sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

SEGURANÇA: A SÍNDROMA DOS SURICATOS



Rui Peralta, Luanda 

O tema sacrossanto da segurança tem, nos últimos tempos, assumido uma importância tal, que aparece já diluído em todas as verborreias dos fazedores de opinião, discursos políticos e no quotidiano da Humanidade. Surgiu em virtude dos actos terroristas que têm assolado, com cada vez maior frequência, as sociedades humanas. E foi rapidamente camuflado pela necessidade de “assegurar a liberdade” e defender os “valores”.

Esta camuflagem esconde intenções e objectivos que não se destinam a impedir actos de terrorismo mas, antes, a fazer um aproveitamento destes actos. O objectivo é estabelecer uma nova relação entre cidadãos, assente no controlo generalizado e ilimitado, priorizando os dispositivos de controlo dos bancos de dados e das tecnologias da comunicação.

Da mesma forma o “estado de emergência” não é um escudo protector da democracia. Geralmente proporciona um marco legitimador para a implementação de ditaduras e regimes autoritários. Implica uma alteração de raiz do modelo de Estado e abre as portas aos mais diversos tipos de totalitarismo. A História regista os mais variados casos em que isto ocorreu e - para não recuarmos á Grécia Antiga ou a Roma – podemos observar o que ocorreu na Alemanha durante o período denominado de Republica de Weimar, durante os anos que precederam á tomada do Poder por Hitler, em que os governantes social-democratas estabeleceram tantas medidas de excepção que o país deixou de ser, desde 1933, uma democracia parlamentar. O primeiro acto dos nazis quando chegaram ao poder foi proclamar o estado emergência, que nunca (durante o regime nazi) chegou a ser derrogado.

Este cenário não deve ser afastado na actualidade. Um país que viva um prolongado estado de emergência, ou um prolongado período de medidas de excepção, é “normal” que as forças policiais se substituam, gradualmente, ao Poder judicial e exista uma rápida e irreversível deterioração das instituições públicas. Imagine-se que uma poderosa força de extrema-direita (alimentada pelo quadro excepcional) vença as eleições e forme governo…Basta-lhe “normalizar a excepção”.

O clima em que actualmente se vive, á escala global, provocado pelo terrorismo levado a cabo por grupos fascistas islâmicos (e em colaboração estreita com bandos fascistas baseados no fundamentalismo cristão e pela extrema-direita judaica) leva á incubação de uma nova forma de Estado: o Estado de Segurança (Security State, conforme a ciência politica norte-americana, que já viveu um período singular na guerra fria, período denominado de “caça ás bruxas”). 

O Estado de Segurança é um regime hibrido, em que a “razão de Estado” é substituída pela “razão de Segurança”. É um Estado fundado no medo, fonte da sua legitimidade. É estabelecido um controlo generalizado em função da relação terrorismo / Segurança de Estado. E é, também, a utopia do núcleo duro da nova “indústria da segurança” um monopólio global que após a II Guerra Mundial andou apagado até aos anos 80, época em que começou a dar os primeiros sinais de vitalidade e é hoje um dos sectores mais lucrativos do mercado mundial. A receita é simples: o Estado de Segurança necessita do medo, que é a sua fonte de legitimação. Torna-se, então, necessário produzir o terror ou, pelo menos, não impedir que se produza. Daí que muitos países adoptem uma politica externa de apoio camuflado ao terrorismo – sempre sob a capa do combate ao terror – vendendo armas e equipamentos a Estados que financiam as actividades terroristas.

No Estado de Segurança o medo substitui a soberania popular. Existe uma tendência acelerada para a despolitização e para o afastamento da participação dos cidadãos na Polis. Reina a passividade, a acefalia, o espirito acrítico e o ódio ao estrangeiro, ao alienígena cultural, na figura do imigrante, o horror e o asco ao Outro. Este factor foi visível no fascismo italiano durante a promulgação da lei da nacionalidade, em 1926, que eliminou a dupla nacionalidade e desnacionalizou os cidadãos de origem judaica e os considerados “indignos”. É visível hoje, nas propostas da “fortaleza europeia” ou na militarização da fronteira USA/México.

Uma outra característica do Estado de Segurança é a alteração dos critérios judiciais. O crime é automaticamente imputado. Todo o cidadão é suspeito e não existe a presunção da inocência. É uma absoluta renúncia ao estabelecimento da certeza jurídica. O crime deixa de ser comprovado mediante a intervenção judicial e passa a sê-lo pela policia e pelos órgão da comunicação social (o populismo judicial). É o reino da imprecisão e da falsificação de factos. A arbitrariedade torna-se norma. Os advogados tornam-se espantalhos e o Juízes funcionários do aparelho repressivo.

Imprecisão é, também, o fulcro do conceito de guerra contra o terrorismo. O estado de guerra define-se pela capacidade de identificar o inimigo. Na perspectiva securitária o inimigo é indefinido, seja interno ou externo e qualquer um pode ser identificado como tal.

Medo, despolitização e renúncia á efectividade da lei, são as três características do Estado de Segurança, um Estado policial que eclipsa o Poder Judicial e generaliza a arbitrariedade da polícia, tornando o estado de emergência permanente e soberano. Todos passamos a ser terroristas potenciais, deixamos de ter vida privada e assumimos o modelo da vigilância permanente.

É a síndroma dos suricatos….

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