Martinho Júnior, Luanda
Com
as experiências adquiridas em São Tomé e Príncipe e Guiné Equatorial no
seguimento do“Africa Oil Policy Innitiative Group”, o Pentágono tirou lições de
articulação a partir das “Private Military Companies”, onde quer que fosse
possível estender o poder da aristocracia financeira mundial, agenciadora de
oligarquias e de elites.
As “Private
Military Companies” aprestavam-se a um flexível leque de ingerências e
manipulações maior que os meios militares de bandeira, em guerra como na paz.
Em
guerra (como no Iraque), em paz (como em São Tomé e Príncipe e sobretudo na
Guiné Equatorial).
Essa
experiência seria muito importante para o “Laboratório AFRICOM”:
-
Demonstrava previamente as capacidades a instalar no Comando África do
Pentágono, integrando “componentes civis” fossem organizações
governamentais como a USAID, fossem organizações não-governamentais, como por
exemplo o “National Endowment for Democracy”, de forma aberta ou velada
(conforme aos ensinamentos recolhidos com as “Private Military
Companies” logo no início da “era Bush”);
-
Possibilitava assim um maior empenho da panóplia de serviços de inteligência
(CIA, DIA, NSA…) que passaram a ter opções e disponibilidades mais variadas e
ao mesmo tempo, possibilidades de gestão integrada dos meios ao seu dispor e
melhor sincronização na tomada de decisão em relação às actividades entrosadas,
militares e civis entre sobretudo as potências anglo-saxónixas;
- Integrava nos dispositivos, as elites de forma a, ao moldá-las de acordo com os
interesses e conveniências da aristocracia financeira mundial, agenciá-las e
implantar seus próprios interesses e conveniências neo coloniais nos
vulneráveis espaços nacionais e regionais africanos;
-
Acoplava ao expediente a experiência “FrançAfrique” (para além do
seu “pré carré”);
- Incentivava também os africanos e outros, às iniciativas
instrumentalizadas nas “parcerias público-privadas” ao sabor do
capitalismo neoliberal decorrente da hegemonia unipolar rampante e sem
obstáculos.
Os
conceitos que foram desenvolvidos pelo Pentágono no início do século em relação
a África, conforme aos acontecimentos em São Tomé e Príncipe e Guiné
Equatorial, acabaram também por moldar a CPLP:
-
A Guiné Equatorial seria integrada nessa comunidade, sendo a oposição
conservadora portuguesa “um filme” frouxo, com uma argumentação quase
inóqua, perante as evidências insufladas pelo Pentágono (na verdade Portugal
demonstrou-se muito obediente devido à inserção histórica na NATO desde a sua
fundação, que não teve qualquer dúvida numa altura em que o Estado Novo era
fascista e colonialista);
-
A mensagem das articulações público-privadas estava lançada e passaria a ser
influente em todos os membros da CPLP e particularmente em Portugal e em
Angola, inclusive nos seus inter-relacionamentos
bilaterais, “acomodando-se” à “The New World Order”!
A
esta distância e no momento da eclosão duma IIIª Guerra Mundial não declarada
que se reflecte hoje em Angola com o “fim da era Bush”, no momento em que
na 70ª Assembleia Geral da ONU se pode constatar a eclosão da emergência
multipolar, pode-se hoje fazer uma melhor avaliação do que escrevi em 2004,
ainda no “ACTUAL”!
SÉCULOS
DE SOLIDÃO, GUINÉ
EQUATORIAL – “BÚFALOS FORA DE HORAS”
Menos
de um ano depois do golpe de estado na vizinha República de São Tomé e
Príncipe, (um golpe de estado que faz este mês o seu primeiro aniversário), que
teve como eixo de sua concretização os remanescentes do “Batalhão
Búfalo” naturais do pequeno arquipélago do Golfo da Guiné, um novo golpe
de estado teve início em relação à República da Guiné Equatorial, ainda com
remanescentes daquelas forças outrora alimentadas pelo regime
do “apartheid”.
