Rui Peralta, Luanda
O tema sacrossanto da segurança tem, nos últimos tempos, assumido uma
importância tal, que aparece já diluído em todas as verborreias dos fazedores
de opinião, discursos políticos e no quotidiano da Humanidade. Surgiu em
virtude dos actos terroristas que têm assolado, com cada vez maior frequência,
as sociedades humanas. E foi rapidamente camuflado pela necessidade de “assegurar
a liberdade” e defender os “valores”.
Esta camuflagem esconde intenções e objectivos que não se destinam a impedir
actos de terrorismo mas, antes, a fazer um aproveitamento destes actos. O
objectivo é estabelecer uma nova relação entre cidadãos, assente no controlo
generalizado e ilimitado, priorizando os dispositivos de controlo dos bancos de
dados e das tecnologias da comunicação.
Da mesma forma o “estado de emergência” não é um escudo protector da
democracia. Geralmente proporciona um marco legitimador para a implementação de
ditaduras e regimes autoritários. Implica uma alteração de raiz do modelo de
Estado e abre as portas aos mais diversos tipos de totalitarismo. A História
regista os mais variados casos em que isto ocorreu e - para não recuarmos á
Grécia Antiga ou a Roma – podemos observar o que ocorreu na Alemanha durante o
período denominado de Republica de Weimar, durante os anos que precederam á
tomada do Poder por Hitler, em que os governantes social-democratas
estabeleceram tantas medidas de excepção que o país deixou de ser, desde 1933,
uma democracia parlamentar. O primeiro acto dos nazis quando chegaram ao poder
foi proclamar o estado emergência, que nunca (durante o regime nazi) chegou a
ser derrogado.
Este cenário não deve ser afastado na actualidade. Um país que viva um
prolongado estado de emergência, ou um prolongado período de medidas de
excepção, é “normal” que as forças policiais se substituam, gradualmente, ao
Poder judicial e exista uma rápida e irreversível deterioração das instituições
públicas. Imagine-se que uma poderosa força de extrema-direita (alimentada pelo
quadro excepcional) vença as eleições e forme governo…Basta-lhe “normalizar a
excepção”.
O clima em que actualmente se vive, á escala global, provocado pelo terrorismo
levado a cabo por grupos fascistas islâmicos (e em colaboração estreita com
bandos fascistas baseados no fundamentalismo cristão e pela extrema-direita
judaica) leva á incubação de uma nova forma de Estado: o Estado de Segurança
(Security State, conforme a ciência politica norte-americana, que já viveu um
período singular na guerra fria, período denominado de “caça ás bruxas”).
O Estado de Segurança é um regime hibrido, em que a “razão de Estado” é
substituída pela “razão de Segurança”. É um Estado fundado no medo, fonte da
sua legitimidade. É estabelecido um controlo generalizado em função da relação
terrorismo / Segurança de Estado. E é, também, a utopia do núcleo duro da nova
“indústria da segurança” um monopólio global que após a II Guerra Mundial andou
apagado até aos anos 80, época em que começou a dar os primeiros sinais de
vitalidade e é hoje um dos sectores mais lucrativos do mercado mundial. A
receita é simples: o Estado de Segurança necessita do medo, que é a sua fonte
de legitimação. Torna-se, então, necessário produzir o terror ou, pelo menos,
não impedir que se produza. Daí que muitos países adoptem uma politica externa
de apoio camuflado ao terrorismo – sempre sob a capa do combate ao terror –
vendendo armas e equipamentos a Estados que financiam as actividades
terroristas.
No Estado de Segurança o medo substitui a soberania popular. Existe uma
tendência acelerada para a despolitização e para o afastamento da participação
dos cidadãos na Polis. Reina a passividade, a acefalia, o espirito acrítico e o
ódio ao estrangeiro, ao alienígena cultural, na figura do imigrante, o horror e
o asco ao Outro. Este factor foi visível no fascismo italiano durante a
promulgação da lei da nacionalidade, em 1926, que eliminou a dupla
nacionalidade e desnacionalizou os cidadãos de origem judaica e os considerados
“indignos”. É visível hoje, nas propostas da “fortaleza europeia” ou na
militarização da fronteira USA/México.
Uma outra característica do Estado de Segurança é a alteração dos critérios
judiciais. O crime é automaticamente imputado. Todo o cidadão é suspeito e não
existe a presunção da inocência. É uma absoluta renúncia ao estabelecimento da
certeza jurídica. O crime deixa de ser comprovado mediante a intervenção
judicial e passa a sê-lo pela policia e pelos órgão da comunicação social (o
populismo judicial). É o reino da imprecisão e da falsificação de factos. A
arbitrariedade torna-se norma. Os advogados tornam-se espantalhos e o Juízes
funcionários do aparelho repressivo.
Imprecisão é, também, o fulcro do conceito de guerra contra o terrorismo. O
estado de guerra define-se pela capacidade de identificar o inimigo. Na
perspectiva securitária o inimigo é indefinido, seja interno ou externo e
qualquer um pode ser identificado como tal.
Medo, despolitização e renúncia á efectividade da lei, são as três características
do Estado de Segurança, um Estado policial que eclipsa o Poder Judicial e
generaliza a arbitrariedade da polícia, tornando o estado de emergência
permanente e soberano. Todos passamos a ser terroristas potenciais, deixamos de
ter vida privada e assumimos o modelo da vigilância permanente.
É a síndroma dos suricatos….
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