O
Presidente da República sai de cena ao fim de 10 anos. Para já, a primeira
tarefa que se impôs foi reaprender a conduzir
Luísa
Meireles - Expresso
A
avaliar pelas declarações públicas do Presidente eleito e do Presidente
cessante — os mais altos magistrados da nação —, aquilo que mais os perturba é
deixar a condução. Marcelo Rebelo de Sousa, já eleito, queixou-se que essa
perda de liberdade lhe custava. Cavaco Silva, por seu turno, confessou que está
a reaprender a conduzir. Não se sabe se decidiu ter aulas de condução, mas está
a treinar em lugares seguros. Ao fim de dez anos de exercício no cargo, vai
finalmente poder conduzir o seu próprio carro. E viva a liberdade!
Não
se acredita que repita o percurso que, há 31 anos, o pôs no caminho do poder.
Fazer a rodagem do seu novo automóvel até ao congresso do PSD, que nos idos de
1985 o consagrou presidente do partido na Figueira da Foz, foi a desculpa que
ficou gravada para a posteridade. Desta vez, aquilo que o ainda Presidente tem
como mais provável é que já no dia 10, um dia depois de voltar a ser um cidadão
comum, poderá, sozinho, conduzir o seu automóvel (que seguramente não será um
Citroën) até Alcântara. Sem férias de permeio.
Foi
numa ala já restaurada do Convento do Sacramento, ali situado (o mesmo para
onde se retirou Madalena de Vilhena, a personagem trágica em que se inspirou
Almeida Garrett para a sua peça “Frei Luís de Sousa”), que foi instalado o seu
gabinete de ex-Presidente, como a lei prevê. E é ali que por estes dias anda
uma grande azáfama, de transporte e arrumação de inúmeros dossiês pessoais que
Cavaco Silva faz questão de levar consigo.
É
aqui que deverá terminar as suas Memórias, onde deverá contar tudo o que sabe e
não quis ou não pôde dizer ao longo destes dois mandatos. Possivelmente, ainda
este mês sairá o derradeiro volume dos seus roteiros. Um prefácio polémico,
tendo em conta a história atribulada da fabricação da “geringonça”? Ao que o
Expresso apurou, não será o caso. Sairá também um outro volume sobre o Roteiro
da Economia Dinâmica (RED), uma iniciativa que o próprio assume como uma das
tarefas que mais gostou de fazer como Presidente.
Aníbal
Cavaco Silva foi professor. Gosta de ler e de estudar, disse um dia, e não será
agora que vai ficar quieto. Ao que o Expresso sabe, continuará a fazê-lo e, em
privado, chegou a dizer: “Não andarei por aí.” Não abdicará, porém, de dar a
sua opinião no “lugar próprio”, o qual, para Cavaco Silva, é o Conselho de
Estado, onde doravante passará a ter assento por inerência.
Será
mais uma experiência no seu longo percurso: apreciar o que acontece, sem ser
chamado a intervir. Como político ainda no ativo foi o único que, na sala de
audiências, se sentou dos dois lados do pesado candeeiro dos meninos. “Sei o
que é estar dos dois lados”, afirmou aos seus próximos.
SEMANA
EM CHEIO
A
sua última semana foi em cheio. A transição de pastas entre as duas equipas
corre a ritmo lento, mas terá de estar pronta na quarta-feira, data em que
Cavaco Silva entrará como Presidente no Palácio de Belém e sairá como ex. Com a
mais alta condecoração que, nesse mesmo dia, o novo Presidente lhe atribuirá. O
seu retrato oficial também será exposto na Galeria de Retratos Oficiais dos
Presidentes, no Museu da Presidência da República, nesse 9 de março.
Oficialmente,
tudo decorre normalmente, embora muita gente já tenha saído do palácio. As
conversas entre os dois Presidentes decorreram como é suposto, e os assessores,
mal ou bem, com olheiras até meio da cara, despacham os últimos pedidos. Parece
que é costume, no final dos mandatos, choverem as solicitações. No último dia,
o site será fechado e nascerá um outro. Será uma vida diferente em Belém.
Até
à semana passada, Cavaco Silva ainda atribuiu condecorações — e foram muitas,
algumas das quais polémicas. Despediu-se de associações e instituições e ficou
particularmente comovido na cerimónia com as Forças Armadas, onde os três ramos
lhe ofereceram as suas espadas de honra, que já têm lugar reservado no gabinete
do Convento do Sacramento.
Realizou
também na semana passada a última reunião de trabalho com o primeiro-ministro,
António Costa. Voltou a encontrar-se com ele na quinta-feira, numa cerimónia
cheia de simbolismo, para presidir a um Conselho de Ministros extraordinário
sobre o mar — uma iniciativa de “homenagem” ao seu legado, como disse o
primeiro-ministro. Pelos vistos, não perdeu o treino. Do relato ouvido pelo
Expresso, tudo decorreu sob rodas, e ambos os lados coincidiram no
profissionalismo da sua condução dos trabalhos.
O
gesto não deixou Cavaco Silva indiferente. O mar, tal como afirmou, foi tema
constante da sua ação como Presidente. E deixou o recado. “O reencontro de
Portugal com o mar é um contributo para enfrentar os grandes desafios deste
século”, afirmou no momento das declarações públicas. Entre todos, o desafio
maior é “transformar as suas potencialidades em negócios rentáveis, criadores
de emprego”.
Entre
uma coisa e outra, encontrou-se com os membros das três Ordens Honoríficas
(entre eles Sampaio da Nóvoa, que faz parte do Conselho das Ordens de Mérito
Civil), recebeu as cartas credenciais de quatro novos embaixadores em Portugal
e, ainda ontem, recebeu em audiência a ministra dos Negócios Estrangeiros da
Colômbia.
Maria
Cavaco Silva encerrou também esta semana as suas funções, muitas das quais
correspondiam a solicitações ao Presidente, nomeadamente na área social e
cultural. Um problema que Marcelo Rebelo de Sousa terá de resolver. Bem como o
da verdadeira tonelada de correspondência que chega a Belém regularmente, pelo
site ou por carta, e que ocupa funcionários a tempo inteiro.
Na
segunda-feira, Cavaco Silva fará a sua última saída e o seu último discurso público
enquanto Presidente. Será na Câmara Municipal de Cascais, de cujo presidente
receberá em mãos a chave da vila e o diploma de cidadão honorário do município,
“pela marca indelével” que ali deixou por todo o seu trabalho como
primeiro-ministro e como Presidente da República. No concelho, tanto em
legislativas como em presidenciais, foi sempre o mais votado.
A
Marcelo Rebelo de Sousa, já se sabe, deixará uma secretária limpa. Até ontem,
promulgou a dezena de diplomas que recebeu do Governo. Tarefa cumprida.
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