quinta-feira, 7 de abril de 2016

O QUE FAZER COM A INDIGNAÇÃO? UM DIA VAMOS ÀS PORRAS!




Devia ser Expresso Curto com o Bom Dia da praxe - como habitualmente aqui no PG. Mas não é, sendo. A diferença é num Boa Tarde (e a más horas) por cumprimento. Valdemar Cruz, jornalista do Expresso, escreveu horas atrás Bom Dia, suprimimos isso. O texto dele é que não achamos nada que deva ser ignorado. Aqui, a seguir, poderá avaliar o porquê desta opinião. 

Para já, Valdemar, atira-nos com algo que bem conhecemos e muitas vezes parece que nem sabemos como lidar com aquilo. A indignação. É um direito que nos assiste mas a que os políticos, os dos poderes económicos e financeiros, e outros poderes – salafrários em grande quantidade – ignoram. Só deixam de ignorar quando o copo cheio transborda e a revolução os atinge. É aí que clamam serem vítimas de injustiças. É aí que acontecem excessos equivalentes aos que os desses poderes praticaram durante décadas ao relegarem para a exploração, para a miséria, para a fome, aqueles a quem, se necessário às suas ganâncias, roubaram vidas e não só sangue, suor e lágrimas. Todos os dias assistimos à sanha desses poderes a vitimar os povos, os trabalhadores, os homens, as mulheres, os jovens, as crianças… E no entanto vimo-los nas televisões sorridentes, alegando-se democratas, humanistas e todo o tipo de chavões de qualidades que não possuem. Dos seus dizeres às práticas a gota não condiz com a perdigota. São um logro.

Indignação. É disso que se trata no texto de Valdemar, jornalista indignado. Pergunta ele “O que fazer com esta indignação?” Pergunta, mas ele sabe muito bem a resposta. Um dia vamos às porras com essa cambada de salafrários, de gananciosos, de ladrões a soldo da indiferença pelos males que causam à humanidade. É isso, um dia vamos às porras! (MM / PG)

Que fazer com esta indignação?

Valdemar Cruz - Expresso

"Indignai-vos". Com este título dado em 2010 a a um pequeno livro, Stéphane Hessel, então com 93 anos, herói da Resistênciafrancesa, sobrevivente dos campos de concentração nazis e um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, agitava as mornas águas europeias e criava um fenómeno editorial. O objetivo era mostrar como ele próprio, não obstante tudo por quanto já passara, continuava a ter motivos para rejeitar a resignação e a indignar-se. Fosse pelo cada vez maior fosso entre ricos e pobres, o desrespeito pelos emigrantes ou a submissão acéfala aos mercados financeiros.

Hessel morreu em 2013, mas motivos da sua indignação persistem cada vez mais vivos. É o negócio da União Europeia com a Turquia para despachar refugiados. É o plano do FMI para fazer quebrar a Grécia. E é, claro, o terramoto provocado pelos Papéis do Panamá. Todos os dias há notícias novas e agora chegam informações sobre o envolvimento de alguma elite chinesa, com familiares de altos dirigentes a serem acusados de possuírem empresas offshore secretas.

Face ao perigo de saturação noticiosa, acentuado pela opção por divulgar a informação gota a gota, começa a impor-se o real receio de, após o dilúvio noticioso regressar a bonança de sempre. Até novo dilúvio vir agitar consciências - pese embora as pias promessas e apelos à mudança de atitude - para no final tudo ficar como estava.

Senão vejamos, sem nenhuma preocupação de ser exaustivo:

Em dezembro de 2014 David Cameron afirmou que a corrupção "era o cancro no coração de grande parte dos problemas do mundo" e prometeu medidas para aumentar a transparência dos negócios no Reino Unido. A pergunta: mudou algo num mundo onde a City de Londres aparece integrada num circuito virtuoso no qual se incluem o Panamá, as ilhas Virgens e outros paraísos fiscais?

