Patrícia
Dichtchekenian - São Paulo – Opera Mundi
Brasileiro
Stepan Norair Chahinian lança livro em que compila imagens que trazem as
reminiscências do passado e a reivindicação do presente. O
brasileiro e descendente de armênios Stepan Norair Chahinian precisou passar
uma temporada na Armênia e na Síria antes de enfrentar o que seria um destino
inexorável e fundamental em sua jornada para conhecer a trajetória de seus
familiares: a Turquia.
Os encontros e desencontros, acasos dignos de um roteiro de um drama de Ingmar Bergman e as longas conversas com as pedras que compõem as ruínas armênias no atual território turco renderam o livro “O Poder do Vazio” (Ed. Aras), fruto de idas e vindas entre 2012 e 2015 ao país.
Com quase 150 fotos, a compilação teve lançamento mundial em Istambul, não por coincidência no dia 24 de abril deste ano, data em que os armênios recordaram o centenário do genocídio realizado pelos turcos que resultou na morte de 1,5 milhões de pessoas.
“A
maioria dos espaços armênios hoje está vazio na Turquia. Fui atrás dos espaços
que outrora eram habitados. Só que dentro de todo esse vazio - uma igreja
vazia, uma escola vazia, uma casa vazia, eu senti muita energia”, conta Norair
em entrevista a Opera Mundi. “Tive muito contato com as pedras: de
encostar nelas, trocar a energia, fechar os olhos e tentar entender o que
aconteceu ali, tentar ouvir os gritos de desespero, os choros, as rezas”.
De fato, as fotografias de Norair – que se alternam entre uma Rolleiflex do seu avô e uma moderna Nikon D700 – retratam as várias margens e camadas das montanhas da Anatolia, que escondem uma história perdida e negligenciada pela nação. E, por trás de cada casa destruída e em meio às ruínas dos monastérios e das escolas, há uma espécie de resistência invisível, de positividade no vazio que, do passado, se faz presente.
“Eu criei mesmo uma relação de amizade com essas pedras. Elas me deram muita força. Parecem vazias, mas são poderosas e têm muita informação para quem quiser ouvi-las. É uma relação que eu desenvolvi com o espaço. No fim, não está vazio, mas cheio de detalhes. E é preciso estar atento a eles”, sintetiza o paulistano de 36 anos.
De fato, as fotografias de Norair – que se alternam entre uma Rolleiflex do seu avô e uma moderna Nikon D700 – retratam as várias margens e camadas das montanhas da Anatolia, que escondem uma história perdida e negligenciada pela nação. E, por trás de cada casa destruída e em meio às ruínas dos monastérios e das escolas, há uma espécie de resistência invisível, de positividade no vazio que, do passado, se faz presente.
“Eu criei mesmo uma relação de amizade com essas pedras. Elas me deram muita força. Parecem vazias, mas são poderosas e têm muita informação para quem quiser ouvi-las. É uma relação que eu desenvolvi com o espaço. No fim, não está vazio, mas cheio de detalhes. E é preciso estar atento a eles”, sintetiza o paulistano de 36 anos.
Acasos
e coincidências
Para além de Istambul, grande parte da viagem de Chahinian se concentrou na porção sudeste da Turquia, também região considerada pelos sobreviventes do genocídio como “Armênia Ocidental”, devido à forte presença de uma comunidade armênia que floresceu no local (embora seja distante de onde se formou propriamente o atual Estado armênio).
Nesses arredores, mais precisamente na cidade de Urfa, o arquiteto apaixonado por fotografia teve uma das suas experiências mais surpreendentes. Certo dia, ele se hospedou em um hotel que sabia pertencer à família Der Bedrossian, de sua avó materna Anahid. Entretanto, o que não esperava é que, dentro do quarto em que se alojou, descobriu, por acaso, uma mensagem na parede assinada por Bedros, irmão de seu bisavô, que a escreveu em armênio em meio às perseguições turcas
“Escrevi isso em 1922 na casa de Nishan, onde fiquei 25 dias. Agora me vou, adeus amigos. Aquele que ler Bedros que se lembre de mim. Yan”, escrevera seu tio-bisavô nas inscrições na pedra. Dos 35 membros da família, apenas Bedros e o bisavô do fotógrafo, Haroutiun,
Para além de Istambul, grande parte da viagem de Chahinian se concentrou na porção sudeste da Turquia, também região considerada pelos sobreviventes do genocídio como “Armênia Ocidental”, devido à forte presença de uma comunidade armênia que floresceu no local (embora seja distante de onde se formou propriamente o atual Estado armênio).
Nesses arredores, mais precisamente na cidade de Urfa, o arquiteto apaixonado por fotografia teve uma das suas experiências mais surpreendentes. Certo dia, ele se hospedou em um hotel que sabia pertencer à família Der Bedrossian, de sua avó materna Anahid. Entretanto, o que não esperava é que, dentro do quarto em que se alojou, descobriu, por acaso, uma mensagem na parede assinada por Bedros, irmão de seu bisavô, que a escreveu em armênio em meio às perseguições turcas
“Escrevi isso em 1922 na casa de Nishan, onde fiquei 25 dias. Agora me vou, adeus amigos. Aquele que ler Bedros que se lembre de mim. Yan”, escrevera seu tio-bisavô nas inscrições na pedra. Dos 35 membros da família, apenas Bedros e o bisavô do fotógrafo, Haroutiun,
Norair
sempre se arrepia quando conta essa história e a capa do livro, não por acaso,
estampa a imagem da pedra lapidada às pressas por Bedros. Por muito tempo, a
casa de sua família em Urfa ficou sob cuidados de famílias turcas.
