UNITA
afirma que a solicitação denota o fracasso do governo. CASA-CE vê uma
oportunidade para maior transparência na gestão.
O
governo afirma que o pedido dirigido ao Fundo Monetário Internacional (FMI)
será para um Programa de Financiamento Ampliado para apoiar a diversificação
económica a médio prazo, negando que se trate de um resgate económico.
A
posição surge numa “nota de esclarecimento” enviado hoje pelo Ministério
das Finanças, aludindo às “interpretações difusas veiculadas por órgãos da
comunicação social angolana e portuguesa” que “revelam algum desconhecimento do
‘novo normal’ decorrente do processo de ajustamento da economia nacional, com
tendência resiliente”.
O
documento refere que o pedido do governo ao FMI será para beneficiar do
Programa de Financiamento Ampliado (Extended Fund Facility – EFF), um
instrumento financeiro “direccionado a reformas estruturais voltadas para a
diversificação da economia, reforço da balança de pagamentos, com propósito
cimeiro de fortalecer os pilares da sustentabilidade da nossa economia” e “ao
contrário de programas de austeridade como por exemplo os programas para
resgates económicos”.
“Quanto
ao apoio financeiro efectivo, os recursos do EFF são geralmente amortizáveis em
prazos mais longos”, até 10 anos, mas sem concretizar o montante que Angola
estima necessitar.
O
Ministério das Finanças agendou para hoje, às 16h, uma conferência de imprensa
para abordar o pedido de apoio ao FMI, numa altura de forte crise económica e
financeira, devido à quebra nas receitas com a exportação de petróleo. O
FMI anunciou quarta-feira que Angola solicitou um programa de assistência para
os próximos três anos, cujos termos serão debatidos nas reuniões de primavera,
em Washington, e numa visita ao país.
“O
recurso ao programa de financiamento ampliado, num momento em que Angola vem
realizando importantes reformas voltadas para a estabilidade macroeconómica e a
diversificação da economia, mantendo uma política fiscal responsável, um nível
de Reservas Internacionais elevado, entende-se como uma medida prudente e
responsável”, sublinha o Ministério das Finanças.
Neste
contexto, o economista Carlos Rosado de Carvalho já disse à Lusa que
o montante do apoio financeiro do FMI pode chegar aos USD 2,4 mil milhões, o
equivalente a 600 por cento da quota de Angola para o fundo, superior
à previsão inicial que, num quadro de um apoio de facilidade de crédito
ampliado podia atingir os USD 300 milhões por ano.
“Não
é o dinheiro que é importante, mas sim o programa de reformas e o compromisso
deste programa. É evidente que haverá cortes, mas o fundamental é a confiança
que vai dar à economia angolana e a credibilidade às políticas. Os investidores
vão ficar mais confiantes, porque vão esperar um crescimento mais sustentável
da economia angolana”, explicou anteriormente o economista e diretor do
semanário “Expansão”.
O
Ministério das Finanças recorda, por seu turno, no comunicado de hoje, que Angola
tem vindo a implementar “por sua iniciativa” um conjunto de reformas “que têm
merecido o aplauso internacional, sem as quais o nível de adaptabilidade ao
quadro atual não seria o mesmo” e “permitindo com isso criar um quadro de maior
resiliência perante as consequências da baixa do preço do petróleo, dos
reprimidos níveis de crescimento económico observados na economia global e do
estado dos mercados financeiros”.
UNITA
A
UNITA disse ontem que o pedido de ajuda ao Fundo Monetário
Internacional (FMI) “reflete desespero” do governo. A posição foi
manifestada pelo porta-voz do partido, Alcides Sakala, quando reagia em
declarações à agência Lusa ao pedido de assistência feito por Angola
ao FMI, na aplicação de políticas macroeconómicas e reformas estruturais que
diversifiquem a economia e respondam às necessidades
financeiras. “Entendemos que há de facto desespero da parte do executivo
angolano, que é penalizado pela falta de transparência e pela forma danosa como
geriram os dinheiros que pertence a todos nós”, disse Alcides Sakala.
Segundo
o porta-voz da UNITA, do ponto de vista político, o governo perdeu toda a
credibilidade a nível interno e internacional. Para o político, esta falta
de confiança relativamente às instituições nacionais leva a estas reservas da
comunidade internacional, “que agora pensa duas vezes antes de se engajar com o
governo angolano”.
“A
situação que o país está a viver agora resulta da má gestão, porque quando o
petróleo estava em alta a UNITA foi fazendo recomendações muito importantes,
que não foram acatadas naquela altura”, salientou Alcides Sakala.
Recordou
ainda que os empréstimos do FMI têm regras, essencialmente a transparência, e o
acompanhamento por aquela instituição da gestão desses
financiamentos. “Portanto, o futuro vai ser mais difícil, não há confiança
e toda esta conjuntura é indiciadora da necessidade de se fazerem mudanças
políticas em Angola, na perspectiva da mudança da equipa”, destacou Alcides
Sakala.
CASA-CE
O
líder parlamentar da CASA-CE considera que o pedido de ajuda deve ser encarado
como uma “oportunidade para mais transparência” e alertou que a sobrevivência
das populações tem de ser assegurada. “Que seja uma oportunidade para
haver mais transparência, para saber por onde andam os dinheiros de Angola, e
que esteja no pacote de assistência o desempenho da Sonangol, porque tudo roda
à volta dessa ‘macroempresa’ que não presta contas a ninguém”, disse Mendes de
Carvalho, líder parlamentar da coligação, em declarações à Lusa.
