Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Mal
tomou posse, o novo Governo do Partido Socialista foi confrontado com a
urgência de aprovar na Assembleia da República - já em dezembro! - um
"orçamento retificativo" do Orçamento Geral do Estado para 2015! O
"orçamento retificativo" teve que ser aprovado à pressa, para acudir
ao inesperado "buraco financeiro" do Banif, o qual, além de
cuidadosamente escondido até ao último momento pelo Governo anterior, não tinha
parado de crescer ao longo dos últimos três anos, deixando o novo Governo sem tempo
nem alternativa para procurar uma solução menos penosa para os contribuintes.
Um "orçamento retificativo" é precisamente o contrário de um
"orçamento" porque, enquanto o orçamento é uma tentativa de
antecipação do futuro, um "orçamento retificativo" equivale à confissão
do irremediável fracasso dessa antecipação!
Este
"fracasso", obviamente, não foi da responsabilidade do Governo que
acabava de iniciar funções, quando a execução orçamental do ano de 2015 já
estava praticamente concluída. Tive oportunidade de me pronunciar sobre este
assunto justamente aqui, no dia 31 de dezembro do ano passado. E aqui afirmava
que era o Governo anterior, da coligação PSD/CDS, que devia assumir a
responsabilidade e prestar contas pela gestão ruinosa e negligente da crise do
Banif, levada ao extremo, com deliberada má-fé e flagrante calculismo
eleitoralista. A "retificação" acabou por ser aprovada apenas com os
votos favoráveis do PS e de mais três deputados do PSD da Madeira, ou seja:
menos de metade dos deputados eleitos para a Assembleia da República, o que
perfaz um número ainda assim inferior ao total dos votos de que a oposição
dispõe no atual quadro parlamentar, mas que foram suficientes para garantir a
sua aprovação porque o PSD, na última hora, decidiu abster-se.
Dizia,
então, que teria sido mais lógico e mais justo que o "orçamento
retificativo" fosse aprovado com os votos favoráveis do PSD e do CDS,
desfrutando, quando muito, da abstenção complacente do PS... E concluía que,
por isso mesmo, o Partido Socialista só tinha que ficar grato pelos votos
contrários dos deputados do BE, do PCP, dos Verdes e do PAN, tal como eles os
justificaram no debate que antecedeu a votação final, na Assembleia da
República, já em plena quadra natalícia!
Se
o "orçamento retificativo" exprime o reconhecimento de um erro e
corresponde à confissão de um fracasso e ao desmascaramento de uma impostura,
então está encontrada a metáfora perfeita para os quatro anos e meio de
governação do PSD/CDS". Porque o Governo da velha coligação, de facto, não
quis - ou não conseguiu - acertar numa única previsão orçamental ao longo de
toda a legislatura!
A
Assembleia da República, órgão representativo "de todos os cidadãos
portugueses", debate neste momento o Orçamento Geral do Estado para 2016.
Há dois dias, a proposta de Orçamento do Governo minoritário do Partido
Socialista foi aprovada, na generalidade, pela maioria absoluta dos deputados
eleitos, exibindo a força e a consistência da aliança parlamentar firmada entre
os partidos da Esquerda. A alternativa política prometida aos eleitores ganha
corpo para deceção de quantos afiançavam que não havia outro caminho senão o
duro trilho de privações e indignidade, prescrito pelo PSD e o CDS, e que o
nosso destino coletivo se resumia à expiação de velhos hábitos de imaginária
opulência e dissipação. Fica demonstrado que a mudança política é possível. Que
a construção do futuro está nas mãos das pessoas e não na vontade dos mercados
financeiros ou na opinião de duvidosos especialistas. Que as diferenças que
enriquecem o campo político e ideológico das esquerdas iluminam a consciência
dos consensos indispensáveis para cumprir compromissos e dar resposta às
aspirações dos cidadãos.
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