À
falta de cidadãos naturais da Guiné Equatorial desta feita garantiu-se uma
mobilização de cidadãos originários de vários países, entre eles angolanos (que
foram aliás efectivo maioritário no“Batalhão 32” por força da sua origem,
da história de sua aplicação e dos objectivos em relação aos quais foi
garantido no quadro das SADF e dos serviços de inteligência do regime
do “apartheid”).
Tal
como o “expediente” relacionado com São Tomé e Príncipe, a iniciativa
do golpe de estado na Guiné Equatorial não teve o rótulo duma “Private
Military Company”, dadas aliás as características da acção, mas é justo notar
que, quando os interesses em jogo precisam de garantir coberturas, ou dar um
carácter mais oficial às iniciativas, então elas surgem pela via
duma “PMC”; neste caso havia a conveniência das coisas se passarem em
perfeita clandestinidade, pelo que uma vez mais se garantiu:
-
O recrutamento de velhos efectivos que serviram no Batalhão 32, particularmente
angolanos (o factor da língua era importante, pois na Guiné Equatorial fala-se
o espanhol, castelhano, uma língua próxima do português).
-
Ter também, uma vez mais a África do Sul como fulcro da “operação”, de
acordo com factores políticos, económicos e sociais favoráveis a tal tipo de
acção, bem como às “tradições” até hoje“preservadas” naquele
país, em relação a antigas instituições e iniciativas.
Na
África do Sul, “nação arco – íris”, apesar do fim
do “apartheid” e da ascensão do ANC, a direita actuante que teve
alicerces fortes quer nas SADF quer nos serviços de inteligência e da polícia
sul africana, refugiou-se em círculos de pouco impacto político, mas conotados
com os empreendimentos de segurança um pouco por todo o país, particularmente a
segurança industrial ligada à poderosa e omnipresente indústria mineira.
Tendo
as multinacionais mineiras da nebulosa da “Anglo American
Corporation” e da “De Beers”,o comando de praticamente todas as
acções no ramo e em muitos outros sectores de actividade na África do Sul,
necessariamente os grupos de segurança assim formados depois do desmantelamento
do “apartheid” e o advento dos Governos do ANC tendem a responder aos
interesses que habitualmente servem dentro ou fora da África do Sul,
independentemente das bandeiras, das nacionalidades e até das diferentes cores
políticas e opções.
O
sinal democrata, cujo “lobby” assenta nos interesses ligados à
indústria mineira duma forma geral e nos interesses do cartel dos diamantes
muito em particular, tem assim “tentáculos”perduráveis, naturalmente muito
para lá do tempo útil do regime do “apartheid”, que foram sendo utilizados
ao longo da década de noventa do século passado e ainda subsistem.
Aparentemente
desgarrados dos contextos, eles garantem sempre conotações ascendentes de
conveniência que convergem para a super estrutura financeira que tutela a
própria globalização, pelo que a sua actuação comporta sempre as colorações
próprias dos grupos de pressão existentes e aumentam a capacidade de
manipulação em todas as conjunturas onde hajam estados enfraquecidos e
vulneráveis, particularmente em África.
O “Consórcio
Internacional de Jornalistas Investigadores”, um grupo de
jornalistas-investigadores reconhecidos internacionalmente, (http://www.icij.org), realizou
vários trabalhos sobre o tema das“PMC” e dos mercenários (um tema actual
que está longe de ser encerrado, uma vez que os Estados Africanos continuam a
dar mostras de serem fracos e vulneráveis em relação aos espaços nacionais e
regionais circunvizinhos).
Uma
das muitas conclusões a que chegou foi que a esmagadora maioria
das “PMC” são de origem“anglo saxónica”: norte-americana , britânica
e sul-africana, precisamente as potências-chave da“Commonwealth” à escala
global e à escala da África sub Sahariana, tendo como raiz os critérios do
imperialismo britânico dos finais do século XIX, sob o signo de Cecil John
Rhodes.
