Rui Peralta,
Luanda
As
negociações, politicas e técnicas, entre o Cairo e Adis Abeba sobre a gestão
conjunta das águas e recursos do rio Nilo mantêm-se paralisadas, devido á
insistência etíope de prosseguir com a construção da barragem Renaissance, algo
que o Egipto considera uma ameaça aos seus interesses no Nilo. Isto obriga os
egípcios a procurar outros parceiros do Nilo, sendo o Congo Democrático (RDC)
um aliado estratégico do Egipto desde o início da disputa com a Etiópia.
Em
Fevereiro, o primeiro-ministro da RDC, Augustin Matata Ponyo, visitou o Cairo,
por três dias, chefiando uma delegação que incluiu os ministros da energia,
água e industria. Ponyo, o primeiro-ministro egípcio, Sherif Ismail, e o
presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, efectuaram encontros e prolongadas
reuniões, que culminaram com a assinatura de um memorando de entendimento entre
ambos os Estados, em torno do projecto da barragem de Inga.
Numa
conferência de imprensa os dois primeiros-ministros anunciaram que o Egipto
participaria nas fases 3 e 4 da construção da barragem de Inga. O Egipto
prestará assistência técnica, tecnológica e financeira para a construção da
barragem. Nas palavras do ministro egípcio para a Electricidade e Energia,
Mohamed Shaker, o Egipto “beneficiará da interconexão da rede eléctrica entre a
África do Sul e o Norte de África”. O Egipto concederá 10 milhões de USD á RDC,
para a execução de 6 projectos, incluindo os estudos de design, além da
formação dos trabalhadores e será o “responsável pela coordenação e
implementação de todos os projectos de cooperação, assinados em torno da
barragem de Inga”, segundo Hossam Maghazi, ministro egípcio da Irrigação e
Recursos Hidráulicos.
A
barragem fica localizada no Rio Congo, a 140 milhas (225 Km) a sudoeste da
capital da RDC, Kinshasa e será um dos maiores projectos hidroeléctricos do
continente africano, gerando 40 mil megawatts de electricidade. O custo final
estimado ronda os 80 mil milhões de USD. O ministro congolês da Energia e
Águas, Matadi Gamanda referiu que a “construção da barragem comporta imensos
desafios (…) e que com Egipto esses desafios serão superados com êxito. (…)
Decidimos competir com a Etiópia em termos de produção de electricidade (…) a
barragem de Inga produzirá muito mais energia eléctrica e não pode ser
comparada ao projecto etíope da barragem Renaissance (…) A posição da RDC nesta
disputa é simples e explícita: nunca iremos assinar quaisquer acordos contrários
aos interesses egípcios”.
Os
interesses do Egipto na RDC não se limitam á barragem de Inga. Nos últimos três
anos os egípcios apresentaram diversas propostas sobre gestão de recursos
fluviais, alicerçadas num tecnicamente controverso projecto sobre a ligação do
rio Nilo ao rio Congo. Este projecto nasce como resposta a diversos factores:
1) necessidade do Egipto em aumentar o seu consumo de água por habitante (660
metros cúbicos por habitante, um dos mais baixos do mundo e que não é
suficiente para satisfazer e suportar o crescente demográfico egípcio nos
próximos 50 anos, que se prevê duplique o numero de habitantes); 2) reacção ao
projecto etíope da barragem Renaissance; 3) resposta ao Acordo de Entebe sobre
a Bacia do Nilo, assinado pela Etiópia, Quénia, Uganda, Tanzânia, Ruanda e
Burundi (e aqui a RDC constitui, simultaneamente, uma aliado e um mediador, que
permitirá ao Egipto a possibilidade de renegociar o Acordo com alguns dos seus
signatários).
O
Cairo vê no relacionamento privilegiado e estratégico com Kinshasa um
importante passo para o fortalecimento da presença egípcia na região dos
Grandes Lagos, passo essencial para as pretensões egípcias. A RDC é um
consistente suporte para o Egipto. Efectivamente, a RDC recusou assinar o
Acordo de Entebe sobre a Bacia do Nilo (ao contrário do Burundi, que em 2011
mudou de posição) e apoia as posições egípcias no diferendo com a Etiópia sobre
a barragem Renaissance. Por outro lado o Egipto tenta compensar, através da
RDC, a insipida coordenação até agora obtida com um outro aliado, na questão
dos recursos do Nilo, o Sudão. O projecto de Inga constitui uma forte pressão
sobre a Etiópia, que pretende ser o grande fornecedor de energia de África,
pressão política, mas também económica, uma vez que constitui uma alternativa
mais segura e de menor custo.
A
posição egípcia é a de gerir a situação, de forma a ganhar aliados na região,
assegurando os seus interesses na questão da água. O desafio desta posição é se
o Egipto conseguirá conjugar os seus interesses com os dos seus aliados
(presentes e futuros) que aspiram ao desenvolvimento. É desta conjugação de
interesses que depende o êxito da política egípcia na questão da água. É dos
resultados práticos e do que estes projectos podem representar para o
desenvolvimento destes países - através de políticas de coordenação e de
cooperação de interesses e não das promessas e das visitas oficiais - que o
Egipto poderá realizar a efectivação dos seus interesses.
