terça-feira, 26 de janeiro de 2016

BREVE REFLEXÃO SOBRE AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS EM PORTUGAL



Rui Peralta, Luanda

As eleições presidenciais portuguesas terminaram com a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa, de 67 anos, com 52% dos votos (2,4 milhões de votos, menos 363 mil do que o seu antecessor – presidente actual – Cavaco Silva, nas eleições de 2006), ganhando em todos os distritos do país e obtendo uma clara vitória eleitoral, logo á 1ª volta. Foram os resultados eleitorais marcados por uma forte abstenção (cerca de 50%), factor contra o qual nem mesmo o número de candidatos (10, o que levava a pensar numa maior participação eleitoral) foi suficiente assumindo-se este comportamento eleitoral como uma estrutura já instalada na democracia portuguesa.

A forte divisão da Esquerda (que concorria, pelo menos, com 4 candidatos: Sampaio da Nóvoa, Maria de Belém, Marisa Matias e Edgar Silva, sendo os dois primeiros do PS), a existência de 5 candidatos que não contavam com qualquer apoio partidário (apostando num discurso, muitas vezes ingénuo e populista, sempre profundamente demagógico), foram factores que beneficiaram o candidato vencedor, apoiado pelo centro-direita, mas que soube captar eleitorado ao centro-esquerda, através de um hábil discurso e dando garantias de colaboração com o actual governo do 1º ministro, António Costa. Marcelo fez uma campanha distante dos partidos que o apoiaram (PSD e CDS/PP) e o seu discurso foi sempre baseado na cultura do compromisso e do consenso social.

À Esquerda, Sampaio da Nóvoa, com o apoio de parte do aparelho socialista, de grande parte do Governo liderado por António Costa e que contou com o apoio oficial de três ex-presidentes (Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio), conseguiu 22% dos votos (mais de um milhão de votos). Já a votação em Maria de Belém (outra das candidaturas da área PS) foi desastrosa (4,2%, 196 mil votos), bastante atrás de Marisa Matias (Bloco de Esquerda) que acabou por fazer um bom resultado (cerca de 10% dos votos). Edgar Silva, do PCP, acabou por ter um resultado que é, também, desastroso (3,9%, cerca de 182 mil votos), na medida em que está bastante abaixo da capacidade representativa do PCP.

Dos restantes candidatos, pouco ou nada a dizer, sendo a única excepção Vitorino Silva (ex-militante do PS) que teve quase tantos votos como Edgar Silva. Este sector de “candidatos independentes, fora das máquinas partidárias” teve no seu geral, uma total ausência de ideias, projectos e propostas. Limitaram-se a uma lengalenga baseada no combate á “partidocracia” e revelavam, na maioria dos casos, desconhecimento sobre o papel presidencial.

De um modo geral a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa era esperada. A única candidatura que poderia representar um risco real para Marcelo era Maria de Belém. As lutas e as cotoveladas que se fizeram sentir no aparelho socialista e na teimosia em fazer do populista e demagogo (embora sempre intelectualizado e académico quanto baste),Sampaio da Nóvoa, uma alternativa viável. Não sendo assim e revelando-se a campanha de Maria de Belém um sucedâneo de acontecimentos menos claros (que, de certeza, serão devidamente analisados pelos responsáveis da campanha) que impediram o normal prosseguimento da sua acção eleitoral, o novo presidente dos portugueses é Marcelo Rebelo de Sousa.

Para já pode-se dizer que estas eleições significaram que, apesar de toda a máquina populista, antidemocrática, que bombardeia a opinião pública portuguesa, a democracia politica contínua de pé e com uma boa base de sustentação. Referir a abstenção de 50%, ou que Marcelo ganhou com 20% dos votos e depois pôr o rótulo de que estamos na presença de “arteriosclerose democrática” é típico da miopia politica de pequeno sector (um mini-sector, um “grupelho” que não chega á importância de um pequeno nicho) ideologicamente esclerosado, que se pegou á esquerda (porque é seu produto) como a lapa á rocha. Afirmar que a função exercida por Marcelo Rebelo de Sousa como comentador e analista político, durante vários anos, foi determinante na escolha dos cidadãos portugueses é passar um atestado de ignorância e desprezar a capacidade e a maturidade política democrática do povo português, o que não corresponde á realidade. Falar que Portugal tem uma ambiente conservador é passar por cima do facto de Portugal ser o país de Abril, ter uma das Constituições mais progressistas da democracia contemporânea e….Ter um governo sustentado por uma aliança á esquerda, que é…MAIORITÁRIA!

É falso que a abstenção tenha aumentado. Ela diminuiu em relação á primeira volta das últimas presidenciais (e na segunda volta, que reelegeu Cavaco Silva, a abstenção foi muito superior). Se quiserem misturar trigo com joio (para melhor fermentar a metafisica “análise dialéctica”) e quiserem comparar comportamentos eleitorais entre processos eleitorais presidenciais e processos eleitorais legislativos, chegarão, obviamente, á conclusão que a abstenção é crescente. Mas essa é uma leitura enganosa e sem qualquer credibilidade. Por outro lado as razões que levam o centro-direita a manter-se coeso são exactamente as mesmas que levam a esquerda portuguesa a manter-se plural: a sua identidade, ou seja, a identidade da cidadania que posiciona-se em torno do centro-direita (uma mistura de conservadorismo cultural com liberalismo politico) e a identidade da cidadania que posiciona-se em torno do centro-esquerda e da esquerda de uma forma geral (diversificação social e cultural, maior cosmopolitismo e maior leque de opções).

Por fim, o drama a que a esclerosada dialéctica chega: a teoria da conspiração. Pois…a culpa é das cadeias televisivas, dos grupos de lobbys, da maçonaria, dos judeus, da aristocracia financeira, do 1%, e mais alguns bodes expiatórios…De uma só assentada os “eleitos da consciência revolucionária” matam dois coelhos: a soberania popular e o mundo real, que não corresponde ao seu cenário metafisico. Da análise das dinâmicas internas nem uma palavra e das dinâmicas externas no contexto português apenas resta a esta esclerosada seita de “guardiões da pureza ideológica” a falsa interpretação geopolítica dos gabinetes, a nova astrologia dos cartomantes da análise política internacional. É a mais completa pobreza de conceitos, a derrocada absoluta, o deserto, o mesmo deserto em que mergulhou a direita política…é um deserto que passado á realidade portuguesa tem um nome, desde que Camões assim os chamou: os Velhos do Restelo.

Para terminar, gostaria de referir o que a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa tem de importante para Angola: o relacionamento entre os Estados. Numa nota de imprensa da Casa Civil do Presidente da República, o Presidente José Eduardo dos Santos felicitou na passada segunda-feira, o jurista Marcelo Rebelo de Sousa pela sua recente vitória eleitoral. Augura o Presidente José Eduardo dos Santos que durante o mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, sejam consolidadas e aprofundadas as relações de amizade e cooperação entre os dois países e povos. Considera, ainda, o Presidente José Eduardo dos Santos que as qualidades políticas, intelectuais e pessoais de Marcelo Rebelo de Sousa são uma garantia que irá corresponder às expectativas nele depositadas pela maioria do povo português.

As expectativas são, pois, grandes. Um sinal que poderá garantir e fundamentar o cumprimento destas expectativas: o discurso de vitória do presidente português eleito, foi na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e não num qualquer hotel de luxo da capital…Haverá melhor espaço para afirmar o compromisso assumido para com os cidadãos portugueses?

Sem comentários:

Mais lidas da semana