Isabel
Moreira – Público, opinião
A
agonia da direita, uma estrada de má-fé argumentativa, uma estrada de pobreza
intelectual, foi, na discussão do programa do governo, um embaraço para a
democracia.
A
democracia precisa de oposição democrática, circunstância que pressupõe a
aceitação de premissa da aceitação da democracia, circunstância negada sem
pudor em cada intervenção durante os dias 2 e 3 de dezembro.
O
retrato que a direita traça da ilegitimidade do governo é um espelho assustador
de uma facção que tínhamos por abolida do sistema desde 1976.
O
Governo traçou claramente outra ilegitimidade, essa que seria não dar voz à
esmagadora maioria dos votos convertidos numa maioria parlamentar positiva,
essa que seria não se concentrar na igualdade, no crescimento económico, no
emprego, no combate à pobreza, na devolução da dignidade a quem foi explorado e
dispensado, ou essa de dizer 'basta' a um ataque ideológico à classe média e
aos mais pobres dos mais pobres, onde se encontram para vergonha de quem tenha
vergonha um número assustador de crianças.
Infelizmente,
a oposição tem tudo isto por desinteressante ou a assunção do seu enorme
embuste eleitoral como um pormenor.
Antes
concentrou-se na pior das mediocridades: um amuo perante a perda do bem que tem
por mais precioso – o poder - apoiado no pior da política, a demagogia
recheada de mentira e de deslealdade discursiva para com a República.
Essa
postura teve o seu apogeu no discurso sound byte de Paulo Portas, o
homem que se afirmou ofendido como cidadão perante um primeiro-ministro que
anunciou, apoteótico, como não eleito e apenas onde está porque o Presidente da
República está com o terrível constrangimento de não poder dissolver a Assembleia
da República.
Não
vale a pena falar do resto do discurso de Paulo Portas. Foi o habitual. Rima e
essas coisas.
Não
chego a ficar ofendida nem como deputada, nem como cidadã, com a insanidade
antidemocrática da direita tão bem retratada pelo líder do CDS que há tanto
tempo desconhece o voto popular.
Constato
apenas a demissão definitiva da direita pela voz de Portas que até tem razão: o
primeiro-ministro não é eleito, os deputados é que são eleitos.
Paulo
Portas, a quem não falta inteligência, sabe que até já foi proposto na revisão
constitucional de 1982 pela AD que o PM fosse o líder do Partido mais votado,
proposta chumbada e sabe que a CRP é clara quando faz depender a formação de
Governo dos resultados eleitorais convertidos em mandatos parlamentares, iguais
e sem privilégios de tradição.
É
avassalador para quem preza a democracia ouvir Portas falar do facto de Cavaco
não poder dissolver a AR como um constrangimento que terá ajudado à formação
deste Governo e não como uma regra constitucional, corretíssima, que pretende,
precisamente, que o PR não possa dissolver uma AR recém-eleita defraudando
assim a vontade do povo.
Fica
para memória futura que Portas queria mesmo que a lei fundamental do estado
permitisse revogar o povo.
Como
disse Portas no seu discurso de (auto) demissão do sistema, é da vida.
Talvez
lhes e lhe passe a angústia de terem sido demitidos pelo povo, porque a
democracia precisa de uma oposição democrática.
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