Leston
Bandeira – África Monitor, opinião
Porque
Angola só vai ter uma economia a sério quando for um país bem governado. E a
boa governação faz-se da liberdade de pensamento e expressão e implica a
aceitação da discordância. Porque a diversificação tem de vir lado a lado com a
diversidade. Porque nem todos podemos concordar ou aceitar desvio de dinheiros
públicos para benefício de elites num país por reconstruir, onde a fome atinge
mais de 70 por cento da população
Angola
pediu hoje formalmente apoio financeiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI),
uma instituição que no passado já questionou o país devido aos desvios do
dinheiro dos petróleos. Desta vez, que irá o FMI encontrar nas contas do regime
do MPLA? E até onde irão as exigências do fundo em termos de transparência das
contas e bom uso dos dinheiros públicos?
Os
anos do “boom” da indústria petrolífera trouxeram classe de novos ricos, com os
seus carros de luxo, casamentos caros e viagens de compras para Europa e
Estados Unidos. Luanda passou a ser conhecida como a cidade mais cara do mundo
para expatriados. Apesar de alguns investimentos na economia local, a quebra de
preços de petróleo em 2014 apanha o país totalmente desprevenido. As receitas e
as divisas começaram a escassear e os “kinguilas” (cambistas) voltam às ruas de
Luanda, lembrando o passado da guerra. Os bancos deixaram de emitir cartões de
crédito para uso no exterior. É sobretudo este segundo país que o FMI vai
encontrar.
A
questão que cada vez mais se ouve é como pode um país que encaixou quase 500
mil milhões de dólares nos últimos anos estar a restringir importações para
poupar divisas? Para onde foi o dinheiro?
"O
sentimento geral em Angola é que o dinheiro do petróleo ou foi mal gasto ou foi
gasto no estrangeiro, e que muito pouco contribuiu para criar postos de
trabalho ou para o desenvolvimento de comunidades locais ", afirmava recentemente
a antropóloga social Cristina Udelsmann Rodrigues, num artigo para o Instituto
Africano Nórdico.
A
falta de transparência das contas públicas angolanas e o desaparecimento de
fundos do petróleo foi sempre o grande ponto contencioso com o FMI. Em
avaliações às contabilidadepública, em 2002, o Fundo chegou a dizer que tinham
desaparecido 1.000 milhões de dólares dos cofres no ano anterior. E que, desde
1998, tinham desaparecido cerca de 4.000 milhões.
Já
em 2011, foram denunciados pelo FMI desvios da Sonangol para contas no
estrangeiro de 7,1 milhões de dóilares. Na sequência de todas estas denúncias,
a ONG Human Rights Watch exigia ao governo angolano que explicasse onde estavam
os 25 mil milhões de dólares em falta nos cofres do Estado.
A
braços com uma crise sem precedentes – dois anos de receitas petrolíferas muito
abaixo do que aquilo com que o regime se habituou a viver – Angola volta a cair
nos braços do FMI. Pediu hoje formalmente ajuda. A duração da crise e os sinais
de falta de fundos já o faziam adivinhar.
O
Ministério angolano das Finanças argumenta com a necessidade de aplicar
políticas macroeconómicas e reformas estruturais que diversifiquem a economia.
Mas, no seu comunicado, sublinha-se a última parte: responder “às necessidades
financeiras do país”. O governo de Luanda está sem dinheiro para pagar salários
e reformas; já há muitos generais, daqueles a quem ela faz falta, que não
recebem há mais de dois meses; daqueles que não acumularam capital.
Será
que o regime percebeu realmente – e finalmente – a necessidade de ter
agricultura, serviços, etc, em vez de apenas petróleo? Ou isso é secundário,
face à necessidade de dinheiro fresco?
O
que é facto é que a diversificação podia estar feita há muito. O dinheiro do
petróleo criou excedentes – dos tais quase 500 mil milhões – que poderiam ter
desenvolvido um país onde a igualdade de oportunidades seria o seu princípio
fundador. Onde houvesse condições normais de vida, naturalmente e sobretudo das
populações rurais, neste momento e, praticamente, desde a Independência,
abandonadas à sua sorte.
O
que é facto é que o governo do MPLA está sem dinheiro para acudir à situação
miserável da Saúde, da Educação, sem dinheiro par apoiar a reconstrução de
estradas e reestruturar cidades e vilas. No Lubango, por exemplo, todas as ruas
são apenas buracos.
A
propósito da recente prisão de 17 jovens, acusados de lerem um livro e atirados
para as piores prisões de Luanda, o poder angolano atirou-se a toda a gente,
por todas as vias, reclamando a sua condição de estado independente e livre
(para fazer a justiça que o “chefe” quer). Mas os Estados Unidos, que também
criticaram a sentença, não foram uma única vez visados. Porquê? A resposta está
aí. É Washington que mais pesa as decisões do FMI e, portanto, o melhor foi não
incomodar os antigos “imperialistas”.
Neste
ponto, e dada a carência absoluta de dinheiro nos cofres de Angola, seria
razoável que os EUA recomendassem ao FMI um olhar para além de transparência na
utilização das finanças públicas. Que, no programa que vai ser negociado a
partir da próxima semana, exigissem medidas não só financeiras, mas também no
sentido de uma Justiça livre, direitos de cidadania efectivos e transparência a
todos os níveis.
Porque
Angola só vai ter uma economia a sério quando for um país bem governado. E a
boa governação faz-se da liberdade de pensamento e expressão e implica a
aceitação da discordância. Porque a diversificação tem de vir lado a lado com a
diversidade. Porque nem todos podemos concordar ou aceitar desvio de dinheiros
públicos para benefício de elites num país por reconstruir, onde a fome atinge
mais de 70 por cento da população.
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