Martinho Júnior, Luanda
1
– A Líbia, sujeita a um “novo programa” de desestabilização,
preencheu uma das principais preocupações secretas iniciais do AFRICOM, que
contou desde logo com a estreita conexão à NATO e suas bases em Itália, em
função das históricas ligações mediterrânicas…
Para
a Líbia “a programação” em função do petróleo, depois das guerras
secretas que envolveram a plataforma do Chade, seguiu uma trilha
inicial “para o desenvolvimento”, o engodo (a “cenoura Bush”) em
vigor para atrair Kadafi, enquanto, com o jogo das inteligências conjugadas dos
Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Israel, se preparava a fase
da “primavera árabe” tendo a conjugação do petróleo finalmente
exposta “enquanto excremento do diabo”… que culminou com o assassínio de
Kadafi.
A
extensão da guerra do Médio Oriente à Líbia foi decidida já com a administração
democrata de Barack Hussein Obama, que com as “primaveras
árabes” instaladas na Tunísia, na Líbia e no Egipto pôde elevar a fasquia
da disseminação do caos estendendo-o à Líbia, de forma a projectá-lo em
consequência, explorando o êxito, pelo Sahara e Sahel (imensas regiões marcadas
pela antropologia-cultural nómada).
O
plano pretendia ser “exemplar” e “surpreendente” (em termos
da aplicação do “cacete” segundo métodos de persuasão activa
característicos da manobra de ingerência e manipulação previstos para África) e
precisamente quando Kadafi havia ganho bastante espaço na União Africana:
persuadir todos no continente, explorando os aspectos emocionais, utilizando
o “cacete” no momento próprio e de forma cirúrgica sobre um
estado-alvo que apesar das imensas conquistas realizadas em termos de progresso
económico e estrutural, apesar do entesouramento colocando grande parte de suas
finanças em bancos externos ocidentais, era afinal tremendamente vulnerável na
base da sua composição sócio-política e institucional e nos critérios em que se
havia formado sob a orientação de Kadafi.
Para
a hegemonia unipolar havia a vantagem de, logo que se removesse Kadafi as portas
de todo o Sahara e Sahel ficariam abertas a uma manipulação e ingerência maior
(permitindo disseminar o caos terrorista) e, por via disso, com uma incidência
capaz de justificar a manobra militar e de inteligência que tirava proveito
tácito do terror jihadista em socorro dos fragilizados estados da região, onde
de há longa data estavam implantados agentes (acima de tudo “francófonos”)
instalados por décadas de exercício dum “pré carré” funcional até na
essência da arquitectura financeira que sustenta o “Franco CFA”!
Abriria
as portas também à manipulação maior que seria o democrata Barack Hussein Obama
cronologicamente a explorar: a contradição entre a disseminação do caos
armado “de baixa intensidade” a norte, com predominância da religião
muçulmana reinterpretada pelo jihadismo (Sahara, Sahel Sudão e Somália-Iémen),
e a paz a sul, onde a implantação cristã é maior, permitindo a estabilidade
para a fermentação de elites afins ao jogo africano da aristocracia financeira
mundial.
O
processo contaminado fazendo uso do AFRICOM, tornou-se possível nessa direcção
por via particularmente da instrumentalização tácita do AQMI e do Boko Haram a
norte: para implantar forças no continente africano, o Pentágono precisaria
de “conflitos de baixa intensidade” pelo menos a norte, até por que
eles seriam benéficos à manobra de agentes de alto nível instalados
directamente nos países-alvo atingidos desde a costa Atlântica à costa Índica,
ao longo de todo o Sahel!
Como
prova disso:
O
Mali seguiu-se à desestabilização da Líbia logo que as condições para a
proliferação do caos foi conseguida e mais uma vez as questões religiosas e
étnicas serviram à fermentação das iniciativas quer do AQMI, quer dos
tuaregues…
A
Argélia, cuja experiência em enfrentar o terrorismo jihadista tinha sido
consolidada, conseguiu restringir o novo fluxo que se limitou a muito
esporádicas iniciativas…
O
Chade, conjuntamente com a Nigéria, o Níger e os Camarões, viriam a sofrer com
o rescaldo do processo líbio como se fosse um “efeito boomerang” ao
seu alinhamento, quando do início do processo de disseminação do caos.
