Martinho Júnior, Luanda
O
cessar dos combates em Angola ocorreu há 14 anos, num país com 40 anos de
independência e onde foi necessário travarem-se as justas lutas contra o
colonialismo e o “apartheid” no âmbito da Luta de Libertação em
África.
O
momento do fim do “apartheid” na África do Sul, garantindo as
independências da Namíbia e do Zimbabwe com processos mais ou menos
atribulados, coincidiu praticamente com o fim do Pacto de Varsóvia e do bloco
socialista do leste europeu, assim como com a implosão da URSS, o que não foi
por acaso.
De
facto a hegemonia unipolar tutora da globalização capitalista neoliberal,
iniciada ao nível das grandes potências nos Estados Unidos com a administração
republicana de Ronald Reagan e na Grã-Bretanha com Margaret Thatcher, ficou de “mãos
livres” para explorar o êxito, impondo suas“correias de transmissão” neoconservadoras, alienantes e sob os auspícios dos falcões liberais, a tal ponto
que nem as administrações democratas (nos Estados Unidos) se puderam esquivar
desse “diktat”.
O
continente africano começou a ter sintomas do desamparo em que caiu e os
Grandes Lagos e o Zaíre (República Democrática do Congo), tal como Angola,
sentiram na carne dos seus povos o choque sangrento da guerra neoliberal.
O
Ruanda e os Kivus experimentaram mesmo o terror do holocausto, em pleno
exercício da administração do democrata Bill Clinton!...
Em
Angola foi Savimbi que assumiu por inteiro o choque neo liberal entre 1992 e
2002,“somalizando” ao ponto de levar a guerra às cidades, por que nem o
enfraquecimento dos instrumentos de poder do estado angolano (fragilização da
Segurança do Estado e fim das FAPLA), nem o fim do Partido do Trabalho em que
se havia constituído o MPLA, demoveu a ele e aos seus tutores da opção pela
guerra.
Savimbi
aliás, para executar o choque neo liberal sob encomenda neoconservadora e dos
falcões liberais, tirou mesmo partido do exacto momento das transformações do
MPLA e do próprio estado angolano, tão débeis passaram a ser as respostas em
relação sobretudo aos diamantes, que ele haveria de procurar a todo o transe
monopolizar enquanto “diamantes de sangue”.
Fez
em Março trinta anos que foi fragilizada a Segurança do Estado, com a detenção
daqueles que garantiam políticas de rigor no exercício do estado angolano e
davam simultaneamente luta ao tráfico ilegal de diamantes…
Foi
a partir do sector de petróleo que o estado angolano alicerçou sua capacidade
de resposta e para isso contou com a flexibilização deliberada dos Estados Unidos,
tirando partido das multinacionais petroleiras presentes em Angola e dos seus
associados.
Perdida
a vanguarda enquadrada no MPLA, um MPLA visando a social-democracia e com
características de “partido de massas” seguiu-se-lhe ao mesmo tempo
que o capitalismo neo liberal procurava provocar em Angola uma apetecível “open
society” num processo que se estende até aos nossos dias e visível nos
acontecimentos sócio-políticos, económicos e financeiros correntes.
No
final do choque provocado com a instrumentalização de Savimbi, a hegemonia
unipolar, utilizando a esteira do sector do petróleo que era (e ainda é) tão
essencial a Angola, desencadeou a partir de 2002 a terapia de choque neoliberal, com impactos em múltiplos sectores da vida do país e com vista a
garantir subtis formas de ingerência e manipulação.
À
tese ocupada pelo MPLA e o estado angolano, a manipulação no âmbito da terapia
neo liberal expande uma antítese gerada numa difusa oposição com “geometria
variável”, pouco se importando para a necessidade de paz a fim de que Angola
possa fazer vingar uma cultura de luta contra o subdesenvolvimento, com
equilíbrio e justiça social.
O
próprio Comando África do Pentágono foi lançado uma altura em que a cessação
das hostilidades já havia ocorrido há 5 anos em Angola (2007) e quando o estado
angolano iniciava um conjunto de dispositivos que visavam a extensão de
políticas de paz em África.
O
AFRICOM “preparado em laboratório” foi constituído com componentes
civis e militares, para que tivesse desde logo um leque mais abrangente de
subtis opções de ingerência e manipulação.
O
fim da época do “petróleo para o desenvolvimento”, conforme à
administração republicana do texano George W. Bush e o início da época do “petróleo
enquanto excremento do diabo” já com a administração do democrata Barack
Hussein Obama, permitiu no início da segunda década do século XXI, o choque das “primaveras
árabes”, do assassinato de Kadafi e da proliferação do terrorismo em África
sobretudo a norte do Equador e, ao mesmo tempo, o delineamento da“terapia de
choque” particularmente em relação à Nigéria, como a Angola, os maiores
produtores de petróleo a sul do Sahara.
A
crise em curso espelha-se de forma mais evidente em Angola, tornando possível
aos menos avisados por via da corrente crise, sentirem a armadilha que se
distende em África, abrindo espaço ao neo colonialismo e ao saque.
A
cultura de paz em Angola deve corresponder com inteligência e clarividência
perante tais desafios, por que agora se torna imperativo optar uma vez mais
pela independência, pela soberania e pela emergência justa do país nos
relacionamentos internacionais.
Até
que ponto um MPLA social-democrata e um estado que tem sido tão permissivo, tão “aberto” à
terapia neoliberal vão poder resistir, é algo que está em balanço, por que as
ingerências e as manipulações, inclusive aquelas que providenciam, potenciam e
estimulam agentes “intestinos”estão aí com seu cortejo de projectos
alienantes, de misérias, de desequilíbrios e até de morte (é só constatar o que
continua a acontecer no quadro da saúde em Angola).
Só
um estado angolano capaz de recuperar o rigor dos tempos do Partido do Trabalho
poderá ser capaz de alguma resposta, algo que pode passar ao lado das
fragilidades sociais-democratas do MPLA de massas que tantas “aberturas” (e
descaracterizações) providenciou no que à doutrina, à ideologia à organização e
à disciplina diz respeito.
Foto:
O Presidente José Eduardo dos Santos e Lúcio Lara, duas evocações históricas
que são indispensáveis para que o estado angolano possa recuperar a capacidade
de rigor possível que leve a aprofundar e estimular a cultura de paz num
exercício saudável de independência e soberania face aos impactos e riscos
próprios do capitalismo neoliberal que impendem sobre Angola.
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