“De
facto, uma investigação levada a cabo durante dois anos pela ICIJ, identificou
pelo menos 90 companhias militares privadas (conforme preferem ser conhecidos
alguns mercenários deste novo milénio), que operavam em 110 Países espalhados
pelo mundo. A maior parte dessas companhias providenciavam serviços a forças
militares nacionais que incluíam treinos militares, inteligência, logística,
combate e segurança em zonas de conflito, com quartéis-generais nos Estados
Unidos, Grã Bretanha e África do Sul, muito embora o grosso dos seus serviços
fosse prestado em áreas de conflito em África, América do Sul e
Ásia” (in “Privatizing combat, The New World Order”).
Uma
outra conclusão a que os jornalistas-investigadores infelizmente não tiraram na
altura, parece ser a de que os golpes de estado contemporâneos envolvendo
mercenários (alguns dos quais que já serviram em “Private Military
Companies”), estão a ser muito mais profusos, por razões históricas e
conjunturais, em países que se expressam em línguas latinas, em África pelo
menos, que nos países que se expressam em língua anglófona, ou seja, é a partir
de países que constituem os esteios da aristocracia financeira mundial e lhe
servem como “correias de transmissão” a nível global e regional, que
se estão a accionar dispositivos mercenários com maior ou menor cobertura legal
e / ou oficial, tendo como alvo principal os países de fora
da “Commonwealth”, o que é um dos factores principais de manipulação e da
moderna pirataria.
Essa
situação é sinónimo histórico do facto de, ao ter beneficiado com a revolução
industrial da parte mais suculenta do planeta no período do Império Britânico e
antes da descolonização, a“Commonwealth” tende a ser um dos instrumentos
que dá cobertura aos interesses das multinacionais operadoras das explorações
minerais, que podem operar em áreas onde os “lobbies”de sinal democrata
estão em perda, em relação aos “lobbies” de sinal republicano,
sincronizados com as multinacionais do petróleo.
No
fundo implementaram-se artificiosos processos de manipulação que resultaram em
ganhos para as “nervuras” que se prendem ao processo de globalização,
por uma via ou outra e se no caso de São Tomé e Príncipe visava-se a
consolidação da democracia representativa e a integração de agentes nas suas
forças armadas, na Guiné Equatorial fica o sério aviso àqueles que mantendo o
poder, ainda não puseram sequer em marcha o processo de implantação da
democracia representativa, tão de conveniência dos poderes globais.
Esse “aviso” foi
dado com recurso a mecanismos de pressão internos que contrataram
os “velhos Búfalos”, apesar do regime da Guiné Equatorial procurar
recorrer a “PMC” a fim de formar as suas forças armadas, aproveitando
a formulação dos conceitos próprios do “AOPIG”.
Para
colocar na Guiné Equatorial em posição vantajosa, uma “PMC” como
a “MPRI”, recorreu-se aos “Búfalos”, mobilizando alguns dos efectivos
que já fizeram também parte, muito provavelmente, doutra “PMC” como
a “Executive Outcomes”, que publicamente terá deixado de existir.
Por
outro lado, é evidente que entre uma “PMC” ao nível duma “MPRI”,
norte-americana e uma“Executive Outcomes”, sul-africana que recorre à
mobilização de antigos oficiais dos serviços de inteligência do regime
do “apartheid” e de antigos efectivos do “Batalhão Búfalo”,
os “lobbies” do petróleo estão a fazer tudo para imporem os
primeiros, chegando até a conferir-lhes cobertura legal, colada às linhas de
força de sua geo estratégia.
De
facto e ainda segundo o artigo “Privatizing Combat , The New World Order”,
por causa dos interesses do petróleo na Guiné Equatorial o “Military
Professional Resources Incorporated”(“MPRI”), identificada como uma das mais
poderosas e influentes empresas de mercenários, estará em vias de obter a sua
completa legalização nos Estados Unidos e uma completa aceitação na Guiné
Equatorial.