O “efeito
dominó”, que um dia foi aplicado no jogo africano quando se decidia a sorte da
África Austral, justificava-se agora em socorro dos interesses e conveniências
da aristocracia financeira mundial (sob o ponto de vista dialéctico da
hegemonia unipolar) na própria instrumentalização do Pentágono, pois no Sahel,
da África do Oeste, à costa do Índico, as vulnerabilidades africanas em terras
onde as nomadizações existiam desde sempre (não poupando sequer
no “miolo” os nilóticos), permitiam todo o tipo de ingerências e
manipulações, utilizando a base disponível das contradições históricas e
antropológicas “no terreno”.
Assim
os Grandes Lagos, que ficam sensivelmente a meio caminho entre a Nigéria e a
Somália, integrariam sob o ponto de vista das contradições humanas entre
nómadas e sedentários, as contradições suficientes capazes de disseminação das
tensões propícias ao caos e é essa uma das explicações da longevidade
do “Lord´s Resistence Army” do Uganda, (a emanação cristã
fundamentalista da região dos Grandes Lagos e Alto Nilo), que também mobiliza
comunidades nómadas.
Os
frutos da agressão à Líbia foram entretanto de tal forma saborosos que a NATO /
AFRICOM está já pronta para uma 2ª dose de voracidade sangrenta!
2
– Conforme dizia no início da série:
“Em
África há uma íntima correlação entre os fenómenos de natureza
físico-geográfico-ambiental e as culturas humanas, com uma história longa, de
milénios.
Essa
correlação não passou despercebida aos laboratórios de desestabilização de
algumas potências, tendo como objectivo último a manutenção dos seus próprios
processos de domínio que incluem o continente africano, mantendo-o no seu papel
subdesenvolvido de fornecedor de matérias-primas e de mão-de-obra barata e, por
essa via na deliberada periferia dos seus sistemas-em-cadeia.
O
lançamento do AFRICOM que, é preciso lembrar, mantém o seu centro de decisões
na Europa, veio estimular de forma muito subtil a arquitectura de planos que
fazem o aproveitamento dessa correlação, com vista a objectivos que começam até
a pôr em causa o desenho do mapa sócio-político africano estabelecido com a
Conferência de Berlim”.
A
manipulação do AFRICOM arrasta os países da África Austral que conseguiram uma
plataforma mais consolidada de paz, onde se concentram as comunidades mais
sedentárias e afectas a religiões cristãs que estão antropologicamente menos
expostas às interpretações fundamentalistas e radicais.
De
facto, tendo em conta a progressão conseguida pela disseminação do caos, os
países da África Austral com Angola em destaque, estimulam políticas que por
vias do diálogo procuram consensos em busca de paz e estabilidade, de que
África tanto carece, que não deixam por isso mesmo de alinhar com os expedientes
de assimilação global característicos da “era Bush” para com África.
Todos
esses esforços, que na maior parte dos casos são feitos por vias
político-diplomáticos e alguns também com recurso à força militar, estão, em
relação à contradição guerra-paz em África (guerra no norte e paz a sul)
gorados por que implicam na alienação dos processos de resistência em relação
aos impactos sobre causas profundas fomentadas (manipuladas) pela hegemonia
unipolar, pois o jihadismo terrorista possui suas próprias fontes de
financiamento e se elas escapam aos serviços de inteligência, o jihadismo tem
sempre formas de renascer e sobreviver onde quer que seja, de tão fragilizadas
que estão as sociedades africanas.
Guardar
armamento, estabelecer santuários clandestinos e aproveitar as enormes
deficiências da malha político-administrativa nas fronteiras desenhadas pela
Conferência de Berlim, concorrem para a capacidade de sobrevivência geo
estratégia dos rebeldes fundamentalistas, étnicos e outros radicais: no Sahara
como no Sahel, os Toyota vieram dar outra mobilidade a todo o tipo de
movimentos que eles precisam adequando os processos de nomadização ao contexto.
Isso
significa que para as potências ocidentais está garantida tacitamente a
continuidade da subversão numa trilha de “baixa intensidade” (embora
com espectaculares episódios sangrentos), o que facilita a implantação de
forças da NATO / AFRICOM onde quer que seja onde se registe o caos.
A
intervenção russa na Síria colocou a descoberto as fontes de financiamento do
DAESH e da Frente Al Nushra, algo que em África é muito mais difícil em relação
aos fundamentalismos, etnicismo e outros radicalismos existentes no continente,
pois nas imensas regiões onde existe a nomadização, na falta de possibilidades
de rapina sobre as riquezas naturais, o contrabando e as migrações bastam,
estimulando a disseminação de populações quer na direcção da Europa,
atravessando o Mediterrâneo, quer em direcção à África Austral (conforme se
constata em relação a Angola).
