Adérito
Caldeira - @Verdade
O
“Eldorado” do carvão no nosso país e que recebeu um dos maiores volumes de
investimentos estrangeiros na última década e meia, para a exploração e
exportação do recurso mineral, registou um aumento pequeno na riqueza dos seus
cidadãos moçambicanos, mostra o Inquérito sobre o Orçamento Familiar (IOF) de
2014/2015 que também deixa a descoberto que, apesar da proximidade com a maior
fonte de electricidade nacional, Tete continua a ser a província de Moçambique
menos iluminada. A maioria dos tetenses nem sequer tem acesso a água
potável canalizada ou mesmo a uma habitação construída em material convencional
e com uma retrete ligada a fossa séptica.
As
primeiras chuvas e ventos fortes que fustigaram os distritos de Mágoe, Cahora
Bassa, Zumbo, Mutarara e cidade de Tete deixaram pelo menos 365 desalojadas.
São moçambicanos que apesar de residirem em regiões ciclicamente afectadas por
estas calamidades naturais continuam a habitar em casas construídas em adobe ou
paus maticados, 65%, e cobertas por capim, 69,7%.
No
ano passado só na província de Tete 4.025 pessoas foram afectadas por estas
intempéries e, como o material de construção das suas casas continua a ser
precário, este ano preparam-se para enfrentar novo drama. De acordo com o Plano
de Contingências do Governo de Filipe Nyusi, para um cenário de ventos fortes e
inundações de pequena magnitude 4.738 pessoas estão em risco nesta província do
centro de Moçambique onde residem cerca de 2,5 milhões de moçambicanos cujos
rendimentos por agregado familiar em 2014/2015 é estimado em 6.429,00 meticais,
cerca de 16% dos rendimentos conjuntos dos maputenses (que residem na
cidade e província de Maputo).
Preocupante
também é o deficiente saneamento em Tete, 44,1% dos agregados familiares
continua a não possuir latrina e 32,9% usa latrina não melhorada, que em 2015
voltou a ter casos de cólera que não registava desde 2009 e outras doenças
diarreicas aumentaram em 46%.
Mas
se a água da chuva quando vem com força causa estragos ela faz falta a maioria
dos tetenses ao longo do ano. É que apenas apenas 31 mil agregados familiares
tinham em 2014 o privilégio de serem clientes do Fundo de Investimento e
Património de Abastecimento de Água e graças a isso recebem água potável
canalizada em casa. Segundo o IOF 2014/2015, 23,5% tem acesso a água através de
poços não protegidos e 16,6% têm que disputar com os crocodilos o acesso a água
dos rios e lagos. Pelo menos quatro cidadãs residentes nos bairros periféricos
da capital provincial foram devoradas pelos répteis, em 2015, quando buscavam
água no rio Zambeze.
Megaprojectos
com impacto quase nulo
Segundo
este Inquérito que é realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em
2002, pouco antes de iniciarem as exploração mineiras de carvão em Moatize, a
riqueza média mensal de um agregado familiar em Tete era de 1.115 meticais e
nessa altura a maioria dos tetenses obtinha os seus rendimentos da
agricultura, silvicultura e da pesca. Seis anos depois esses rendimentos
aumentaram em cerca de 212%, quiçá devido chegada e instalação das grandes
multinacionais que começaram a trabalhar na indústria extractiva.
Porém
entre 2008/2009 e 2014/2015 os rendimentos dos moçambicanos em Tete não
aumentaram significativamente, apenas 84%, e acabaram por não surgir muitos
postos de trabalho para os moçambicanos na florescente indústria do carvão: em
2008 trabalhavam nela 0,6% actualmente apenas 1,1% dos tetenses trabalham
directamente nos megaprojectos.
Em
Dezembro passado a presidente da Autoridade Tributária de Moçambique, Amélia
Nakhare, criticou as multinacionais que vêm extrair os recursos naturais no
nosso país mas geram poucas receitas para o erário pois estabelecem as suas
sedes em paraísos fiscais onde conseguem pagar menos impostos e, salvo o volume
de mão-de-obra empregue durante o curto período de instalação dos seus
projectos, “nas fases subsequentes de maturidade do projecto a característica
do investimento que ele faz é intensivo em capital, e por que também é
intensivo em tecnologia de ponta ele vai reduzir a mão de obra a menos de
metade. Ao reduzir a mão de obra o desemprego aumenta”.
Cahora
Bassa é nossa mas Tete continua sem electricidade
Outra
grande empresa baseada em Tete e que não gera grandes benefícios para os locais
é a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), mesmo sendo “nossa” desde 2007. Entre
os IOF de 2008/2009 e 2014/2015 a percentagem de agregados familiares que tinha
acesso à energia eléctrica passou de 6,2% para apenas 11,2%, com a qualidade da
energia a ser baixa e com um custo alto.
Na
verdade o povo moçambicano que supostamente é dono da HCB nem é o maior
beneficiário da energia que a hidroeléctrica produz, a África do Sul é o maior
cliente seguido pelo Zimbabwe e só depois está Moçambique.
Paradoxalmente
os moçambicanos que estão a pagar pelas acções da HCB 950 milhões de euros, em
dívida externa, nem emprego conseguem lá. A hidroeléctrica tem apenas 714
postos de trabalho. Os ramos de actividade que mais cresceram durante este
período foram a comércio e vendas, de 1,8% para 4,8%, e outros não identificados,
de 0,7 para 7,8%. Na generalidade a maioria dos tetenses, 82,6% continua a
viver da agricultura, silvicultura e da pesca, o ramo de actividade que pior
paga aos seus trabalhadores e ainda por cima não garante dignidade desse
trabalho pois é sazonal e com contratos precários.
Por
isso soa a piada de muito mau gosto o desejo do Fim-de-Ano do Presidente Filipe
Jacinto Nyusi que enfatizou que “por cada adversidade atravessada e desafio
superado, aprimoramos a nossa preparação para um novo ano que com trabalho
árduo de todos, será mais risonho”. Os moçambicanos querem trabalhar, faltam é
postos de trabalho, principalmente os mais dignos e seguros.
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