Mas,
enquanto as relações com a RDC se fortalecem, as relações com o Sudão (um dos
aliados do Egipto nesta questão) atravessam um momento de turbulência. Uma das
causas do mal-estar existente entre os dois países é o Triângulo de
Halayeb-Shalateen, um território com cerca de 13 mil quilómetros quadrados,
localizado na fronteira com o Sudão, a sul do Egipto. Este território é
revindicado pelo Sudão, embora, nas palavras do presidente sudanês Omar
al-Bashir, o Sudão não tenha intenções de “ir para a guerra por isto” e opte
pela via negocial. Entretanto o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi
afirmou, durante uma entrevista á TV egípcia, logo após ter ganho as eleições,
que “ o triângulo de Halayeb-Shalateen é parte do território egípcio e
apelamos ao Sudão que não entre em conflito connosco”. Por outro lado, pela
primeira vez na história parlamentar egípcia, a região elegeu um deputado,
Mamdouh Amara.
Esta
região faz face a diversos problemas, principalmente nas áreas da saúde pública
e da educação. O governo egípcio alocou cerca de 11,2 milhões de USD na
política de saúde, restruturando o hospital e estabelecendo novos departamentos
médicos, mas os médicos recusam-se a trabalhar na região, devido á falta de
condições. O mesmo se passa com os professores e o governo iniciou uma política
de incentivos que se tornem atraentes para os médicos e professores
estabelecerem-se na região. O governo central anunciou recentemente que planeia
investir mais 86 milhões de USD em infra-estruturas administrativas,
rodoviárias, aeroportuárias, abastecimento de água e energéticas (está em curso
a construção de uma central solar).
Contudo
o problema principal reside nos recursos humanos. As populações da região,
através do seu representante parlamentar, efectuaram um apelo ao governo para a
instalação de um pólo universitário. Muitos estudantes terminam o ensino
secundário e depois não prosseguem os estudos. Alguns optam pela formação
profissional, mas as opções não são muitas. Como resultado a região fica sem
quadros superiores e com poucos quadros médios, dificultando ainda mais o seu desenvolvimento
e encarecendo as despesas com quadros vindos do Cairo e de outras províncias
egípcias.
Mas
é noutra região fronteiriça, Sinai, que muitas das atenções se concentram. O
Daesh desenvolve aqui uma intensa actividade e o exército egípcio desencadeou
uma série de operações no território (em alguns casos em cooperação com as
forças israelitas) que obrigaram o Daesh a alterar as suas tácticas, passando a
atacar alvos civis, perante a dificuldade em atacar alvos militares.
A
Wilayat Sinai (WS) é a afiliada do Daesh, na península do Sinai. Um dos seus
maiores ataques foi, no ano passado, ao posto de controlo militar em Sheikh
Zuweid que provocou a morte de 17 militares egípcios. Hoje a organização,
perante as dificuldades que sente no terreno, está praticamente impossibilitada
de atacar as forças egípcias. Os alvos civis e a vida económica tornaram-se
alvos da WS, que com esta alteração pretende, também (além de constituir um
aviso á população civil para não colaborar com as autoridades), adquirir maior
visibilidade, o que lhe pode ser vantajoso em termos de suportes financeiros.
Em
2015 as estatísticas confirmam que as organizações terroristas que actuam no
Egipto tornaram-se mais agressivas. O número de atentados subiu de 349 em 2014,
para 617, em 2015, de acordo com o índice de estabilidade do Centro Regional de
Estudos Estratégicos, no Cairo. Segundo esta mesma fonte, no Sinai, o número de
ataques terroristas subiu para 90, em 2015. Mas nem tudo é mau. Os detalhes do
índice confirmem que existiu uma quebra na actividade terrorista após os
ataques de Sheikh Zuweid. O número total de ataques terrorista e atentados no
Egipto, no segundo semestre de 2015 foram de 64, contra 170 no mesmo período de
2014. Este declínio de actividade está reflectido no Sinai, que representa 15%
do total de acções terroristas em 2015.
A
alteração táctica da WS reflecte esta realidade. No passado dia 1 de Março a WS
revindicou a decapitação de um cidadão egípcio e o fuzilamento do seu filho,
por colaborarem com o exército e com as forças de segurança egípcias. O grupo
rapta homens de negócios e intimida trabalhadores. Em Dezembro último fez
circular um panfleto, ameaçando de morte os condutores de ambulâncias, se estes
transportarem militares ou agentes de segurança feridos, para os hospitais. Em
Outubro e Novembro do ano passado o WS desviou ambulâncias e atacou um posto de
saúde em el-Arish. Destruiu,também, um posto de saúde em
Sheikh Zuweid.
O
presidente egípcio anunciou recentemente um plano de desenvolvimento do Sinai,
orçamentado numa primeira fase em um milhão e 280 mil USD. Com este plano o
governo egípcio, além de apostar no desenvolvimento económico da região
fronteiriça com Israel, espera delimitar a actividade terrorista na região.
