Reginaldo
Silva – Rede Angola, opinião
Em
sã consciência e em nome daquele mínimo de honestidade intelectual que a
própria cidadania nos obriga, diante da nova paisagem que o país exibe ao fim
destes primeiros 14 anos de paz (definitiva), ninguém pode dizer que o Governo
ficou de braços cruzados “a ver a banda a passar cantando coisas de amor”.
Fez
sim senhora, fez muita coisa bem, mas também fez muita coisa mal, aliás, só não
erra, quem fica parado, só não é criticado quem não faz nada.
O
problema aqui, como em todo o lado, é sempre insistir no erro, sendo, contudo,
em Angola esta avaliação muito complexa por falta de um “tribunal arbitral
independente” que venha a ser aceite pelas partes que divergem na hora de se
identificar o que foi bem ou mal feito, ou ainda o que não foi feito e já devia
ter sido, para além de outras coisas.
Enfim,
como diria o outro, “este país me cansa”.
Ao
lado do Governo, é bom que se diga, muitos outros braços e muitas outras mãos
também foram à obra, também estão a fazer o país acontecer, também estão a
contribuir para que Angola venha a ser o mais rapidamente possível um país de
rendimento médio, deixando definitivamente para trás a sua actual
condição de PMA, isto é, de figurar na lista dos países mais atrasados do
mundo, onde permanece enquanto o seu processo está a ser revisto pelas Nações
Unidas.
Estas
pessoas fizeram-no muitas vezes em condições bastante adversas, para não
falarmos das outras que têm a ver com a desigualdade e com a
discriminação em matéria de oportunidades e de acessos por parte de quem tem a
faca e o queijo na mão, que devia ser apenas um árbitro, mas que passa a vida a
jogar.
E
o que mais desejamos, é que esta subida para o nível do rendimento médio não
fique apenas nas estatísticas, mas que efectivamente se transmita e de forma
inequívoca à realidade concreta da distribuição do PIB pelas nossas casas, onde
ainda mora demasiada pobreza que, pelos vistos e mais preocupante, se está a
agravar.
É
na avaliação desta realidade/tendência que está a grande maka que neste momento
“estamos com ela” e que acaba por ser o principal tópico de um inconclusivo
debate que prossegue dentro de momentos. Inconclusivo, antes de mais, porque
demasiado politizado/partidarizado, até nos areópagos tidos como mais
académicos, onde a preocupação de alguns dos seus protagonistas parece ser mais
a de “tapar o sol com a peneira”, do que propriamente de cruzar informações com
a realidade num contexto social que está a vista de todos.
Mesmo
que estivesse muito “à toa na vida”, o Governo de ontem que hoje virou “Poder
Executivo” e que tem apenas um “Titular” a quem se creditam apenas os méritos,
não poderia ter ficado somente a ver “a banda a passar”, na cómoda condição de
observador ou de analista.
Às
vezes assim parece que é, sobretudo, na hora de se assumirem algumas
responsabilidades que não podem ser diluídas ou repartidas por mais ninguém por
razões óbvias, com destaque para aquelas que são mais políticas.
Não
é esta a sua função, já que em todo o mundo do qual fazemos parte, governar é
sobretudo resolver problemas gerindo da melhor forma o erário disponível, mas
também é prever e antecipar, mas também é saber ouvir os outros, criando
sempre o melhor ambiente para a implementação das grandes políticas públicas.
No
caso vertente, estar “à toa na vida” seria não ter aquele mínimo de recursos
disponíveis para enfrentar e domar a “fera” herdada da longa e devastadora
guerra civil, o que, felizmente para todos nós, não foi o que aconteceu.
Como
todos sabemos, e para o bom desempenho de uma economia petrolífera, uma boa
parte destes 14 anos foram bafejados por uma conjuntura do mercado
internacional que nos foi bastante favorável, com alta do preço do barril então
verificada, que alavancou todo o crescimento económico que então se registou
pela casa dos dois dígitos.
Como
garantia, foi esta sortuda conjuntura, e não nenhum milagre ou outro gesto
qualquer de inspiração mais individual, que trouxe até nós o novo “amigo
chinês” com todos os seus biliões de dólares que têm vindo a financiar a obra
pública, mas não só.
Entretanto,
todos nós, com o Governo incluído, pela história do seu comportamento, também
já sabíamos que neste mercado, as “vacas” tanto podem engordar bastante como
também podem emagrecer a qualquer altura, que é o que o está a acontecer nos
últimos três anos, com todas as consequências já visíveis.
