domingo, 10 de janeiro de 2016

Moçambique. Tetenses vivem ao lado da riqueza mas continuam pobres e sem electricidade



Adérito Caldeira - @Verdade

O “Eldorado” do carvão no nosso país e que recebeu um dos maiores volumes de investimentos estrangeiros na última década e meia, para a exploração e exportação do recurso mineral, registou um aumento pequeno na riqueza dos seus cidadãos moçambicanos, mostra o Inquérito sobre o Orçamento Familiar (IOF) de 2014/2015 que também deixa a descoberto que, apesar da proximidade com a maior fonte de electricidade nacional, Tete continua a ser a província de Moçambique menos iluminada. A maioria dos tetenses nem sequer tem acesso a água potável canalizada ou mesmo a uma habitação construída em material convencional e com uma retrete ligada a fossa séptica.

As primeiras chuvas e ventos fortes que fustigaram os distritos de Mágoe, Cahora Bassa, Zumbo, Mutarara e cidade de Tete deixaram pelo menos 365 desalojadas. São moçambicanos que apesar de residirem em regiões ciclicamente afectadas por estas calamidades naturais continuam a habitar em casas construídas em adobe ou paus maticados, 65%, e cobertas por capim, 69,7%.

No ano passado só na província de Tete 4.025 pessoas foram afectadas por estas intempéries e, como o material de construção das suas casas continua a ser precário, este ano preparam-se para enfrentar novo drama. De acordo com o Plano de Contingências do Governo de Filipe Nyusi, para um cenário de ventos fortes e inundações de pequena magnitude 4.738 pessoas estão em risco nesta província do centro de Moçambique onde residem cerca de 2,5 milhões de moçambicanos cujos rendimentos por agregado familiar em 2014/2015 é estimado em 6.429,00 meticais, cerca de 16% dos rendimentos conjuntos dos maputenses (que residem na cidade e província de Maputo).

Preocupante também é o deficiente saneamento em Tete, 44,1% dos agregados familiares continua a não possuir latrina e 32,9% usa latrina não melhorada, que em 2015 voltou a ter casos de cólera que não registava desde 2009 e outras doenças diarreicas aumentaram em 46%.

Mas se a água da chuva quando vem com força causa estragos ela faz falta a maioria dos tetenses ao longo do ano. É que apenas apenas 31 mil agregados familiares tinham em 2014 o privilégio de serem clientes do Fundo de Investimento e Património de Abastecimento de Água e graças a isso recebem água potável canalizada em casa. Segundo o IOF 2014/2015, 23,5% tem acesso a água através de poços não protegidos e 16,6% têm que disputar com os crocodilos o acesso a água dos rios e lagos. Pelo menos quatro cidadãs residentes nos bairros periféricos da capital provincial foram devoradas pelos répteis, em 2015, quando buscavam água no rio Zambeze.

Megaprojectos com impacto quase nulo

Segundo este Inquérito que é realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2002, pouco antes de iniciarem as exploração mineiras de carvão em Moatize, a riqueza média mensal de um agregado familiar em Tete era de 1.115 meticais e nessa altura a maioria dos tetenses obtinha os seus rendimentos da agricultura, silvicultura e da pesca. Seis anos depois esses rendimentos aumentaram em cerca de 212%, quiçá devido chegada e instalação das grandes multinacionais que começaram a trabalhar na indústria extractiva.

Porém entre 2008/2009 e 2014/2015 os rendimentos dos moçambicanos em Tete não aumentaram significativamente, apenas 84%, e acabaram por não surgir muitos postos de trabalho para os moçambicanos na florescente indústria do carvão: em 2008 trabalhavam nela 0,6% actualmente apenas 1,1% dos tetenses trabalham directamente nos megaprojectos.

Em Dezembro passado a presidente da Autoridade Tributária de Moçambique, Amélia Nakhare, criticou as multinacionais que vêm extrair os recursos naturais no nosso país mas geram poucas receitas para o erário pois estabelecem as suas sedes em paraísos fiscais onde conseguem pagar menos impostos e, salvo o volume de mão-de-obra empregue durante o curto período de instalação dos seus projectos, “nas fases subsequentes de maturidade do projecto a característica do investimento que ele faz é intensivo em capital, e por que também é intensivo em tecnologia de ponta ele vai reduzir a mão de obra a menos de metade. Ao reduzir a mão de obra o desemprego aumenta”.

Cahora Bassa é nossa mas Tete continua sem electricidade

Outra grande empresa baseada em Tete e que não gera grandes benefícios para os locais é a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), mesmo sendo “nossa” desde 2007. Entre os IOF de 2008/2009 e 2014/2015 a percentagem de agregados familiares que tinha acesso à energia eléctrica passou de 6,2% para apenas 11,2%, com a qualidade da energia a ser baixa e com um custo alto.

Na verdade o povo moçambicano que supostamente é dono da HCB nem é o maior beneficiário da energia que a hidroeléctrica produz, a África do Sul é o maior cliente seguido pelo Zimbabwe e só depois está Moçambique.

Paradoxalmente os moçambicanos que estão a pagar pelas acções da HCB 950 milhões de euros, em dívida externa, nem emprego conseguem lá. A hidroeléctrica tem apenas 714 postos de trabalho. Os ramos de actividade que mais cresceram durante este período foram a comércio e vendas, de 1,8% para 4,8%, e outros não identificados, de 0,7 para 7,8%. Na generalidade a maioria dos tetenses, 82,6% continua a viver da agricultura, silvicultura e da pesca, o ramo de actividade que pior paga aos seus trabalhadores e ainda por cima não garante dignidade desse trabalho pois é sazonal e com contratos precários.

Por isso soa a piada de muito mau gosto o desejo do Fim-de-Ano do Presidente Filipe Jacinto Nyusi que enfatizou que “por cada adversidade atravessada e desafio superado, aprimoramos a nossa preparação para um novo ano que com trabalho árduo de todos, será mais risonho”. Os moçambicanos querem trabalhar, faltam é postos de trabalho, principalmente os mais dignos e seguros.


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