quinta-feira, 7 de abril de 2016

Angola. MUITA COISA (TAMBÉM) FOI MAL FEITA



Reginaldo Silva – Rede Angola, opinião

Em sã consciência e em nome daquele mínimo de honestidade intelectual que a própria cidadania nos obriga, diante da nova paisagem que o país exibe ao fim destes primeiros 14 anos de paz (definitiva), ninguém pode dizer que o Governo ficou de braços cruzados “a ver a banda a passar cantando coisas de amor”.

Fez sim senhora, fez muita coisa bem, mas também fez muita coisa mal, aliás, só não erra, quem fica parado, só não é criticado quem não faz nada.

O problema aqui, como em todo o lado, é sempre insistir no erro, sendo, contudo, em Angola esta avaliação muito complexa por falta de um “tribunal arbitral independente” que venha a ser aceite pelas partes que divergem na hora de se identificar o que foi bem ou mal feito, ou ainda o que não foi feito e já devia ter sido, para além de outras coisas.

Enfim, como diria o outro, “este país me cansa”.

Ao lado do Governo, é bom que se diga, muitos outros braços e muitas outras mãos também foram à obra, também estão a fazer o país acontecer, também estão a contribuir para que Angola venha a ser o mais rapidamente possível um país de rendimento médio, deixando definitivamente para trás a sua  actual condição de PMA, isto é, de figurar na lista dos países mais atrasados do mundo, onde permanece enquanto o seu processo está a ser revisto pelas Nações Unidas.

Estas pessoas fizeram-no muitas vezes em condições bastante adversas, para não falarmos das outras que têm a  ver com a desigualdade e com a discriminação em matéria de oportunidades e de acessos por parte de quem tem a faca e o queijo na mão, que devia ser apenas um árbitro, mas que passa a vida a jogar.

E o que mais desejamos, é que esta subida para o nível do rendimento médio não fique apenas nas estatísticas, mas que efectivamente se transmita e de forma inequívoca à realidade concreta da distribuição do PIB pelas nossas casas, onde ainda mora demasiada pobreza que, pelos vistos e mais preocupante, se está a agravar.

É na avaliação desta realidade/tendência que está a grande maka que neste momento “estamos com ela” e que acaba por ser o principal tópico de um inconclusivo debate que prossegue dentro de momentos. Inconclusivo, antes de mais, porque demasiado politizado/partidarizado, até nos areópagos tidos como mais académicos, onde a preocupação de alguns dos seus protagonistas parece ser mais a de “tapar o sol com a peneira”, do que propriamente de cruzar informações com a realidade num contexto social que está a vista de todos.

Mesmo que estivesse muito “à toa na vida”, o Governo de ontem que hoje virou “Poder Executivo” e que tem apenas um “Titular” a quem se creditam apenas os méritos, não poderia ter ficado somente a ver “a banda a passar”, na cómoda condição de observador ou de analista.

Às vezes assim parece que é, sobretudo, na hora de se assumirem algumas responsabilidades que não podem ser diluídas ou repartidas por mais ninguém por razões óbvias, com destaque para aquelas que são mais políticas.

Não é esta a sua função, já que em todo o mundo do qual fazemos parte, governar é sobretudo resolver problemas gerindo da melhor forma o erário disponível, mas também é prever e antecipar,  mas também é saber ouvir os outros, criando sempre o melhor ambiente para a implementação das grandes políticas públicas.

No caso vertente, estar “à toa na vida” seria não ter aquele mínimo de recursos disponíveis para enfrentar e domar a “fera” herdada da longa e devastadora guerra civil, o que, felizmente para todos nós, não foi o que aconteceu.

Como todos sabemos, e para o bom desempenho de uma economia petrolífera, uma boa parte destes 14 anos foram bafejados  por uma  conjuntura do mercado internacional que nos foi bastante favorável, com alta do preço do barril então verificada, que alavancou todo o crescimento económico que então se registou pela casa dos dois dígitos.

Como garantia, foi esta sortuda conjuntura, e não nenhum milagre ou outro gesto qualquer de inspiração mais individual, que trouxe até nós o novo “amigo chinês” com todos os seus biliões de dólares que têm vindo a financiar a obra pública, mas não só.

Entretanto, todos nós, com o Governo incluído, pela história do seu comportamento, também já sabíamos que neste mercado, as “vacas” tanto podem engordar bastante como também podem emagrecer a qualquer altura, que é o que o está a acontecer nos últimos três anos, com todas as consequências já visíveis.