Por
razões que não se percebem muito bem, claramente aqui o Governo não esteve à
altura da sua responsabilidade previsional, embora nos garantisse no
discurso que os volumosos remanescentes então gerados pelos sucessivos superavits orçamentais,
estavam a ser cautelosamente geridos e aplicados na perspectiva desta
volatilidade.
Isto,
recorde-se, aconteceu mesmo depois de um dos mais famosos “Gurus” da economia
mundial, chamado Paul Colliers, ter em 2005/2006, por ocasião do 30º
aniversário da nossa Independência, alertado expressamente a classe política no
poder, e por tabela todos nós, para alguns cenários possíveis que dentro de 30
anos nos podiam colocar ou na caótica situação da Nigéria ou na condição
muito mais folgada da Malásia, que é um dos conhecidos “tigres
asiáticos”, pelos fulgurantes resultados sócio-ecnómicos que o seu crescimento
tem sabido oferecer aos malaios e à economia global.
Os
dois países, apontou Colliers, “começaram, mais ou menos, onde Angola está a
começar hoje e trinta anos depois não poderia ser diferente. As escolhas de
hoje determinarão qual das duas vias o país seguirá”.
Estes
dois exemplos, pontualizou o preclaro académico inglês, “ilustram um fenómeno
mais geral. Tanto os períodos pós-conflito como os de boom do
petróleo são momentos, em que as escolhas de políticas são muito mais
importantes e variadas do que em situações normais.”
Para
o renomado professor/investigador universitário, “algumas sociedades acertam
enquanto outras falham, e as consequências são espectaculares. As escolhas que
serão feitas nos próximos anos moldarão a sociedade para as décadas futuras,
para o bem ou para o mal.”
Lamentavelmente,
profetizou há 10 anos Paul Colliers, “a opção implícita é a de que Angola
seguirá o exemplo da Nigéria. Lagos é actualmente a melhor visão de Luanda em
2036. Isto porque existem fortes forças políticas e económicas que conduzem a
sociedade para este rumo”.
Como
nos faltam cerca 20 anos até chegar lá, gostaríamos de acreditar que
ainda é possível contrariarmos esta “maldição” lançada por Paul Colliers e que
é sustentada por um conjunto de sólidas informações e pertinentes considerações
que podem ser consultadas a qualquer momento nesta sua “aula de sapiência” que
tem por título “Angola:
Opções para a Prosperidade/Maio 2006”.
Por
ocasião destes 14 anos de paz, em jeito de balanço e conforme já referido no
inicio, há que dizê-lo aqui e com todas as letras, que também muita coisa foi
muito mal feita, que muitas decisões estratégicas foram tomadas de forma
errada, que muito dinheiro público foi atirado para o ralo em apostas de
duvidosa consistência, sem falar daquele que desapareceu “misteriosamente” e
até hoje alimenta as mais diferentes especulações internas e externas sobre a
própria ética da governação ou de quem nos governa.
Entre
estas coisas que foram mal feitas, a qualidade dos projectos e a sua deficiente
fiscalização anteciparam para os observadores mais atentos e conhecedores da
matéria alguns resultados desastrosos que hoje estão aí à vista de todos.
Estava na cara.
Falamos
das estradas, certamente, mas há muito mais para apontar na hora de fazer um
levantamento mais sério e exaustivo de todo o investimento público realizado,
cujos montantes financeiros se adivinham colossais em contraste com os seus
raquíticos resultados sociais mais globais à escala nacional.
Não
podemos falar destes 14 anos de paz sem colocar na balança tudo o que foi
feito, particularmente com o dinheiro que é público e que o Executivo tem
apenas a responsabilidade de gerir e bem, que é o que as evidências não
confirmam.
Perfeitamente
de acordo com a impossibilidade de em 14 anos se resolverem todos os problemas
herdados de mais de três décadas de devastadora guerra civil.
Convencidos
estamos, por outro lado, que com todo o dinheiro já empregue teríamos
certamente melhores resultados do que aqueles que hoje temos se a gestão em
termos de transparência fosse outra, se a estratégia/prioridades também.
Um
destes resultados seria termos o país socialmente mais equilibrado do ponto de
vista do rendimento e das assimetrias sociais e regionais. Mas, para além da
mancha de pobreza inicial não ter recuado, estamos a observar um empobrecimento
de muita gente que já fazia parte da classe média.
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