terça-feira, 26 de janeiro de 2016

O LABORATÓRIO AFRICOM – XVIII




1 – A Líbia, sujeita a um “novo programa” de desestabilização, preencheu uma das principais preocupações secretas iniciais do AFRICOM, que contou desde logo com a estreita conexão à NATO e suas bases em Itália, em função das históricas ligações mediterrânicas…

Para a Líbia “a programação” em função do petróleo, depois das guerras secretas que envolveram a plataforma do Chade, seguiu uma trilha inicial “para o desenvolvimento”, o engodo (a “cenoura Bush”) em vigor para atrair Kadafi, enquanto, com o jogo das inteligências conjugadas dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Israel, se preparava a fase da “primavera árabe” tendo a conjugação do petróleo finalmente exposta “enquanto excremento do diabo”… que culminou com o assassínio de Kadafi.

A extensão da guerra do Médio Oriente à Líbia foi decidida já com a administração democrata de Barack Hussein Obama, que com as “primaveras árabes” instaladas na Tunísia, na Líbia e no Egipto pôde elevar a fasquia da disseminação do caos estendendo-o à Líbia, de forma a projectá-lo em consequência, explorando o êxito, pelo Sahara e Sahel (imensas regiões marcadas pela antropologia-cultural nómada).

O plano pretendia ser “exemplar” e “surpreendente” (em termos da aplicação do “cacete” segundo métodos de persuasão activa característicos da manobra de ingerência e manipulação previstos para África) e precisamente quando Kadafi havia ganho bastante espaço na União Africana: persuadir todos no continente, explorando os aspectos emocionais, utilizando o “cacete” no momento próprio e de forma cirúrgica sobre um estado-alvo que apesar das imensas conquistas realizadas em termos de progresso económico e estrutural, apesar do entesouramento colocando grande parte de suas finanças em bancos externos ocidentais, era afinal tremendamente vulnerável na base da sua composição sócio-política e institucional e nos critérios em que se havia formado sob a orientação de Kadafi.

Para a hegemonia unipolar havia a vantagem de, logo que se removesse Kadafi as portas de todo o Sahara e Sahel ficariam abertas a uma manipulação e ingerência maior (permitindo disseminar o caos terrorista) e, por via disso, com uma incidência capaz de justificar a manobra militar e de inteligência que tirava proveito tácito do terror jihadista em socorro dos fragilizados estados da região, onde de há longa data estavam implantados agentes (acima de tudo “francófonos”) instalados por décadas de exercício dum “pré carré” funcional até na essência da arquitectura financeira que sustenta o “Franco CFA”!

Abriria as portas também à manipulação maior que seria o democrata Barack Hussein Obama cronologicamente a explorar: a contradição entre a disseminação do caos armado “de baixa intensidade” a norte, com predominância da religião muçulmana reinterpretada pelo jihadismo (Sahara, Sahel Sudão e Somália-Iémen), e a paz a sul, onde a implantação cristã é maior, permitindo a estabilidade para a fermentação de elites afins ao jogo africano da aristocracia financeira mundial.

O processo contaminado fazendo uso do AFRICOM, tornou-se possível nessa direcção por via particularmente da instrumentalização tácita do AQMI e do Boko Haram a norte: para implantar forças no continente africano, o Pentágono precisaria de “conflitos de baixa intensidade” pelo menos a norte, até por que eles seriam benéficos à manobra de agentes de alto nível instalados directamente nos países-alvo atingidos desde a costa Atlântica à costa Índica, ao longo de todo o Sahel!

Como prova disso:

O Mali seguiu-se à desestabilização da Líbia logo que as condições para a proliferação do caos foi conseguida e mais uma vez as questões religiosas e étnicas serviram à fermentação das iniciativas quer do AQMI, quer dos tuaregues…

A Argélia, cuja experiência em enfrentar o terrorismo jihadista tinha sido consolidada, conseguiu restringir o novo fluxo que se limitou a muito esporádicas iniciativas…

O Chade, conjuntamente com a Nigéria, o Níger e os Camarões, viriam a sofrer com o rescaldo do processo líbio como se fosse um “efeito boomerang” ao seu alinhamento, quando do início do processo de disseminação do caos.

