como um caso extremo de manipulação nos termos dos interesses
externos e no que diz respeito à utilização política e propagandística do
rótulo da democracia representativa, no fundo em benefício duma oligarquia sem
melhores alternativas que “alimentar o seu próprio umbigo” com muito
poucos escrúpulos para com os seus concidadãos, a República da Guiné Equatorial
é para todos os habitantes da Região do Golfo da Guiné e África Central, a
imagem clara de quanto os regimes africanos se podem tornar expoentes muito
mais de poderosos interesses externos, cuja presença só é possível com a
globalização, sem que isso signifique uma melhoria sensível das condições de
vida de todo o seu povo, apesar das potencialidades naturais que existem.
Provavelmente
os equato-guineenses poderão ainda colocar muitas vezes seus votos nas urnas
sem que isso altere esse “stato quo”, muito menos que se possa vir a
aproveitar suas energias mobilizando-as para as decisivas causas nacionais, de
forma a inibir em toda a profundidade os factores causais do
subdesenvolvimento.
Provavelmente
apesar dos êxitos obtidos pelo “lobby” do petróleo ao se neutralizar
mais um golpe palaciano na Guiné Equatorial, não acabarão aqui “projectos” dessa
natureza, pelo que alguns dos restos dos “Búfalos” poderão ainda
estar tentados a esperar “melhores dias e melhores horas”.
Para
tal poderá influir a reconversão democrata numa próxima administração em
Washington.
Mapa: Território continental e insular da República da Guiné Equatorial
Foto: O “lobista” Ken Silvenrstein
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