Já em 2013 o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI), o mesmo que agora faz o notável trabalho de divulgação dos Papéis do Panamá, publicou as "OffshoreLeaks" com os dados de perto de 100 mil contas "offshore" de pessoas tão distintas como fugitivos à justiça, traficantes de droga, ou gente tão recomendável como Inne Marcos, filha de Ferdinando Marcos, antigo presidente das Filipinas, ou Bidzina Ivanishvill, ex-primeiro-ministro da Geórgia. Sobre este tema pode baixar aqui, na íntegra e gratuíto, o livro "Secrecy for Sale – Inside the global offshore money maze", editado pelo CIJI.

Enquanto presidente da Comissão Europeia, e na sequência das "Offshore Leaks", Durão Barroso escreveu uma célebre carta aos chefes de Estado antes de uma cimeira a pedir que fossemaceleradas as iniciativas para combater a fraude e a evasão fiscal, bem como a elaboração de uma lista europeia de paraísos fiscais. A pergunta: o que mudou?

A União Europeia possui um impressionante manancial de legislação (reforçada com o tratado de Lisboa) e relatórios sobre a corrupção e a evasão fiscal. Sabe-se, a partir desses documentos, que a fraude fiscal deverá equivaler a 1 milhão de milhões de euros na União Europeia, ou seja, 2.000 euros por cidadão. Sabe-se que a corrupção afeta, de uma forma ou outra, todos os Estados membros e custa mais de 120 mil milhões de euros por ano à economia da União. E depois?

Sabe-se que estas perdas "representam um perigo para a salvaguarda da economia social de mercado da U E assente em serviços públicos de qualidade" e facilita lucros socialmente lesivos, "o que conduz ao aumento das desigualdades". E então?

Um relatório de 2013 assinalava já que países abrangidos pelos programas da Troika, "assistiram à partida de muitas das suas grandes empresas para beneficiarem de vantagens fiscais oferecidas por outros países". Só na Grécia, desde o início de 2012, "não menos de 60 mil milhões de euros foram transferidos do país para bancos suíços". O que foi feito?

A cultura do segredo fiscal é antidemocrática, mas temos visto como o poder não mexe um dedo para extinguir de facto os paraísos fiscais. Temos visto nas últimas décadas os países, mesmo da UE, entrarem em competição para ver quem reduz mais impostos às empresas e aos mais ricos, enquanto os apoios sociais são sistematicamente reduzidos e diabolizados. Os Papeis do Panamá apenas acentuam as contradições contidas no sistema que gera esta realidade da qual resulta a subtração de biliões de euros de impostos sonegados aos países e às comunidades.

OUTRAS NOTÍCIAS

Há emigrantes portugueses que se veem na necessidade de traficar diamantes para trazer salários de angola, titula o JN.

Mario Draghi participa hoje no primeiro Conselho de Estado convocado para as 15h de hoje pelo novo presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Algumas das novidades na composição deste órgão de consulta do PR passam pela presença de Eduardo Lourenço, Francisco Louçã, Adriano Moreira ou Domingos Abrantes, para lá de Cavaco Silva, agora sentado noutra cadeira. O Bloco de Esquerda vai organizar uma receção alternativa a Draghi.

Quer saber quem são os novos "donos disto tudo"? A pergunta tem algo de irónico e abre a reportagem "Geração Strartup", de Alexandra Correia, inserida na Visão de hoje. O "ecosistema" que rodeia as "startups" está a fervilhar e o Governo anda com as tecnológicas na ponta da língua, lê-se no texto cuja leitura permitirá perceber muito do que de inovador está a acontecer no nosso jovem mundo empresarial.

O Ministério das Finanças está a cativar receitas dos orçamentos das universidades e institutos politécnicos. Estas instituições vão ficar com menos €57 milhões face ao que fora inscrito no Orçamento de Estado para 2016. A parte mais relevante deste corte (€44 milhões] atinge as universidades.

