Rui Peralta, Luanda
As eleições presidenciais portuguesas terminaram com a vitória de Marcelo
Rebelo de Sousa, de 67 anos, com 52% dos votos (2,4 milhões de votos, menos 363
mil do que o seu antecessor – presidente actual – Cavaco Silva, nas eleições de
2006), ganhando em todos os distritos do país e obtendo uma clara vitória
eleitoral, logo á 1ª volta. Foram os resultados eleitorais marcados por uma
forte abstenção (cerca de 50%), factor contra o qual nem mesmo o número de
candidatos (10, o que levava a pensar numa maior participação eleitoral) foi
suficiente assumindo-se este comportamento eleitoral como uma estrutura já
instalada na democracia portuguesa.
A forte divisão da Esquerda (que concorria, pelo menos, com 4 candidatos:
Sampaio da Nóvoa, Maria de Belém, Marisa Matias e Edgar Silva, sendo os dois
primeiros do PS), a existência de 5 candidatos que não contavam com qualquer
apoio partidário (apostando num discurso, muitas vezes ingénuo e populista,
sempre profundamente demagógico), foram factores que beneficiaram o candidato
vencedor, apoiado pelo centro-direita, mas que soube captar eleitorado ao
centro-esquerda, através de um hábil discurso e dando garantias de colaboração
com o actual governo do 1º ministro, António Costa. Marcelo fez uma campanha
distante dos partidos que o apoiaram (PSD e CDS/PP) e o seu discurso foi sempre
baseado na cultura do compromisso e do consenso social.
À Esquerda, Sampaio da Nóvoa, com o apoio de parte do aparelho socialista, de
grande parte do Governo liderado por António Costa e que contou com o apoio
oficial de três ex-presidentes (Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio),
conseguiu 22% dos votos (mais de um milhão de votos). Já a votação em Maria de
Belém (outra das candidaturas da área PS) foi desastrosa (4,2%, 196 mil votos),
bastante atrás de Marisa Matias (Bloco de Esquerda) que acabou por fazer um bom
resultado (cerca de 10% dos votos). Edgar Silva, do PCP, acabou por ter um
resultado que é, também, desastroso (3,9%, cerca de 182 mil votos), na medida
em que está bastante abaixo da capacidade representativa do PCP.
Dos restantes candidatos, pouco ou nada a dizer, sendo a única excepção
Vitorino Silva (ex-militante do PS) que teve quase tantos votos como Edgar
Silva. Este sector de “candidatos independentes, fora das máquinas partidárias”
teve no seu geral, uma total ausência de ideias, projectos e propostas.
Limitaram-se a uma lengalenga baseada no combate á “partidocracia” e revelavam,
na maioria dos casos, desconhecimento sobre o papel presidencial.
De um modo geral a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa era esperada. A única
candidatura que poderia representar um risco real para Marcelo era Maria de
Belém. As lutas e as cotoveladas que se fizeram sentir no aparelho socialista e
na teimosia em fazer do populista e demagogo (embora sempre intelectualizado e
académico quanto baste),Sampaio da Nóvoa, uma alternativa viável. Não sendo
assim e revelando-se a campanha de Maria de Belém um sucedâneo de
acontecimentos menos claros (que, de certeza, serão devidamente analisados
pelos responsáveis da campanha) que impediram o normal prosseguimento da sua
acção eleitoral, o novo presidente dos portugueses é Marcelo Rebelo de Sousa.
Para já pode-se dizer que estas eleições significaram que, apesar de toda a
máquina populista, antidemocrática, que bombardeia a opinião pública
portuguesa, a democracia politica contínua de pé e com uma boa base de
sustentação. Referir a abstenção de 50%, ou que Marcelo ganhou com 20% dos votos
e depois pôr o rótulo de que estamos na presença de “arteriosclerose
democrática” é típico da miopia politica de pequeno sector (um mini-sector, um
“grupelho” que não chega á importância de um pequeno nicho) ideologicamente
esclerosado, que se pegou á esquerda (porque é seu produto) como a lapa á
rocha. Afirmar que a função exercida por Marcelo Rebelo de Sousa como
comentador e analista político, durante vários anos, foi determinante na
escolha dos cidadãos portugueses é passar um atestado de ignorância e desprezar
a capacidade e a maturidade política democrática do povo português, o que não
corresponde á realidade. Falar que Portugal tem uma ambiente conservador é
passar por cima do facto de Portugal ser o país de Abril, ter uma das
Constituições mais progressistas da democracia contemporânea e….Ter um governo
sustentado por uma aliança á esquerda, que é…MAIORITÁRIA!
É falso que a abstenção tenha aumentado. Ela diminuiu em relação á primeira
volta das últimas presidenciais (e na segunda volta, que reelegeu Cavaco Silva,
a abstenção foi muito superior). Se quiserem misturar trigo com joio (para
melhor fermentar a metafisica “análise dialéctica”) e quiserem comparar
comportamentos eleitorais entre processos eleitorais presidenciais e processos
eleitorais legislativos, chegarão, obviamente, á conclusão que a abstenção é
crescente. Mas essa é uma leitura enganosa e sem qualquer credibilidade. Por
outro lado as razões que levam o centro-direita a manter-se coeso são
exactamente as mesmas que levam a esquerda portuguesa a manter-se plural: a sua
identidade, ou seja, a identidade da cidadania que posiciona-se em torno do
centro-direita (uma mistura de conservadorismo cultural com liberalismo
politico) e a identidade da cidadania que posiciona-se em torno do
centro-esquerda e da esquerda de uma forma geral (diversificação social e
cultural, maior cosmopolitismo e maior leque de opções).
Por fim, o drama a que a esclerosada dialéctica chega: a teoria da conspiração.
Pois…a culpa é das cadeias televisivas, dos grupos de lobbys, da maçonaria, dos
judeus, da aristocracia financeira, do 1%, e mais alguns bodes expiatórios…De
uma só assentada os “eleitos da consciência revolucionária” matam dois coelhos:
a soberania popular e o mundo real, que não corresponde ao seu cenário
metafisico. Da análise das dinâmicas internas nem uma palavra e das dinâmicas
externas no contexto português apenas resta a esta esclerosada seita de “guardiões
da pureza ideológica” a falsa interpretação geopolítica dos gabinetes, a nova
astrologia dos cartomantes da análise política internacional. É a mais completa
pobreza de conceitos, a derrocada absoluta, o deserto, o mesmo deserto em que
mergulhou a direita política…é um deserto que passado á realidade portuguesa
tem um nome, desde que Camões assim os chamou: os Velhos do Restelo.
Para terminar, gostaria de referir o que a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa
tem de importante para Angola: o relacionamento entre os Estados. Numa nota de
imprensa da Casa Civil do Presidente da República, o Presidente José Eduardo
dos Santos felicitou na passada segunda-feira, o jurista Marcelo Rebelo de
Sousa pela sua recente vitória eleitoral. Augura o Presidente José Eduardo dos
Santos que durante o mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, sejam consolidadas e
aprofundadas as relações de amizade e cooperação entre os dois países e povos.
Considera, ainda, o Presidente José Eduardo dos Santos que as qualidades
políticas, intelectuais e pessoais de Marcelo Rebelo de Sousa são uma garantia
que irá corresponder às expectativas nele depositadas pela maioria do povo
português.
As expectativas são, pois, grandes. Um sinal que poderá garantir e fundamentar
o cumprimento destas expectativas: o discurso de vitória do presidente
português eleito, foi na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e não
num qualquer hotel de luxo da capital…Haverá melhor espaço para afirmar o
compromisso assumido para com os cidadãos portugueses?
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