“Se
não há outra saída, se o governo não encontra outra maneira, é benvinda essa
aproximação ao FMI, mas esperamos que o Fundo não venha com medidas drásticas
que façam o povo sofrer e que não haja grandes penalizações”, acrescentou o deputado,
sublinhando que os técnicos do FMI devem “ver os aspectos inerentes à nossa
economia, e salvaguardar já não digo o bem estar, mas pelo menos a
sobrevivência das populações”.
Para
Mendes de Carvalho, o pedido para o início de negociações sobre um Programa de
Financiamento Ampliado evidencia as fragilidades de Angola: “Tivemos grandes
oportunidades para diversificar a economia com receitas avultadas nos últimos
anos, mas por má gestão, governação insuficiente, continuámos a depender do
barril do preço do petróleo, e com esta quebra acentuada, naturalmente ficou a
nu que a economia de Angola tinha pés de barro”.
Sindicatos
A
maior confederação sindical nacional admitiu ontem que o
apoio financeiro do FMI será bem-vindo, mas novas medidas de austeridade deixarão
os trabalhadores em situação “incomportável”. A posição foi transmitida
por Manuel Viage, secretário-geral da União Nacional de Trabalhadores Angolanos
– Confederação Sindical (UNTA-CS).
O
responsável recorda que as últimas medidas recomendadas pelo FMI estão a ser
implementadas, nomeadamente a manutenção dos valores nominais dos salários e o
congelamento de novas admissões na função pública. Segundo Manuel Viage,
uma ajuda no plano financeiro, nomeadamente um crédito para financiar a economia
“é bem-vinda”.
“Porque
o que temos visto é que a actividade empresarial está de alguma forma a
decrescer faz tempo e a consequência imediata é a perda de postos de trabalho
que temos visto todos os dias. Se a ajuda do FMI é no sentido de financiar a
economia podemos considerá-la bem-vinda”, frisou. Acrescentou que
“qualquer medida se não for no sentido de elevar” ou “ajustar as remunerações
dos trabalhadores”, então “vamos entrar para uma situação bastante difícil,
incomportável”.
O
líder sindical frisou ainda que outra recomendação do FMI e que ainda não está
em implementação visava “o emagrecimento do aparelho de Estado”. “Queremos
ver qual é a estratégia que o governo vai adoptar, se é a fusão de ministérios,
mas essa é uma medida que está prevista, no plano estrutural para a saída da
crise”, referiu.
Recordou
igualmente que a última declaração saída da reunião confederal, foi sublinhado
ao governo que o poder de compra dos salários dos trabalhadores perdeu cerca de
75 por cento do poder de compra. “Portanto, quando olhamos para
o valor de referência, que é o salário mínimo garantido, versus o valor da
cesta básica no mercado, o que vemos é que o actual valor nominal do salário
mínimo compra apenas cerca de 25 por cento dessa cesta básica”, disse
Manuel Viage.
Empresários
O
presidente da Associação Industrial de Angola (AIA), José Severino, disse à Lusa que
o pedido de assistência financeira ao FMI só peca por tardio e que a
“petrodólar mania” acabou no país. “Rigor não nos fará mal. Vai doer, mas
rigor só nos fará bem”, apontou o representante dos empresários e industriais
sobre a previsível política financeira que o FMI introduzirá na gestão das
contas públicas angolanas.
“É
uma boa notícia, que vem atrasada. Mas mais vale tarde do que nunca”, comentou
ainda José Severino, recordando que a quebra da cotação do barril de crude no
mercado internacional desde 2014 e o arrefecimento do crescimento económico da
China – que compra metade do petróleo angolano – tornaram a “chamada do FMI” a
Angola “inevitável”.
“Em
novembro de 2014 já a AIA dizia que a restruturação da economia angolana vai
doer. E tinha que doer porque nós vínhamos da ‘petrodólar mania’, nós vínhamos
da cultura de uma dependência externa [importações] que não era sustentável e
isso acabou. Agora precisamos de governar o país como governam todos os outros
e muitos deles não têm petróleo, mas têm estabilidade”, enfatizou José
Severino.
Para
o presidente da AIA, o FMI “será bem-vindo” a Angola, por obrigar o país a
fazer uma “política de acerto”: “Partimos tarde, mas temos de o fazer”, disse
ainda. Combater “com coerência” a evasão fiscal, racionalizar a despesa
pública e o tamanho do aparelho do Estado, promover a aposta em sectores
primários como a produção agrícola no interior ou facilitar o investimento estrangeiro
para diversificar a actividade industrial e fomentar as exportações são
bandeiras que a AIA espera ver desenvolvidas neste programa de assistência.
O
presidente da AIA entende que parte das medidas que o FMI poderia exigir, no
âmbito deste programa de assistência, até já foram implementadas, como o corte
total no subsídio aos combustíveis, apoio que permitia manter os preços da
gasolina e do gasóleo artificialmente baixos e que em definitivo terminou no
final de 2015.
“Medidas
no sentido de que quando o FMI chegasse já tivéssemos alguns caminhos feitos de
acordo com as suas políticas (…) Era insuportável estarmos a deitar ao lixo USD
5 mil milhões em subsídios [aos combustíveis]”, concluiu.
Lusa,
em Rede Angola
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