O “efeito dominó”, que um dia foi aplicado no jogo africano quando se decidia a sorte da África Austral, justificava-se agora em socorro dos interesses e conveniências da aristocracia financeira mundial (sob o ponto de vista dialéctico da hegemonia unipolar) na própria instrumentalização do Pentágono, pois no Sahel, da África do Oeste, à costa do Índico, as vulnerabilidades africanas em terras onde as nomadizações existiam desde sempre (não poupando sequer no “miolo” os nilóticos), permitiam todo o tipo de ingerências e manipulações, utilizando a base disponível das contradições históricas e antropológicas “no terreno”.

Assim os Grandes Lagos, que ficam sensivelmente a meio caminho entre a Nigéria e a Somália, integrariam sob o ponto de vista das contradições humanas entre nómadas e sedentários, as contradições suficientes capazes de disseminação das tensões propícias ao caos e é essa uma das explicações da longevidade do “Lord´s Resistence Army” do Uganda, (a emanação cristã fundamentalista da região dos Grandes Lagos e Alto Nilo), que também mobiliza comunidades nómadas.

Os frutos da agressão à Líbia foram entretanto de tal forma saborosos que a NATO / AFRICOM está já pronta para uma 2ª dose de voracidade sangrenta!

2 – Conforme dizia no início da série:

“Em África há uma íntima correlação entre os fenómenos de natureza físico-geográfico-ambiental e as culturas humanas, com uma história longa, de milénios.

Essa correlação não passou despercebida aos laboratórios de desestabilização de algumas potências, tendo como objectivo último a manutenção dos seus próprios processos de domínio que incluem o continente africano, mantendo-o no seu papel subdesenvolvido de fornecedor de matérias-primas e de mão-de-obra barata e, por essa via na deliberada periferia dos seus sistemas-em-cadeia.

O lançamento do AFRICOM que, é preciso lembrar, mantém o seu centro de decisões na Europa, veio estimular de forma muito subtil a arquitectura de planos que fazem o aproveitamento dessa correlação, com vista a objectivos que começam até a pôr em causa o desenho do mapa sócio-político africano estabelecido com a Conferência de Berlim”.

A manipulação do AFRICOM arrasta os países da África Austral que conseguiram uma plataforma mais consolidada de paz, onde se concentram as comunidades mais sedentárias e afectas a religiões cristãs que estão antropologicamente menos expostas às interpretações fundamentalistas e radicais.

De facto, tendo em conta a progressão conseguida pela disseminação do caos, os países da África Austral com Angola em destaque, estimulam políticas que por vias do diálogo procuram consensos em busca de paz e estabilidade, de que África tanto carece, que não deixam por isso mesmo de alinhar com os expedientes de assimilação global característicos da “era Bush” para com África.

Todos esses esforços, que na maior parte dos casos são feitos por vias político-diplomáticos e alguns também com recurso à força militar, estão, em relação à contradição guerra-paz em África (guerra no norte e paz a sul) gorados por que implicam na alienação dos processos de resistência em relação aos impactos sobre causas profundas fomentadas (manipuladas) pela hegemonia unipolar, pois o jihadismo terrorista possui suas próprias fontes de financiamento e se elas escapam aos serviços de inteligência, o jihadismo tem sempre formas de renascer e sobreviver onde quer que seja, de tão fragilizadas que estão as sociedades africanas.

Guardar armamento, estabelecer santuários clandestinos e aproveitar as enormes deficiências da malha político-administrativa nas fronteiras desenhadas pela Conferência de Berlim, concorrem para a capacidade de sobrevivência geo estratégia dos rebeldes fundamentalistas, étnicos e outros radicais: no Sahara como no Sahel, os Toyota vieram dar outra mobilidade a todo o tipo de movimentos que eles precisam adequando os processos de nomadização ao contexto.

Isso significa que para as potências ocidentais está garantida tacitamente a continuidade da subversão numa trilha de “baixa intensidade” (embora com espectaculares episódios sangrentos), o que facilita a implantação de forças da NATO / AFRICOM onde quer que seja onde se registe o caos.

A intervenção russa na Síria colocou a descoberto as fontes de financiamento do DAESH e da Frente Al Nushra, algo que em África é muito mais difícil em relação aos fundamentalismos, etnicismo e outros radicalismos existentes no continente, pois nas imensas regiões onde existe a nomadização, na falta de possibilidades de rapina sobre as riquezas naturais, o contrabando e as migrações bastam, estimulando a disseminação de populações quer na direcção da Europa, atravessando o Mediterrâneo, quer em direcção à África Austral (conforme se constata em relação a Angola).

