José Goulão *, opinião
Os
arranjos que têm vindo a ser estabelecidos entre o primeiro-ministro do Reino
Unido e os dirigentes europeus com o objectivo de tentar evitar a saída dos
britânicos da União Europeia, o denominado “brexit”, podem ser uma emenda com
resultados ainda mais graves para os 28 dos que os previsíveis devido à
deserção de um dos “grandes” da comunidade.
Chamam-lhe
“engenharia jurídica”, mas em Bruxelas não existem dúvidas de que as excepções,
as ressalvas e as cedências feitas pela Comissão e pelo presidente do Conselho
Europeu a David Cameron – sem a certeza de que contribuam para a manutenção do
Reino Unido – são expedientes para contornar os Tratados em vigor e contrariam
o princípio fundador que prevê “uma União cada vez mais estreita”.
“Se
o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, já disse que vivemos o princípio
do fim da União Europeia, o que se passa para evitar o brexit é a alavanca que
irá acelerar a consumação do vaticínio”, considera um alto funcionário de
Bruxelas. As concessões a Cameron contidas no chamado “pacote Tusk, designação
com origem no nome do presidente do Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk,
“abrirão a caixa de Pandora criando uma confusão na qual a União jamais se
entenderá”, acrescentou.
O
primeiro-ministro britânico deverá convocar ainda este ano, de acordo com os
seus compromissos eleitorais, um referendo no qual os cidadãos do Reino Unido
serão chamados a pronunciar-se a favor ou contra a permanência do país na União
Europeia. As sondagens revelam que a maioria dos eleitores, ainda que por pouca
margem, são favoráveis à saída - um desfecho que David Cameron tenta evitar
contra a vontade de numerosos deputados do seu Partido Conservador, e mesmo de
ilustres membros do governo.
Por
seu lado, as instituições de Bruxelas, cientes de que a saída de um Estado
membro poderia ser um precedente catastrófico, e logo envolvendo uma das
potências económicas e militares de organização, pretendem evitar que tal
aconteça pagando um preço alto, mesmo sem ficarem seguras de que seja
suficiente.
Depois
de um período em que as exigências de Cameron, motivadas pelo avanço interno do
clima eurocéptico, catalisado pelo nacionalismo xenófobo suscitado pela vaga de
refugiados, não convenciam Bruxelas, os dirigentes europeus começaram a ceder.
O conjunto dessas concessões, finalmente contemplado no “pacote Tusk” a ser
debatido na cimeira europeia das próximas quinta e sexta-feira, prevê medidas
como estas: o Reino Unido fica desobrigado do princípio que prevê uma “União
cada vez mais estreita”; Bruxelas compromete-se a trabalhar no sentido de um
mercado interno mais competitivo e com menos burocracia; o governo britânico
pode adoptar entraves à livre circulação de cidadãos, comunitários ou não, por
exemplo suspendendo os direitos sociais a que teriam direito em certas
circunstâncias, e por períodos temporários, devendo a medida ser sancionada
pelo Conselho Europeu; o Parlamento Europeu e a Comissão perderão poderes,
ficando a legitimidade democrática a emanar somente dos Parlamentos Nacionais;
consagração de vantagens assimétricas para as outras moedas europeias, em
especial a libra esterlina, nas suas coexistências com o euro.
Não
é difícil perceber que um tal conjunto de cedências implica uma reforma da
União Europeia e é, em si mesmo, uma violação dos Tratados comunitários. De tal
modo que em Bruxelas circula a ideia de que os efeitos destas medidas poderão
provocar maiores convulsões dentro da União Europeia do que a própria saída do
Reino Unido.
Além
disso, a divulgação do “pacote Tusk” parece ter convencido apenas o próprio
David Cameron, uma vez que os eurocépticos o consideram “insuficiente”.
Os
sectores mais activos a favor da saída do Reino Unido são comandados pelo
Partido da Independência, de Neil Farage, nacionalista e de tendências
neofascistas. As sondagens colocam-no a par dos mais votados – ganhou as
últimas eleições europeias – e a sua campanha adquiriu mais vigor ainda através
da mensagem xenófoba potenciada pela crise dos refugiados.
Mas
também uma parte do eleitorado conservador volta as costas a Cameron, tal como
mais de meia centena dos seus deputados e mesmo cinco ministros. O “pacote
Tusk”, ainda dependente dos chefes de Estado e governo da União, não alterou a
tendência dominante nas sondagens britânicas, favorável ao “brexit”.
Em
Bruxelas há muito quem considere que a situação gerada por Londres é uma
consequência natural da crise profunda e da falta de rumo evidenciadas pela
União Europeia. Segundo essas opiniões, trata-se de um beco ainda sem saída,
que afectará irremediavelmente aquilo a que chamam o “projecto europeu”. Se o
Reino Unido sair, o rombo será enorme e abre uma porta por onde outros poderão
passar, sobretudo num tempo em que a pressão das correntes nacionalistas é cada
vez mais forte de uma ponta à outra do continente; se o Reino Unido ficar, será
à custa de medidas que abrem precedentes desestabilizadores capazes de tornar
ainda mais ingovernável uma comunidade de países onde, na verdade, já ninguém
se entende.
Portanto,
seja qual for o desfecho do “brexit” a União europeia ficará ainda mais
desfigurada.
*José Goulão – Mundo Cão
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