“Quando visitei, uma senhora turca que cuidava de lá me disse que sempre soube que era uma casa de armênios e que só armênios sabiam construir lares daquele jeito. Ela tinha encontrado a mensagem na pedra, mas preferiu deixar como estava pois, segundo ela, esperava que um dia os familiares aparecessem”, conta.
Outra coincidência de Norair ao longo de sua jornada ocorreu quando ele conheceu, em uma das idas à Turquia em abril de 2014, os irmãos Vazken e Hagop Giragosyan, de 80 e 86 anos. Durante anos, eles viveram em Kessab, cidade de maioria armênia na Síria. Como no início do ano passado tropas sírias haviam ocupado a região e expulsado de lá seus habitantes, os irmãos foram deslocados até Vakifli, último vilarejo 100% armênio na Turquia.
“Quando visitei, uma senhora turca que cuidava de lá me disse que sempre soube que era uma casa de armênios e que só armênios sabiam construir lares daquele jeito. Ela tinha encontrado a mensagem na pedra, mas preferiu deixar como estava pois, segundo ela, esperava que um dia os familiares aparecessem”, conta.
Outra coincidência de Norair ao longo de sua jornada ocorreu quando ele conheceu, em uma das idas à Turquia em abril de 2014, os irmãos Vazken e Hagop Giragosyan, de 80 e 86 anos. Durante anos, eles viveram em Kessab, cidade de maioria armênia na Síria. Como no início do ano passado tropas sírias haviam ocupado a região e expulsado de lá seus habitantes, os irmãos foram deslocados até Vakifli, último vilarejo 100% armênio na Turquia.
Contudo,
nas conversas com os irmãos, o arquiteto paulistano descobriu que, entre os
anos de 1950 e 1960, Hagop havia sido fotógrafo em Kessab. Por dever do ofício,
ele viajava com freqüência a Alepo, onde visitava uma loja de materiais
fotográficos de Avedis, o avô de Norair que, décadas depois, presenteou o neto
com a sua Rolleiflex e com a sua paixão por fotografia.
Projetos pela Turquia
“O grande público que eu quero atingir é justamente o turco, que não conhece essa história e que começou tudo isso”, afirma Norair. Segundo o paulistano, pouco após o lançamento do livro, ele foi preso pelas autoridades turcas e, em seguida, deportado.
“Eu tive muitos momentos emocionantes na Turquia, mas por mais que eu tenha encontrado histórias fascinantes, para cada bom encontro eu tinha que passar por dez pessoas em quem eu não confiava. O processo na Turquia de contato com as pessoas era sempre muito tenso. Tinha medo de encontrar um fascista que me mataria na hora se eu falasse que era armênio”, conta.
Projetos pela Turquia
“O grande público que eu quero atingir é justamente o turco, que não conhece essa história e que começou tudo isso”, afirma Norair. Segundo o paulistano, pouco após o lançamento do livro, ele foi preso pelas autoridades turcas e, em seguida, deportado.
“Eu tive muitos momentos emocionantes na Turquia, mas por mais que eu tenha encontrado histórias fascinantes, para cada bom encontro eu tinha que passar por dez pessoas em quem eu não confiava. O processo na Turquia de contato com as pessoas era sempre muito tenso. Tinha medo de encontrar um fascista que me mataria na hora se eu falasse que era armênio”, conta.
Apesar
da detenção, Norair entrou recentemente no país do presidente Recep Erdogan
mais uma vez para participar de um festival de fotografias de guerra e de
direitos humanos. Ele também não descarta futuras visitas, sobretudo para
manter vivo o legado de seu principal guia espiritual nesta jornada: Sarkis
Seropian.
Responsável por passar as coordenadas e indicar as melhores fontes para Norair em sua visita à “Armênia Histórica”, Sarkis era editor de Agos, jornal armênio difundido em Istambul e escrito também em turco e inglês. A publicação foi fundada em 1996 pelo jornalista Hrant Dink, que foi assassinado na saída da sede do veículo em 2007, por denunciar o negacionismo das autoridades turcas em relação ao genocídio armênio.
"Sarkis faleceu 10 dias antes de o livro ficar pronto. Eu fui visitá-lo no hospital quando fiquei sabendo que ele estava doente. Acredito que ele passou o bastão para mim: ele sempre me dizia que o trabalho que eu estava fazendo era o que ele sempre queria fazer, mas estava muito velho para isso. 'Que bom que você apareceu', ele me disse certa vez - 'e eu vou te ajudar'".
Responsável por passar as coordenadas e indicar as melhores fontes para Norair em sua visita à “Armênia Histórica”, Sarkis era editor de Agos, jornal armênio difundido em Istambul e escrito também em turco e inglês. A publicação foi fundada em 1996 pelo jornalista Hrant Dink, que foi assassinado na saída da sede do veículo em 2007, por denunciar o negacionismo das autoridades turcas em relação ao genocídio armênio.
"Sarkis faleceu 10 dias antes de o livro ficar pronto. Eu fui visitá-lo no hospital quando fiquei sabendo que ele estava doente. Acredito que ele passou o bastão para mim: ele sempre me dizia que o trabalho que eu estava fazendo era o que ele sempre queria fazer, mas estava muito velho para isso. 'Que bom que você apareceu', ele me disse certa vez - 'e eu vou te ajudar'".
Na foto: Cenários de antigos lares armênios em territórios turcos: ausência / Stepan Norair Chahinian
Serviço
'O Poder do Vazio - Conversando com pedras na Armênia Histórica'
Stepan Norair Chahinian
Ed. Aras
R$ 150,00
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