Um
outro problema do Egipto é o relacionamento com a Arábia Saudita. No dia 8 de
Fevereiro os sauditas e os Emiratos Árabes Unidos (EAU) anunciaram a preparação
para o envio de forças militares para a Síria, com o objectivo de reforçar a
coligação internacional liderada pelos USA. Este anúncio criou mal-estar no
Cairo. A 10 de Fevereiro o primeiro-ministro egípcio, Shariff Ismail; cancelou
a sua visita a Riade. A visita tinha como objectivo a finalização do acordo
sobre a criação do Conselho para a Coordenação Egipto-Arábia Saudita, que numa
primeira fase permitiria o investimento saudita no Egipto de 8 mil milhões de
USD. O acordo incluía cláusulas sobre as reservas egípcias de petróleo e sobre
o tráfico marítimo saudita no Canal do Suez, além de questões relacionadas com
a cooperação militar entre ambos os Estados e a criação de uma força militar
conjunta.
O
Egipto necessita de assegurar as suas reservas petrolíferas de forma a
satisfazer as suas necessidades de consumo para os próximos cinco anos
(estimada em 5 milhões de barris por ano). Por outro lado o investimento
saudita em diversos sectores da economia egípcia (como o turismo, sistema
bancário e agricultura) é também importante para o país. O acordo beneficiaria,
sem dúvida o Egipto, mas a 16 de Fevereiro o ministro do negócios estrangeiros
egípcio, Sameh Shoukry, afirmou que a decisão da Arábia Saudita e dos EAU de
enviarem forças militares para a Síria, no âmbito da Aliança Militar Islâmica
para o Combate ao Terrorismo (liderada pelos sauditas) que engloba 34 Estados,
é contrária á decisão egípcia. O Egipto está disposto a suportar uma solução
politica para a Síria, mas não uma solução militar.
Ambos
os Estados consideram que este diferendo de opiniões não afectam o seu
relacionamento, mas os factos não parecem confirmar esta afirmação de
intenções. Os sauditas são muito sensíveis a qualquer visão politica regional
que não esteja de acordo com a sua. A recente suspensão de ajuda financeira ao
Líbano é uma confirmação desta sensibilidade saudita. Para o Cairo os acordos
de cooperação militar e a sua participação nas alianças militares lideradas
pelos sauditas são uma forma de obter ajuda financeira que lhe permitirá
solucionar algumas questões económicas internas. Na Guerra do Golfo o Egipto
(sob a administração Mubarak) arrecadou 100 mil milhões de USD, em suporte pela
sua posição na guerra, favorável aos aliados, tendo os sauditas financiado 10%
dessa verba (10 mil milhões de USD), além de cancelado os débitos egípcios,
consequência de anteriores empréstimos sauditas.
Durante
o ano passado o Egipto por diversas vezes realçou a sua objecção a intervenções
militares externas e em Abril de 2015 o presidente Sisi afirmou que “as
Forças Armadas do Egipto são apenas para o Egipto”. No mesmo mês foi autorizada
uma manifestação de protesto, no Cairo, frente á Embaixada da Arábia Saudita,
contra a intervenção saudita no Iémen e o governo egípcio recebeu uma delegação
representativa do ex-presidente iemenita Ali Abdullah Saleh. Como consequência
os sauditas excluíram o Egipto de estar presente nos encontros entre as facções
iemenitas, realizadas antes das negociações de Genebra, em Junho.
Apesar
deste mau ambiente a coordenação militar entre ambos os países continua, assim
como continuam abertos imensos canais e corredores entre o Cairo e Riade. O
Egipto participou nas manobras militares Trovão do Norte, na Arábia Saudita,
apesar de anteriormente ter manifestado a sua opinião acerca da Síria. As
politicas sauditas de coordenação e aliança com o Egipto, têm como principal
objectivo o fortalecimento da coligação sunita na região, para fazer frente ao
Irão, o inimigo numero 1 dos sauditas. O Cairo aceita participar nesta
coligação, mas de forma muito independente (mantém relações com o Irão e com
grande parte dos inimigos da coligação, além de manter uma posição hostil para
com a Turquia, o principal aliado dos sauditas, na região, e um dos alicerces
da coligação sunita contra o Irão.
Muitas
questões mantêm-se em aberto sobre a mesa. De nada servirá á Arábia Saudita
usar pressões e ameaçar com o corte na ajuda (como aconteceu com o Líbano). O
Egipto nunca adoptará uma posição clara neste - e em outros - relacionamentos).
Para o Egipto não existem soluções militares, nos casos sírio e iemenita, mas,
sim, soluções politicas. Já demonstrou que está aberto a aprofundar relações
com o Irão e surge como uma eventual ponte (ou, pelo menos, como um tabuleiro
da ponte) entre Teerão e Riade.
E
existe ainda uma outra vertente na politica externa egípcia: África. É que – e
muitos o esquecem, até os africanos - o Egipto é um país africano, que faz a
ponte com o médio-oriente (uma ponte física e cultural, não só através da
geografia mas, também, através da história). E querem maior prova de
africanidade do que o Nilo?
Fontes
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Slavin,
B. The battle to defund Islamic State http://www.al-monitor.com
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