“O
MPRI tem agora o poder do departamento legal da L-3 Communications por detrás e
algumas vezes um departamento do governo fará o lobby em relação a outro, em
benefício da PMC. Em Abril de 2001 um Relatório do Pentágono obtido pelo ICIJ
referia que o MPRI podia precisar do nosso apoio na obtenção da … licença do
Estado, necessariamente para o caso da companhia propor contratos a fim de
treinar forças militares na Guiné Equatorial rica em petróleo, acerca do qual o
Pentágono considerava tratar-se do Kuwait do Golfo da Guiné”.
(
… )
“Charles
Snyder, o Adjunto do Secretário de Estado para os Assuntos Africanos, disse que
a renovação de licenças tais como as propostas para o MPRI em relação à Guiné
Equatorial, tal como era considerado pelo seu staff, era algo valioso para a
política norte-americana para aquela região: nós achamos que existe mérito ao
se usar um contrato no exterior por que assim não estamos a empregar nem os
uniformes americanos, nem nossos efectivos, disse. Um país como a Guiné
Equatorial obterá possibilidades de treino onde quer que seja, então é melhor
termos contratos norte-americanos no terreno. Por essa via pelo menos teremos
conhecimento da informação de retorno tendo como base a informação oriunda de
nossos profissionais, se os treinos tiverem ou não algum impacto”.

O
aparente êxito dos serviços de inteligência da África do Sul, do Zimbabwe e de
Angola, ao despoletarem a “ameaça fora de horas dos Búfalos” em
relação à Guiné Equatorial, (o que não foi conseguido em relação a São Tomé e
Príncipe faz agora um ano), não deixa de ser um processo perfeitamente
condicionado que além do mais “responde à virtude” de não pôr em
causa no sentido mais lato o terrível fenómeno do mercenarismo enquanto
fenómeno do interesse da Nova Era Global.
Os “velhos
Búfalos” terão caído num engodo que eles próprios muitas vezes souberam
tão bem ajudar a criar quando respondiam às SADF, ao regime
do “apartheid” e mesmo às multinacionais mineiras post Botha, para
obter vitórias sobre seus adversários.
Os
seus responsáveis não fizeram uma suficiente avaliação de forças, tanto no
Golfo da Guiné quanto na própria África do Sul e apesar do passado recente em
vigor em praticamente toda a década de 90, começam a haver indícios que o sinal
democrata está a abandonar o recurso ao mercenarismo típico da segunda metade
do século XX, entregando neste caso os deserdados“Búfalos” às feras e
acatando a conveniência da ascensão duma “PMC” como
o “MPRI” para o plano privilegiado das actuações no Golfo da Guiné.
Nenhum
serviço de inteligência tanto de países da SADC quanto da África Central, ou do
Golfo da Guiné que puseram em causa a actuação desgarrada
dos “Búfalos” , apanhados a meio caminho e detidos em Harare, ousaram
levantar sequer a mínima suspeita sobre a actuação do “MPRI”.
Com
a actuação dos “Búfalos fora de horas”, os grandes interesses dão-se por
satisfeitos com as obedientes respostas de todos os componentes regionais e na
Guiné Equatorial, podemos quase estar certos que até a implantação tímida duma
democracia representativa pode estar indefinidamente adiada.
Imagens:
-
Localização da Guiné Equatorial;
-
Simon-Man um dos chefes dos mercenários capturados na tentativa de golpe de
estado na Guiné Equatorial;
-
Publicação no ACTUAL nº 403 de 17 de Julho de 2004 – “Búfalos fora de
horas”.
*Por
engano publicámos primeiro O
LABORATÓRIO AFRICOM – XV em data anterior, está convidado(a) a conferir e
ler Martinho Júnior.
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