3 – O AFRICOM instalou-se, veio para ficar por que o seu fermento possibilita articulações a muito longo prazo e garante políticas de neo colonização como a experiência de 200 anos na América Latina onde a luta pela independência continua correspondendo à “expansão” do império de cultura eminentemente anglo-saxónica), apesar das bandeiras içadas no fim da colonização de Espanha.

A “redutibilidade francófona”, com uma França submissa a partir da perda de influência no Ruanda (a partir da “Operação Turquoise”) e sujeita à experiência traumatizante de Kadafi (Sarkozi, ainda que financiado por Kadafi, aprendeu bem a doutrina de choque conforme tão bem explica Naomi Klein), teve de encaixar os interesses geo estratégicos gauleses no “pré carré”, alinhando-os com os interesses da hegemonia unipolar em conformidade e sintonia com a aspirações de domínio da aristocracia financeira mundial.

O capitalismo neo liberal aproveitou-se do colapso socialista e da constante fragilização do Movimento de Libertação em África para alcançar os seus objectivos e nem mesmo a presença de emergentes ao nível da China (que procura estimular o renascimento africano apesar de muitos erros que vai praticando) está a alterar o quadro do “Laboratório AFRICOM”.

Por fim as tensões em torno do petróleo e outros produtos energéticos estimula o processo de passagem do já de si perverso “petróleo enquanto fonte de desenvolvimento” (segundo o “AOPIG” e a paternalista “doutrina Bush”), para o processo ainda mais perverso de “petróleo enquanto excremento do diabo”, uma fronteira que ara ser vencida basta a queda do valor do barril.

Nem mesmo os países africanos produtores de petróleo estão imunes a essa “transição” que a administração republicana de George W. Bush escondeu dos africanos antes e durante os primeiros anos do AFRICOM e para que assim fosse, muito contribuiu o facto de essa “transição”só ter ocorrido após o assassínio de Kadafi e a disseminação do caos pelo Sahara e Sahel, integrando os factores desestabilizadores crónicos nos Grandes Lagos e na Somália-Iémen.

4 – Mesmo os países que enveredam por articulações de paz (como os da SADC, tendo como“ariete” Angola), estão atingidos pela crise da baixa dos preços do petróleo e a braços com capacidades de resposta fragilizadas, vulnerabilizadas e por isso considerados de manipuláveis.

As elites africanas (e sobretudo a angolana), forjadas na “era Bush” e não correspondendo em tempo oportuno a processos de diversificação económica com orientação geo estratégica, (muito menos aberta à consciência dialéctica com os olhos do sul), estão a ser apanhadas nas malhas dos vícios da globalização minados pela hegemonia unipolar, enquadrando “transvases”instrumentalizados, como por exemplo as “parcerias público privadas”, que tendem a tornar cancerígenos os tecidos do próprio estado, mas tão bem servem aos processos de assimilação.

Esse processo não está pois só vocacionado à gestação de elites afins: delimita também seu campo de manobra!

As elites angolanas, que têm correspondido no âmbito da “era Bush” à dialéctica imposta pela aristocracia financeira mundial, a dialéctica do império que implica processos de formatação, assimilação e de agenciamento descaracterizando a sequência legítima que o Movimento de Libertação exigia desde o passado próximo, estão à prova: ou continuam numa senda mercenária e anti-patriótica de mau augúrio, colocando em risco os pressupostos básicos da harmonia (integração, solidariedade, equilíbrio e justiça social, com redistribuição da renda em benefício de todo o povo angolano), ou assumem o patriotismo que tanto estimulou os processos do próprio Movimento de Libertação em África, reabrindo aberta ou veladamente mas com todo o rigor e vigor, o processo socialista!

Por isso ouso questionar: haverá realmente paz em África na ausência substantiva de socialismo?

A paz adjectivada pela “era Bush” e pelas suas sequelas, é a paz do “Laboratório AFRICOM”!

Ilustrações:
- As exportações de petróleo líbias no tempo de Kadafi eram feitas substancialmente em direcção a compradores ocidentais (só 5% seguiam para a China);
- As multinacionais do petróleo ocidentais dominam em toda a África o que facilita a manobra de inteligência do AFRICOM;
- O AQMI (Al Qaeda do Magreb Islâmico) estava já implantado no Sahara e no Sahel antes das “Primaveras Árabes” e do derrube de Kadafi na Líbia.

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