sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A CIDADANIA DA IMAGINAÇÃO



 Rui Peralta, Luanda

Há um direito que parece estar esquecido para a cidadania: a Imaginação. Este direito não assumido prende-se com muitos outros direitos já assumidos (mas nem sempre cumpridos). Aliás, para ser mais objectivo, devo escrever que este direito não assumido (a Imaginação) prende-se com todos os direitos assumidos, cumpridos, não cumpridos, assim como com tudo o que diz respeito á Polis e á Rés Pública.

Ao assumir-se como direito, a imaginação, ganha uma posição de cidadania e obriga a repensar questões como a alfabetização e a leitura, por exemplo, ou como o acesso do cidadão á cultura, ou quantos cidadãos visitam exposições de artes plásticas, quantos conhecem galerias de arte, quantos se interessam (não como consumidores, mas como espíritos criativos) pela inovação, novas tecnologias, projectos alternativos energéticos, etc., etc., etc., pois tudo isto é produto da imaginação.

Tem, também, a imaginação, a ver com questões como a construção de prisões. Vejamos o exemplo dos USA onde esta indústria está em franco crescimento. Tal como qualquer outra indústria esta necessita de planejar o seu desenvolvimento e responder a questões como: quantas celas serão necessárias daqui por 10 anos? Bom, o principal indicador utilizado para prever esse crescimento consiste em saber quantos adolescentes não sabem ler. Nada mais fácil….Não que uma sociedade alfabetizada não tenha índices de criminalidade, nada disso…Mas a correlação entre índice de analfabetismo ou baixo índice de escolaridade e os índices de criminalidade é, efectivamente, elevada e não deixa margem para quaisquer dúvidas. Agora se todos os alfabetizados soubessem ler…

A leitura implica a alfabetização. Só lê quem é alfabetizado. Mas um dos problemas da nossa sociedade (e que se agrava nos tempos actuais) é que nem todos os alfabetizados sabem ler…E daí talvez que o índice que os construtores de prisões utilizam para medir as celas que terão de construir daqui a 10 anos estejam errados. É que não são apenas os analfabetos que têm de entrar nas suas estatísticas prisionais. Também (para serem mais exactos e desperdiçarem menos dinheiro) têm de analisar os dados referentes aos alfabetizados que não lêem, ou seja, que não exercitam a imaginação.

Um dos exercícios para a imaginação que a leitura permite (logo só os alfabetizados conseguem) é a ficção. E esta tem duas funções principais: 1) é um poderoso alucinogénio, que nos transporta para outros mundos sem, fisicamente, sairmos do nosso mundo e que nos cria o desejo de descobrir o que está na página seguinte e na seguinte, na seguinte…Acaba por nos ensinar a descobrir mundos (novos ou velhos), a pensar e repensar, a imaginar…E isso implica que quando alfabetizamos, temos o dever de demonstrar a leitura como prazer, de proporcionar às pessoas que alfabetizamos - ou às crianças em idade escolar que estão a aprender a ler – o livro, o veiculo que permite o disfrutar da leitura, o prazer do texto, o gosto de exercitar a imaginação. E proporcionar livros, ou o acesso a livros, não é vigiar as leituras, ou promover leituras determinadas, ou criar um índex de leituras proibidas, mas sim, proporcionar tão-somente; 2) a empatia. A ficção constrói empatia, com a sua prosa baseada em 26 letras e alguns sinais de pontuação que nos permite utilizar a imaginação, criarmos mundos e povoá-los e – este “e” é essencial – permite-nos olhar através dos olhos de outros. Sentimos, conhecemos, transformamos, transformarmo-nos…