Por razões que não se percebem muito bem, claramente aqui o Governo não esteve à altura da sua  responsabilidade previsional, embora nos garantisse no discurso que os volumosos remanescentes  então gerados pelos sucessivos superavits orçamentais, estavam a ser cautelosamente geridos e aplicados na perspectiva desta volatilidade.

Isto, recorde-se, aconteceu mesmo depois de um dos mais famosos “Gurus” da economia mundial, chamado Paul Colliers, ter em 2005/2006, por ocasião do 30º aniversário da nossa Independência, alertado expressamente a classe política no poder, e por tabela todos nós, para alguns cenários possíveis que dentro de 30 anos nos  podiam colocar ou na caótica situação da Nigéria ou na condição muito mais folgada da Malásia, que é  um dos conhecidos “tigres asiáticos”, pelos fulgurantes resultados sócio-ecnómicos que o seu crescimento tem sabido oferecer aos malaios e à economia global.

Os dois países, apontou Colliers, “começaram, mais ou menos, onde Angola está a começar hoje e trinta anos depois não poderia ser diferente. As escolhas de hoje determinarão qual das duas vias o país seguirá”.

Estes dois exemplos, pontualizou o preclaro académico inglês, “ilustram um fenómeno mais geral. Tanto os períodos pós-conflito como os de boom do petróleo são momentos, em que as escolhas de políticas são muito mais importantes e variadas do que em situações normais.”

Para o renomado professor/investigador universitário, “algumas sociedades acertam enquanto outras falham, e as consequências são espectaculares. As escolhas que serão feitas nos próximos anos moldarão a sociedade para as décadas futuras, para o bem ou para o mal.”

Lamentavelmente, profetizou há 10 anos Paul Colliers, “a opção implícita é a de que Angola seguirá o exemplo da Nigéria. Lagos é actualmente a melhor visão de Luanda em 2036. Isto porque existem fortes forças políticas e económicas que conduzem a sociedade para este rumo”.

Como nos faltam cerca 20 anos  até chegar lá, gostaríamos de acreditar que ainda é possível contrariarmos esta “maldição” lançada por Paul Colliers e que é sustentada por um conjunto de sólidas informações e pertinentes considerações que podem ser consultadas a qualquer momento nesta sua “aula de sapiência” que tem por título “Angola: Opções para a Prosperidade/Maio 2006”.

Por ocasião destes 14 anos de paz, em jeito de balanço e conforme já referido no inicio, há que dizê-lo aqui e com todas as letras, que também muita coisa foi muito mal feita, que muitas decisões estratégicas foram tomadas de forma errada, que muito dinheiro público foi atirado para o ralo em apostas de duvidosa consistência, sem falar daquele que desapareceu “misteriosamente” e até hoje alimenta as mais diferentes especulações internas e externas sobre a própria ética da governação ou de quem nos governa.

Entre estas coisas que foram mal feitas, a qualidade dos projectos e a sua deficiente fiscalização anteciparam para os observadores mais atentos e conhecedores da matéria alguns resultados desastrosos que hoje estão aí à vista de todos. Estava na cara.

Falamos das estradas, certamente, mas há muito mais para apontar na hora de fazer um levantamento mais sério e exaustivo de todo o investimento público realizado, cujos montantes financeiros se adivinham colossais em contraste com os seus raquíticos resultados sociais mais globais à escala nacional.

Não podemos falar destes 14 anos de paz sem colocar na balança tudo o que foi feito, particularmente com o dinheiro que é público e que o Executivo tem apenas a responsabilidade de gerir e bem, que é o que as evidências não confirmam.

Perfeitamente de acordo com a impossibilidade de em 14 anos se resolverem todos os problemas herdados de mais de três décadas de devastadora guerra civil.

Convencidos estamos, por outro lado, que com todo o dinheiro já empregue teríamos certamente melhores resultados do que aqueles que hoje temos se a gestão em termos de transparência fosse outra, se a estratégia/prioridades também.

Um destes resultados seria termos o país socialmente mais equilibrado do ponto de vista do rendimento e das assimetrias sociais e regionais. Mas, para além da mancha de pobreza inicial não ter recuado, estamos a observar um empobrecimento de muita gente que já fazia parte da classe média.

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