3
– O AFRICOM instalou-se, veio para ficar por que o seu fermento possibilita
articulações a muito longo prazo e garante políticas de neo colonização como a
experiência de 200 anos na América Latina onde a luta pela independência
continua correspondendo à “expansão” do império de cultura
eminentemente anglo-saxónica), apesar das bandeiras içadas no fim da
colonização de Espanha.
A “redutibilidade
francófona”, com uma França submissa a partir da perda de influência no Ruanda
(a partir da “Operação Turquoise”) e sujeita à experiência
traumatizante de Kadafi (Sarkozi, ainda que financiado por Kadafi, aprendeu bem
a doutrina de choque conforme tão bem explica Naomi Klein), teve de encaixar os
interesses geo estratégicos gauleses no “pré carré”, alinhando-os com os
interesses da hegemonia unipolar em conformidade e sintonia com a aspirações de
domínio da aristocracia financeira mundial.
O
capitalismo neo liberal aproveitou-se do colapso socialista e da constante
fragilização do Movimento de Libertação em África para alcançar os seus objectivos
e nem mesmo a presença de emergentes ao nível da China (que procura estimular o
renascimento africano apesar de muitos erros que vai praticando) está a alterar
o quadro do “Laboratório AFRICOM”.
Por
fim as tensões em torno do petróleo e outros produtos energéticos estimula o
processo de passagem do já de si perverso “petróleo enquanto fonte de
desenvolvimento” (segundo o “AOPIG” e a
paternalista “doutrina Bush”), para o processo ainda mais perverso
de “petróleo enquanto excremento do diabo”, uma fronteira que ara ser
vencida basta a queda do valor do barril.
Nem
mesmo os países africanos produtores de petróleo estão imunes a
essa “transição” que a administração republicana de George W. Bush
escondeu dos africanos antes e durante os primeiros anos do AFRICOM e para que
assim fosse, muito contribuiu o facto de essa “transição”só ter ocorrido
após o assassínio de Kadafi e a disseminação do caos pelo Sahara e Sahel,
integrando os factores desestabilizadores crónicos nos Grandes Lagos e na
Somália-Iémen.
4
– Mesmo os países que enveredam por articulações de paz (como os da SADC, tendo
como“ariete” Angola), estão atingidos pela crise da baixa dos preços do
petróleo e a braços com capacidades de resposta fragilizadas, vulnerabilizadas
e por isso considerados de manipuláveis.
As
elites africanas (e sobretudo a angolana), forjadas na “era Bush” e
não correspondendo em tempo oportuno a processos de diversificação económica
com orientação geo estratégica, (muito menos aberta à consciência dialéctica
com os olhos do sul), estão a ser apanhadas nas malhas dos vícios da
globalização minados pela hegemonia unipolar,
enquadrando “transvases”instrumentalizados, como por exemplo
as “parcerias público privadas”, que tendem a tornar cancerígenos os
tecidos do próprio estado, mas tão bem servem aos processos de assimilação.
Esse
processo não está pois só vocacionado à gestação de elites afins: delimita
também seu campo de manobra!
As
elites angolanas, que têm correspondido no âmbito da “era Bush” à
dialéctica imposta pela aristocracia financeira mundial, a dialéctica do
império que implica processos de formatação, assimilação e de agenciamento
descaracterizando a sequência legítima que o Movimento de Libertação exigia
desde o passado próximo, estão à prova: ou continuam numa senda mercenária e
anti-patriótica de mau augúrio, colocando em risco os pressupostos básicos da
harmonia (integração, solidariedade, equilíbrio e justiça social, com
redistribuição da renda em benefício de todo o povo angolano), ou assumem o
patriotismo que tanto estimulou os processos do próprio Movimento de Libertação
em África, reabrindo aberta ou veladamente mas com todo o rigor e vigor, o
processo socialista!
Por
isso ouso questionar: haverá realmente paz em África na ausência substantiva de
socialismo?
A
paz adjectivada pela “era Bush” e pelas suas sequelas, é a paz
do “Laboratório AFRICOM”!
Ilustrações:
-
As exportações de petróleo líbias no tempo de Kadafi eram feitas substancialmente
em direcção a compradores ocidentais (só 5% seguiam para a China);
-
As multinacionais do petróleo ocidentais dominam em toda a África o que
facilita a manobra de inteligência do AFRICOM;
-
O AQMI (Al Qaeda do Magreb Islâmico) estava já implantado no Sahara e no Sahel
antes das “Primaveras Árabes” e do derrube de Kadafi na Líbia.
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