quinta-feira, 7 de abril de 2016

Cabo Verde. ESTRATÉGIA DE ENTRADA



Paulo Monteiro Jr. – Expresso das Ilhas, opinião

O novo Governo, embora governando em maioria absoluta, não deve prescindir do princípio democrático de negociação séria sobre o OE com as oposições e, desse modo, servir eficazmente os interesses do respectivo eleitorado e do país.

Os diferentes indicadores são muito claros. Cabo Verde apresenta, neste início da primavera de 2016, os indicadores das finanças públicas, e vários indicadores das empresas não financeiras numa situação calamitosa. Desde 2009, o rácio da dívida pública em percentagem do produto interno bruto (PIB) tem registado uma tendência crescente, num quadro de quase estagnação económica e de manutenção de défices orçamentais muito acima dos valores de referência (3 por cento do PIB). Sublinhe-se também que as empresas públicas têm registado défices crónicos, cuja dívida não suportada por cash-flow gerado pela exploração actual e futuro, atinge uma percentagem significativa do PIB. 

Sublinhe-se que os aumentos de capital para diversas empresas públicas foram considerados como operações sobre activos financeiros e, como tal, não contavam para o défice orçamental. Contudo, como as empresas públicas registam prejuízos sistemáticos, essa forma de financiamento deve ser tratada como transferências que entram na determinação do défice orçamental. Isso conduz naturalmente a um aumento significativo do défice orçamental em percentagem do PIB dos últimos sete anos. Os números que vão sendo conhecidos, infelizmente, têm vindo a contribuir para a acumulação da suspeita de que o Governo cessante praticou uma criatividade pecaminosa na obtenção dos seus objectivos orçamentais.

A margem de incerteza é muito larga: a revisão potencial para cima do défice orçamental e a explosão da dívida pública do SPAL – ou seja, do Sector Público Administrativo mais as empresas públicas – bem como, uma forte restrição do crédito à economia e a persistência de um elevado défice externo constituem bloqueios e ameaças de turbulências sobre o crescimento da economia cabo-verdiana.

Neste quadro, uma estratégia de consolidação orçamental virtuosa visando o restabelecimento da sustentabilidade intertemporal dos balanços dos agentes económicos torna-se inescapável e urgente. A existência de um conjunto de dificuldades ligadas à divida pública externa excessiva e à crise de financiamento doméstico e externo fazem com que seja uma  absoluta necessidade uma cooperação a nível europeu e internacional no sentido da retoma do financiamento externo num quadro de previsibilidade.

De referir que o desenho adequado do ajustamento orçamental é um aspecto essencial de uma estratégia de consolidação com sucesso.
  
Especificamente, uma consolidação orçamental estrutural visa corrigir a posição de défice excessivo das contas públicas, mas também o aperfeiçoamento das regras e procedimentos orçamentais na linha das melhores práticas sobre os quadros orçamentais nacionais. Em termos da composição do esforço de consolidação orçamental, o ajustamento deve centrar na diminuição estrutural da despesa e, apenas em menor medida, no aumento estrutural da receita. Desta forma será corrigida a trajectória associada a um crescimento insustentável da despesa. Adicionalmente, esta estratégia de consolidação é consistente com a ideia de que uma carga fiscal elevada como a nossa cria incentivos adversos ao crescimento económico. Os resultados obtidos nos modelos de equilíbrio geral de uma diminuição permanente da despesa pública, acompanhada de uma diminuição de impostos consistente com a redução do peso da despesa com juros confirmam a racionalidade económica desta estratégia.

Sublinhe-se também a necessidade do estabelecimento de um plano de ataque à reestruturação do sector empresarial do Estado e à reforma do nosso sistema de justiça. No que se refere à qualidade do sistema judicial, existe hoje evidência que a justiça em Cabo Verde apresenta sintomas de doença que extravasam a crónica morosidade processual.  

Neste contexto de consolidação orçamental baseada na despesa, há que falar do primeiro Orçamento do Estado (OE) do Governo de Ulisses Correia e Silva. É importante discutir – e isto passa também por uma avaliação realista do quadro macroeconómico que enquadrará o OE, as hipotéticas prioridades das reduções/reorientações das despesas públicas totais, definidas com uma preocupação de equidade – o trade-off dual: implementar as medidas de consolidação orçamental agora ou mais tarde; através da redução nas despesas das Administrações Públicas ou aumento dos impostos. Adicionalmente, a política orçamental tem de manter uma orientação restritiva de modo a gerar um excedente do saldo primário em percentagem do PIB significativo e objectivos realistas para o défice orçamental em pontos percentuais do produto.

Os factores que contribuem para uma consolidação baseada na redução das despesas ou no aumento dos impostos têm sido objecto de um longo debate na ciência económica. Mais recentemente, vários contributos na literatura procuraram avaliar os elementos que influenciam a escolha. Assim, uma composição do ajustamento enviesada para o lado das despesas (ou seja, maior contributo da despesa para a consolidação orçamental) terá provavelmente mais sucesso, nomeadamente porque só as tendências na despesa podem ser controladas de forma exógena no médio prazo (exogeneidade do instrumento despesas públicas da restrição orçamental), dado que a receita dos impostos tipicamente acompanha o PIB. Note-se, no entanto, que o debate sobre a composição do ajustamento bem como a magnitude do multiplicador de curto prazo associado a estes dois instrumentos continua inconclusivo. 

 O novo Governo, embora governando em maioria absoluta, não deve prescindir do princípio democrático de negociação séria sobre o OE com as oposições e, desse modo, servir eficazmente os interesses do respectivo eleitorado e do país.

Importa finalmente sublinhar que, embora a consolidação orçamental tenha um impacto contracionista no curto prazo, existe um efeito positivo permanente sobre o crescimento do produto interno bruto (PIB) no médio e longo prazo, por via, inter alia, da diminuição dos efeitos distorcionários da carga fiscal.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 748 de 30 de Março de 2016.

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