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Miguel
Guedes – Jornal de Notícias, opinião
Podem
acusar o Orçamento do Estado (OE) para 2016 de fazer figas para que tudo corra
bem, como se revelasse uma fé inquebrantável em Deus (sendo que o Senhor nem
voltou à terra, nem consta que frequente os mercados). Mas há algo que este OE
faz e faz bem: deixou de fazer mal às pessoas por antecipação. Incorpora fé,
sim, mas também opções orçamentais que visam a progressiva reposição de
direitos que, durante anos, foram retirados enquanto alguns comemoravam com
champanhe: cada vez que a troika simulava a saída, ia-se cravando mais fundo
nos bolsos dos mais desfavorecidos, pela porta dos fundos das opções de Passos
e Portas. Fruto dos acordos parlamentares com o BE e o PCP, a histórica
aprovação deste plano orçamental é o primeiro capítulo de uma não capitulação
ou rendição total a Bruxelas, saindo do pensamento da inevitabilidade do
empobrecimento dos mesmos, dos cortes de salários e das pensões, cumprindo a
Constituição. Pela primeira vez em muitos anos, a sensação de nos termos
levantado do banquinho com encosto sobre o qual as pessoas se ajoelham para
rezar. Esse mesmo, o genuflexório.
O
"genuflexório" entra no debate político pela voz de Carlos César. O
líder parlamentar do PS assegura que António Costa o terá encontrado, semiusado
em Bruxelas, por Passos Coelho. A imagem é clara e traça, com avantajado léxico
clerical, a dimensão da bondade no ataque político parlamentar. Imaginar Passos
Coelho de joelhos na Europa não é uma profissão de fé, é de uma profissão:
político. E Carlos César nem sequer é uma aparição de hoje. Parlamento.
"Sente-se à vontade, César", dirá António Costa. "Mais à vontade
do que nunca, sr. primeiro-ministro", responderia o deputado que quase foi
candidato à sucessão no partido do actual primeiro-ministro. Costas guardadas
e, no entretanto, a Costa o que seria de César.
A
melhor política também se faz, para além do generoso léxico, com o que se seduz
dizer. A "voz maviosa" que António Costa atribuiu a Passos Coelho
gerou no ex-primeiro-ministro um autêntico nó cego que o levou a abandonar o
hemiciclo. Estaria Costa a insinuar que a sua voz era doce e agradável? Suave e
terna? Ou estaria Costa a simular o som de uma palavra que conhece? Passos
Coelho preferiu enfrentar o conhecido e abalou perante o elogio da fonética,
enquanto a bancada do PSD estremece pela desonra, sem perceber o estilo. Nessa
tarde, António Costa reconhecia, perante o deputado do PAN, o "papel
essencial" dos animais na "ruptura com a solidão". Todos
percebemos que Passos saiu sozinho do hemiciclo. Mas que não terá sido por
solidão ou de mote próprio que vimos Paulo Rangel, líder do PSD no Parlamento
Europeu, a defender o chumbo do Orçamento português pela Comissão Europeia.
Nesse mesmo, no genuflexório.
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