Chegou às lojas uma reedição de Nos Mares do Fim do Mundo, de Bernardo Santareno (1920-1980), com chancela da E-Primatur. O livro inclui textos e fotografias inéditas, o que acrescenta valor a uma obra que hoje se encontra em fragmentos de acesso livre na internet.

Lá fora

Angola pediu ajuda ao FMI. Luanda não resistiu à acentuada queda dos preços do petróleo nos mercados internacionais e esbarra na circunstância de manter uma economia demasiado dependente do chamado ouro negro.

No Hospital Prisão S. Paulo, em Luanda, há um homem em greve de fome desde 10 de março. Chama-se Nuno Dala e tem 31 anos. Este professor universitário foi condenado no dia 29 de março a uma pena de quatro anos e seis meses de prisão, com outros 16 ativistas, pelos crimes de "atos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores", revela o Público.

A polícia federal suíça fez buscas na sede da UEFA. As autoridades pediram para ver documentos assinados pelo atual presidenteda FIFA Gianni Infantino, que em tempos foi alto dirigente da UEFA. A operação surge no seguimento da fuga de informação dos Papéis do Panamá.

Islândia nomeou um novo primeiro-ministro interino para substituir Sigmundur Davíð Gunnlaugsson, derrubado pelas revelações dos Papeis do Panamá.

Os holandeses (61% dos votantes) rejeitaram ontem o acordo de associação da UE com a Ucrânia. O resultado deixa Bruxelas numa "posição problemática", diz a Euronews.

E se a reputação científica de Galileu devesse mais à hipérbole do que à verdade? Stephen Hawking chegou a escrever em "Uma Breve História do Tempo" que Galileu, mais que qualquer outro, foi responsável pelo nascimento da ciência moderna. Thony Christie, um historiador da ciência, vem colocar aquela ideia em causa para dizer que se exagera na valorização do astrónomo italiano. Reconhece-lhe o talento, a invulgar capacidade teórica, o facto de estar na linha da frente da moderna investigação científica, "mas não foi o pai de nada", assegura Thony, como se pode ler aqui, num polémico, pelo menos, artigo sobre o cientista.

O Real Madrid está com vida difícil. Foi à Alemanha e perdeu por 2-0no campo do Wolfsburgo na primeira-mão dos quartos de final da Liga dos Campeões. No outro jogo da noite, Paris Saint Germain e Manchester City empataram a dois golos.

FRASES

"Muita coisa é legal, mas está aí precisamente o problema. Não é que estejam a infringir a lei. As leis é que estão tão mal concebidas que permitem às pessoas que têm muitos advogados e contabilistas fugir às responsabilidades que os cidadãos comuns têm de cumprir".Barak Obama a propósito dos Papeis do Panamá

"O processo do Banif foi o mais difícil desde o primeiro minuto".Maria Luís Albuquerque na Comissão Parlamentar de Inquérito

"Não nos compete apresentar um programa de estabilidade alternativo. Não vamos fazer de conta que estamos no Governo, porque não estamos". Pedro Passos Coelho em entrevista à Antena 1

"Quem, ouvindo Passos Coelho, consegue pensar em futuro? Nem ele". Daniel Oliveira no Expresso Diário

"Os portugueses iniciaram um processo que permitiu ao Ocidente dominar o mundo durante 500 anos". Roger Crawley, historiador em entrevista à Visão

NÚMEROS

3
Em cada quatro possíveis votantes não participam nas eleições nos EUA

1 200
Quilómetros é a dimensão dos muros construídos ou em vias de construção na Europa para conter as vagas de emigração.

