Isabel
Moreira – Expresso, opinião
Na última
legislatura, o mundo do trabalho foi esmagado materialmente e simbolicamente. A
modernidade a que pensávamos pertencer tinha por assente que a história havia
provado que a precariedade é inimiga do crescimento e da dignidade.
A
modernidade a que pensávamos pertencer tinha por assente que a segurança no
trabalho é um direito fundamental tornado banal de tão evidente.
A
modernidade a que pensávamos pertencer tinha por assente que a história havia
provado que a política ultraliberal defensora de baixos salários é
contraproducente e ofensiva de cada trabalhadora e de cada trabalhador.
A
modernidade a que pensávamos pertencer tinha por assente que trabalhar e
continuar pobre envergonha um Estado que sendo social não pode, evidentemente,
demitir-se do flagelo.
Aconteceu,
no entanto, que a modernidade deu lugar a um apelidado pragmatismo que
foi efetivamente uma escolha ideológica, desconhecida há muito numa cidade
decente. Aconteceu termos um Governo que afirmou sem pudor que empobrecer,
flexibilizar, deixar cada um a si mesmo, desprezar o sindicalismo, trocar
segurança no emprego por recibos verdes com possibilidade de renovações
multiplicadas, trocar emprego por alegados estágios semanticamente escondendo
escravaturas, seria parte de uma inevitabilidade.
Essa
inevitabilidade apoiava-se na teoria da austeridade expansionista –
agradecendo muito os sacrifícios (aparentemente voluntários) dos portugueses –
a qual levaria ao cumprimento de todas as metas traçadas em cada orçamento de
estado, as quais, como a tal da modernidade histórica mandaria adivinhar,
falharam todas.
O
ataque ao mundo do trabalho foi também simbólico. Nodiscurso político armado da
direita desapareceu a palavratrabalhadores. A omissão das palavras que
sustentam uma das realidades mais definidoras do grau de dignidade de uma
sociedade foi intencional. Foi doloroso assistir a horas de debate no plenário
sobre as sucessivas e selvagens alterações à legislação laboral conseguindo a
direita não dizer uma só vez essa palavra transformada em peça de museu:
-
Trabalhadores.
Já
nesta legislatura, aquando da discussão de matérias como o salário mínimo ou a
devolução de salários roubados contra a Constituição, a direita nem por uma vez
pronunciou essa palavra que quer apagar na sua adesão fanática ao liberalismo
selvagem:
-
Trabalhadores.
Os
tempos mudaram e temos a prova de que há escolhas, há ideologia, há
alternativas. Nelas voltou a modernidade que não existe sem a inscrição com voz
alta da palavra trabalhadores. Substancialmente e simbolicamente o mundo
do trabalho está de volta.
Sabemos
isso lendo o documento que espelha as principais escolhas do Governo atual.
Vale a pena sublinhar algumas das muitas prioridades (que se desdobram em
medidas concretas) para 2016 em matérias de emprego: focalizar as
políticas ativas de emprego no combate ao desemprego jovem e ao desemprego de
longa duração; inserção sustentada dos jovens (que foram martirizados quer
pela precarização quer no desemprego) no mercado de trabalho; inserção
profissional dos desempregados de longa duração; revogar a norma do Código do
Trabalho que permite a contratação a prazo para postos de trabalho permanentes
de jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração;
avaliar novos mecanismos de aumento da sua empregabilidade; combater o abuso e
a ilegalidade na utilização de medidas de emprego, como os estágios e os
contratos emprego-inserção, para a substituição de trabalhadores; reforçar a
fiscalização do cumprimento das normas de trabalho, combatendo o uso abusivo e
ilegal de contratos a termo, dos falsos “recibos verdes”, do trabalho
temporário, do trabalho subdeclarado e não declarado e o abuso e a ilegalidade
na utilização de medidas de emprego, como os estágios e os apoios à
contratação, para a substituição de trabalhadores; revogar a norma do Código do
Trabalho que permite a contratação a prazo para postos de trabalho permanentes
de jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração, e
avaliar novos mecanismos de aumento da sua empregabilidade; em situações de
reconhecimento de contrato de trabalho, agilização da conversão em contrato de
trabalho, com assunção para fins legais e contributivos do início da relação
como início do contrato e com agravamento do quadro de penalizações à fraude.
É
impossível elencar num artigo de opinião todas as medidas e objetivos traçados
num orçamento de estado. Mas fica claro que depois do discurso Paulo Portas de
base totalitária é referível um estágio ao desemprego, é preferível um
recibo verde a um estágio, depois da destruição de mais de 300 mil empregos,
depois do encaminhamento forçado para a emigração de milhares de jovens, depois
de milhares de pessoas de carene e osso atiradas para falsos empregos, depois
de uma legislatura apostada em matar o significado e o significante da palavra trabalhadores eis
que a palavra de volta.
E
com ela a democracia material.
Sem comentários:
Enviar um comentário