quinta-feira, 7 de abril de 2016

Angola. GOVERNO NEGA QUE PEDIDO DE AJUDA AO FMI SEJA RESGATE ECONÓMICO



UNITA afirma que a solicitação denota o fracasso do governo. CASA-CE vê uma oportunidade para maior transparência na gestão.

O governo afirma que o pedido dirigido ao Fundo Monetário Internacional (FMI) será para um Programa de Financiamento Ampliado para apoiar a diversificação económica a médio prazo, negando que se trate de um resgate económico.

A posição surge numa “nota de esclarecimento” enviado hoje pelo Ministério das Finanças, aludindo às “interpretações difusas veiculadas por órgãos da comunicação social angolana e portuguesa” que “revelam algum desconhecimento do ‘novo normal’ decorrente do processo de ajustamento da economia nacional, com tendência resiliente”.

O documento refere que o pedido do governo ao FMI será para beneficiar do Programa de Financiamento Ampliado (Extended Fund Facility – EFF), um instrumento financeiro “direccionado a reformas estruturais voltadas para a diversificação da economia, reforço da balança de pagamentos, com propósito cimeiro de fortalecer os pilares da sustentabilidade da nossa economia” e “ao contrário de programas de austeridade como por exemplo os programas para resgates económicos”.

“Quanto ao apoio financeiro efectivo, os recursos do EFF são geralmente amortizáveis em prazos mais longos”, até 10 anos, mas sem concretizar o montante que Angola estima necessitar.

O Ministério das Finanças agendou para hoje, às 16h, uma conferência de imprensa para abordar o pedido de apoio ao FMI, numa altura de forte crise económica e financeira, devido à quebra nas receitas com a exportação de petróleo. O FMI anunciou quarta-feira que Angola solicitou um programa de assistência para os próximos três anos, cujos termos serão debatidos nas reuniões de primavera, em Washington, e numa visita ao país.

“O recurso ao programa de financiamento ampliado, num momento em que Angola vem realizando importantes reformas voltadas para a estabilidade macroeconómica e a diversificação da economia, mantendo uma política fiscal responsável, um nível de Reservas Internacionais elevado, entende-se como uma medida prudente e responsável”, sublinha o Ministério das Finanças.

Neste contexto, o economista Carlos Rosado de Carvalho já disse à Lusa que o montante do apoio financeiro do FMI pode chegar aos USD 2,4 mil milhões, o equivalente a 600 por cento da quota de Angola para o fundo, superior à previsão inicial que, num quadro de um apoio de facilidade de crédito ampliado podia atingir os USD 300 milhões por ano.

“Não é o dinheiro que é importante, mas sim o programa de reformas e o compromisso deste programa. É evidente que haverá cortes, mas o fundamental é a confiança que vai dar à economia angolana e a credibilidade às políticas. Os investidores vão ficar mais confiantes, porque vão esperar um crescimento mais sustentável da economia angolana”, explicou anteriormente o economista e diretor do semanário “Expansão”.

O Ministério das Finanças recorda, por seu turno, no comunicado de hoje, que Angola tem vindo a implementar “por sua iniciativa” um conjunto de reformas “que têm merecido o aplauso internacional, sem as quais o nível de adaptabilidade ao quadro atual não seria o mesmo” e “permitindo com isso criar um quadro de maior resiliência perante as consequências da baixa do preço do petróleo, dos reprimidos níveis de crescimento económico observados na economia global e do estado dos mercados financeiros”.

UNITA

A UNITA disse ontem que o pedido de ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI) “reflete desespero” do governo. A posição foi manifestada pelo porta-voz do partido, Alcides Sakala, quando reagia em declarações à agência Lusa ao pedido de assistência feito por Angola ao FMI, na aplicação de políticas macroeconómicas e reformas estruturais que diversifiquem a economia e respondam às necessidades financeiras. “Entendemos que há de facto desespero da parte do executivo angolano, que é penalizado pela falta de transparência e pela forma danosa como geriram os dinheiros que pertence a todos nós”, disse Alcides Sakala.

Segundo o porta-voz da UNITA, do ponto de vista político, o governo perdeu toda a credibilidade a nível interno e internacional. Para o político, esta falta de confiança relativamente às instituições nacionais leva a estas reservas da comunidade internacional, “que agora pensa duas vezes antes de se engajar com o governo angolano”.

“A situação que o país está a viver agora resulta da má gestão, porque quando o petróleo estava em alta a UNITA foi fazendo recomendações muito importantes, que não foram acatadas naquela altura”, salientou Alcides Sakala.

Recordou ainda que os empréstimos do FMI têm regras, essencialmente a transparência, e o acompanhamento por aquela instituição da gestão desses financiamentos. “Portanto, o futuro vai ser mais difícil, não há confiança e toda esta conjuntura é indiciadora da necessidade de se fazerem mudanças políticas em Angola, na perspectiva da mudança da equipa”, destacou Alcides Sakala.

CASA-CE

O líder parlamentar da CASA-CE considera que o pedido de ajuda deve ser encarado como uma “oportunidade para mais transparência” e alertou que a sobrevivência das populações tem de ser assegurada. “Que seja uma oportunidade para haver mais transparência, para saber por onde andam os dinheiros de Angola, e que esteja no pacote de assistência o desempenho da Sonangol, porque tudo roda à volta dessa ‘macroempresa’ que não presta contas a ninguém”, disse Mendes de Carvalho, líder parlamentar da coligação, em declarações à Lusa.