Para criar o gosto pela leitura, para proporcionar o AMOR pela leitura há que ter a liberdade de e para ler e isso implica a liberdade de ter, criar e comunicar ideias e, claro, a liberdade de e para comunicar, expressar e informar. E isto tem muito a ver com a natureza da informação e da educação. Ambas (informação e educação) têm valor e a sua qualidade tem um enorme, um imenso, valor. Grande parte da História da Humanidade foi passada na escassez da informação e da educação. Ter as duas era sempre importante. Plantar sementes, encontrar coisas, fazer mapas, contar e/ou escrever histórias era garantia de refeições e amizade e permitiam obter dinheiro. No século passado ambas – informação e educação – passaram a ser menos escassas e no actual século (XXI) a informação tornou-se excessiva e a educação (devido á sua importância reconhecida por todos) tornou-se um grande negócio, gerido como se fosse uma grande superfície. Criam-se, hoje, cerca de 5 exobytes de dados por dia (em cada 48 horas – 2 dias – a humanidade cria tanta informação quanto criou desde a civilização suméria até 2003). Com a educação passa-se algo similar, ao ponto do proletariado actual ser, na sua maioria, composto por quadros superiores, ou seja por licenciados, mestrados e doutorados.

A alfabetização adquiriu (devido á evolução da informação e da educação), neste mundo actual em que controversamente vivemos, mais importância do que nunca, porque transformou-se em algo mais do que aprender a ler, a juntar palavras (o b-a, t-a, t-a da semelha), adquiriu qualidade, já não é apenas uma questão quantitativa, urge que seja, também, qualitativa (e de padrão elevado). Este é um mundo de mensagens e de correio electrónico, de redes sociais, um mundo de informação escrita. É necessário ler e escrever para nos assumirmos como cidadãos globais que possamos ler e escrever confortavelmente, compreender o que estamos a ler e fazermo-nos entender.

Temos, ainda, a obrigação de utilizar a linguagem, de esforçarmo-nos, de descobrir o sentido das palavras e os segredos da sua aplicação, para comunicarmos de forma clara, para dizermos o que queremos dizer, para que nos entendam. A linguagem é viva, dinâmica, é algo que flui, que empresta palavras, que permite significados novos e alteração de significâncias. É, fundamentalmente, IMAGINATIVA.

Todos nós, enquanto cidadãos, temos a obrigação de sonhar (e de sonhar acordados, não apenas o direito de sonhar enquanto dormimos, que se prende com o direito a dormirmos descansados), temos o direito de imaginar. É fácil fingir que não podemos mudar nada, que vivemos numa sociedade em que como indivíduos somos zero, em que o EU está submetido ao NÓS. É fácil brincar com o facto de sermos um átomo num muro de vergonha, em qualquer parte do planeta, ou um grão de arroz num imenso arrozal. É fácil fingir isso tudo e aceitar essa condição. Mas a realidade, a verdade, é outra. Os indivíduos mudam o seu próprio mundo (as vezes que entenderem), que são os indivíduos que constroem o seu futuro, que o NÓS não é um somatório de EUS e que o EU sou EU que participo no NÓS de forma livre e voluntária. E fazemos isto tudo porque…temos o Poder da IMAGINAÇÃO! Imaginamos que as coisas possam ser diferentes e transformamos porque imaginámos.

Basta olharmos á nossa volta para ver quão óbvio é este facto de a imaginação criar. Alguém decidiu que era mais confortável estar sentado numa cadeira do que no chão e imaginou a cadeira. Só depois a criou. E isto passa-se com tudo e em tudo o que foi criado pelos homens e mulheres que compõem a Humanidade. E foi assim que a Humanidade criou a Beleza e a sua relatividade. Temos de assumir o direito de imaginar para assumirmos a plenitude da criação e da transformação. E temos de assumir o direito de IMAGINAR para termos a obrigação consciente de pôr o mundo mais belo do que é, para não esvaziar oceanos, não deixar os nossos problemas para as gerações vindouras, para limpar o que sujamos e arrumar o que desarrumamos e não deixarmos as nossas crianças entregues a um mundo acéfalo.

IMAGINEM só: deixar ás nossas crianças um mundo que elas possam ler, compreender e imaginar…

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