sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

PEQUENA REFLEXÃO SOBRE “A PAZ QUE ESTAMOS COM ELA”!



Martinho Júnior, Luanda 

1 – Angola conseguiu perfazer 13 anos em que não mais se fizeram sentir as armas, algo que duma forma geral tem suscitado os mais diversos comentários, a nível interno e a nível internacional, quase todos eles claramente favoráveis ao percurso que foi iniciado a 4 de Abril de 2002, 26 anos após a declaração da independência nacional.

Quando é fresca a paz e a guerra deixou tantas feridas na África Austral, em Angola também, é justo que as pessoas além do mais se interroguem sobre a guerra e sobre a paz, ao invés de alguma vez afirmarem “o fim da história”, ou de reinventá-la, quiçá em nome de alguma doutrina alienatória tão do interesse neo liberal.

Alguns dizem: agora estamos em paz e por isso devemos esquecer o passado de guerras, sepultá-lo… acho que é uma posição que, em termos de memória, vai suscitar sempre a controvérsia que inibe a construção da paz e da própria unidade nacional, não aproveitando o rumo que deriva do Movimento de Libertação em África, que é o húmus da luta contra o subdesenvolvimento, que deve mobilizar as gerações presentes e futuras.

Desse modo também não se faz o inventário de tudo o que se associou às guerras, particularmente do lado das forças retrógradas que tentaram a manutenção do seu poder e possuíam aliados externos poderosos o que pode tolher aqueles que, para encontrar os caminhos da paz e da harmonia, não os podem perder de vista, nem menosprezá-los.

A cultura da paz é extensiva a todos e é essa a norma que deve prevalecer!

Constata-se que a paz possível que foi construída pelos angolanos (e só entre angolanos) na sequência do 4 de Abril de 2002, sendo sequência do Movimento de Libertação em África, reflecte as imensas e justas aspirações de todo o povo angolano, no fundo algo que implica resgatar África do subdesenvolvimento crónico, sabendo que esse subdesenvolvimento é histórico e é resultado do passado de trevas que envolveu escravatura, colonialismo, “apartheid” e todas as suas sequelas.

África, berço da humanidade, tem direito à vida e por isso é tão legítima a lógica com sentido de vida, que dá sequência ao Movimento de Libertação e a construção da paz e da identidade nacional nesses termos!

O povo angolano, as nossas instituições, os nossos intelectuais, os nossos jovens, devem-se pois interrogar sobre si próprios em relação a esse rumo que só se tornou possível depois da IIª Guerra Mundial, ela própria também tão importante no que a África diz respeito e a muitos africanos, desde o que ocorreu no norte, onde os nazis alemães e os fascistas italianos foram derrotados pelos aliados, até à participação da África do Sul ao lado desses mesmos aliados, passando pelo facto de Brazzaville, ter sido com o General Charles De Gaulle, a capital provisória da “França Livre”, ou pelo engajamento e participação dos heróicos “atiradores senegaleses” na libertação da Europa das forças do Eixo…

Depois da IIª Guerra Mundial, não mais era possível aplicar no espírito e à letra, os conceitos e as práticas derivados da Conferência de Berlim, nem de regimes como os que integraram o Eixo e aqueles que assim o quiseram fazer, não tiraram lições suficientes do significado amplo da vitória dos aliados e por isso, mesmo que estivessem no poder de potências como os Estados Unidos, o Reino Unido, ou a Alemanha, acabaram por se constituir em resíduos, ou em sequelas, dos nazis e dos fascistas, mesmo que integrassem, ou fossem fundadores de pactos como o da NATO!
  
2 – Houve três guerras praticamente sucessivas e em cadeia em Angola, com início em 1961 e até 2002 e todas elas são resultado da teimosia e intransigência absoluta de um dos lados face ao Movimento de Libertação, um resultado aliás de doutrinas e sequelas fascizantes e retrógradas que haviam sido derrotadas na IIª Guerra Mundial e persistiram de armas na mão e ao retardador em África, como autênticos resíduos de natureza criminosa e por que algumas potências assim o quiseram:

- A teimosia do Estado Novo de Portugal, membro fundador da NATO, intransigente na sua afirmação colonial num momento em que se assistia ao nascimento das independências africanas e quando várias independências haviam sido arrancadas a ferro e fogo, incluindo a do Quénia e a da Argélia (1961 – 1975);

- A teimosia do “apartheid” que dilacerava a África Austral espreitando a possibilidade de construir constelações de dóceis “bantustões” e impedia África de partir para o imprescindível renascimento de si própria, ultrapassando as vulnerabilidades decorrentes à história terrível do Congo (1975 – 1992);

- A teimosia de Savimbi, ele mesmo uma sequela do colonialismo (Operação Madeira) e do“apartheid”, que tanto procurou fazer por disseminar “bantustões” a partir dos frutos da sua“border war” e dum Zaíre cujo poder era sustentado pelos sectores internacionais mais retrógrados, que alimentavam uma “autenticité” que apenas servia à clique de Mobutu e ao tribalismo em relação ao qual essa clique vegetou, assim como àqueles que por causa disso, beneficiavam da exploração desenfreada das riquezas de África, tornando o Congo “um corpo inerte onde cada abutre vinha depenicar o seu pedaço” (1992 – 2002).

3 – Foi legítima a consciência africana assumir com inteligência, clarividência, coragem e determinação a sua liberdade, perante tão execráveis propósitos que persistiam no continente no rescaldo da IIª Guerra Mundial e essa legitimidade tornou justas as lutas armadas que se tiveram sucessivamente de se travar em Angola entre 1961 e 2002, apesar de tantos obstáculos e sacrifícios.

Nem todos chegaram ao mesmo tempo a essa compreensão em África, constituindo-se nesse sentido o Movimento de Libertação numa autêntica vanguarda ideológica, de armas na mão e por isso o primeiro Presidente de Angola afirmava que o “MPLA é a vanguarda do povo angolano”, mas as vanguardas legítimas devem ser autoras de paz no seu rumo e por isso chega-se sempre a uma altura que a cultura da paz deve ser compreendida pela esmagadora maioria, até por que só assim se poderá construir também a identidade nacional.

A paz alcançada pelo Movimento de Libertação em África, é o resultado de sua própria maturidade e da sequência lógica do seu rumo.

É por essa razão que essa legitimidade atraiu no mundo tantos aliados e também imensa compreensão: no fundo a aspiração à liberdade, faz intrinsecamente parte de toda a humanidade e a IIª Guerra Mundial foi uma experiência que possibilitava o virar de página face ao fascismo, ao colonialismo e às opções retrógradas do “apartheid”, bem como de suas próprias sequelas e mesmo os poderes “cristãos e ocidentais” que a seu tempo não o entenderam, sabem hoje que está a ser efectivamente assim, a começar pelas transformações progressistas na América Latina e no próprio Vaticano!

Imagem: Mapa do Mundo antigo: será por acaso que África era representada bem no seu centro e com seus contornos tão perfeitos?

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