“Se não há outra saída, se o governo não encontra outra maneira, é benvinda essa aproximação ao FMI, mas esperamos que o Fundo não venha com medidas drásticas que façam o povo sofrer e que não haja grandes penalizações”, acrescentou o deputado, sublinhando que os técnicos do FMI devem “ver os aspectos inerentes à nossa economia, e salvaguardar já não digo o bem estar, mas pelo menos a sobrevivência das populações”.

Para Mendes de Carvalho, o pedido para o início de negociações sobre um Programa de Financiamento Ampliado evidencia as fragilidades de Angola: “Tivemos grandes oportunidades para diversificar a economia com receitas avultadas nos últimos anos, mas por má gestão, governação insuficiente, continuámos a depender do barril do preço do petróleo, e com esta quebra acentuada, naturalmente ficou a nu que a economia de Angola tinha pés de barro”.

Sindicatos

A maior confederação sindical nacional admitiu ontem que o apoio financeiro do FMI será bem-vindo, mas novas medidas de austeridade deixarão os trabalhadores em situação “incomportável”. A posição foi transmitida por Manuel Viage, secretário-geral da União Nacional de Trabalhadores Angolanos – Confederação Sindical (UNTA-CS).

O responsável recorda que as últimas medidas recomendadas pelo FMI estão a ser implementadas, nomeadamente a manutenção dos valores nominais dos salários e o congelamento de novas admissões na função pública. Segundo Manuel Viage, uma ajuda no plano financeiro, nomeadamente um crédito para financiar a economia “é bem-vinda”.

“Porque o que temos visto é que a actividade empresarial está de alguma forma a decrescer faz tempo e a consequência imediata é a perda de postos de trabalho que temos visto todos os dias. Se a ajuda do FMI é no sentido de financiar a economia podemos considerá-la bem-vinda”, frisou. Acrescentou que “qualquer medida se não for no sentido de elevar” ou “ajustar as remunerações dos trabalhadores”, então “vamos entrar para uma situação bastante difícil, incomportável”.

O líder sindical frisou ainda que outra recomendação do FMI e que ainda não está em implementação visava “o emagrecimento do aparelho de Estado”. “Queremos ver qual é a estratégia que o governo vai adoptar, se é a fusão de ministérios, mas essa é uma medida que está prevista, no plano estrutural para a saída da crise”, referiu.

Recordou igualmente que a última declaração saída da reunião confederal, foi sublinhado ao governo que o poder de compra dos salários dos trabalhadores perdeu cerca de 75 por cento do poder de compra. “Portanto, quando olhamos para o valor de referência, que é o salário mínimo garantido, versus o valor da cesta básica no mercado, o que vemos é que o actual valor nominal do salário mínimo compra apenas cerca de 25 por cento dessa cesta básica”, disse Manuel Viage.

Empresários

O presidente da Associação Industrial de Angola (AIA), José Severino, disse à Lusa que o pedido de assistência financeira ao FMI só peca por tardio e que a “petrodólar mania” acabou no país. “Rigor não nos fará mal. Vai doer, mas rigor só nos fará bem”, apontou o representante dos empresários e industriais sobre a previsível política financeira que o FMI introduzirá na gestão das contas públicas angolanas.

“É uma boa notícia, que vem atrasada. Mas mais vale tarde do que nunca”, comentou ainda José Severino, recordando que a quebra da cotação do barril de crude no mercado internacional desde 2014 e o arrefecimento do crescimento económico da China – que compra metade do petróleo angolano – tornaram a “chamada do FMI” a Angola “inevitável”.

“Em novembro de 2014 já a AIA dizia que a restruturação da economia angolana vai doer. E tinha que doer porque nós vínhamos da ‘petrodólar mania’, nós vínhamos da cultura de uma dependência externa [importações] que não era sustentável e isso acabou. Agora precisamos de governar o país como governam todos os outros e muitos deles não têm petróleo, mas têm estabilidade”, enfatizou José Severino.

Para o presidente da AIA, o FMI “será bem-vindo” a Angola, por obrigar o país a fazer uma “política de acerto”: “Partimos tarde, mas temos de o fazer”, disse ainda. Combater “com coerência” a evasão fiscal, racionalizar a despesa pública e o tamanho do aparelho do Estado, promover a aposta em sectores primários como a produção agrícola no interior ou facilitar o investimento estrangeiro para diversificar a actividade industrial e fomentar as exportações são bandeiras que a AIA espera ver desenvolvidas neste programa de assistência.

O presidente da AIA entende que parte das medidas que o FMI poderia exigir, no âmbito deste programa de assistência, até já foram implementadas, como o corte total no subsídio aos combustíveis, apoio que permitia manter os preços da gasolina e do gasóleo artificialmente baixos e que em definitivo terminou no final de 2015.

“Medidas no sentido de que quando o FMI chegasse já tivéssemos alguns caminhos feitos de acordo com as suas políticas (…) Era insuportável estarmos a deitar ao lixo USD 5 mil milhões em subsídios [aos combustíveis]”, concluiu.

Lusa, em Rede Angola

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