500
Milhões de euros é quanto os contribuintes europeus terão pago para construir aqueles muros, que correspondem já a 40% do total da fronteira entre EUA e México e que Donald Trump pretende ver murada na totalidade

O QUE ANDO A LER

Sem o poder imaginar, esta parte do meu Expresso Curto começou a desenhar-se a 16 de março. Nesse dia apanhei um táxi para fazer otrajeto de um hotel até o aeroporto de Schönefeld, em Berlim. Pelo caminho, o motorista, sempre a irradiar simpatia e cuja nacionalidade não fui capaz de identificar até ele próprio a revelar, procurou manter conversa através de múltiplas questões destinadas a satisfazer a curiosidade suscitada pelo outro. Tudo ia bem até surgir a fatal pergunta: "então e o que é que faz?". Jamais teria imaginado receber uma tão sonora gargalha depois de me anunciar como jornalista. Depois sou tolhido pelo espanto face ao comentário emitido logo de seguida: "então, mas os jornais não estão a acabar? Eu e os meus amigos já só lemos na net".

É pouco relevante a sequência da conversa. Muitas vezes, mais importante que a realidade, é a perceção existente da realidade. Aquele homem, paquistanês, apaixonado por uma mulher casada e com filhos a viver no Paquistão, a quem não vê há vários anos, sensível ao ponto de interromper a conversa quando pressente a voz de Adele a cantar na rádio "Someone like you" ("desculpe, tenho de aumentar o volume, esta canção é a minha vida, emociono-me sempre"), lê, interessa-se pelas notícias do mundo, mas deixou de conviver com jornais em papel. A comunicação instalou-se-lhe na realidade virtual.

Ocorreu-me a gargalhada do paquistanês ao ler a nova versão da revista do El País. A direção do jornal admite estar em presença da mais ousada transformação da revista nos 40 anos de história do jornal. Avança com um tema de capa fortíssimo. "Europa cierra la frontera" é uma grande reportagem em três capítulos desenvolvida ao longo da fronteira oriental da Europa, desde os Balcãs ao Ártico, "os pontos quentes onde pouco a pouco se desmorona o sonho da União". A nova atitude da revista é marcada pela inclusão de novos formatos narrativos, um grafismo limpo a reivindicar a noção de que menos é mais, e uma presença diária na edição na rede sempre com novas propostas de leitura. Ninguém antecipa o futuro, mas já todos perceberam a necessidade de experimentar novos passos no presente. Em países com outra escala começam a impor-se novos projetos jornalísticos, quase sempre revistas, caras, concebidas em papel de excelente qualidade, feitas por excelentes equipas, e vocacionadas para a leitura de grande fôlego. Insere-se nesse segmento o meu outro destaque: 6 Mois, cujo número da Primavera (308 páginas) acaba de sair. Dedicada ao fotojornalismo, com sumptuosos trabalhos fotográficos acompanhados de textos de enquadramento, sem publicidade, é publicada duas vezes por ano.

Termino esta viagem por outras leituras com uma referência a dois livros de banda desenhada editados há uns anos pela portuense Mundo Fantasma, ambos da autoria do consagrado Joe Sacco. Um, "Palestina uma nação ocupada", tem prefácio de Mário Soares. O outro, "Palestina – Na faixa de Gaza", é prefaciado por Edward Said, que nasceu na Palestina e não no Egito, como erradamente aqui referi na passada semana. São dois livros monumentais, pelo desenho, pela abordagem de uma temática complexa. Habituado a olhar com reservas a BD, Said escreve que "quanto mais lia compulsivamente os comics Palestina de Sacco, mais convencido ficava de se tratar dum trabalho político e estético de extraordinária originalidade, completamente diferente de qualquer outro dos inevitavelmente distorcidos debates geralmente longos e ocos que ocupam os palestinianos, os israelitas e os respetivos apoiantes".

A atualidade de quanto ali se mostra é ainda hoje avassaladora. O próprio Sacco escreve que "os povos israelita e palestiniano continuarão a matar-se um ao outro em escaramuças menores ou com devastadora violência (…) até ao facto essencial: a ocupação israelita ser tratada como matéria de direito internacional e dos elementares direitos humanos".

É tudo, por hoje. Amanhã terá um Expresso Curto tirado pelo Ricardo Marques. Tenha uma ótima quinta-feira.

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