Paulo Monteiro Jr.
– Expresso das Ilhas, opinião
O
novo Governo, embora governando em maioria absoluta, não deve prescindir do
princípio democrático de negociação séria sobre o OE com as oposições e, desse
modo, servir eficazmente os interesses do respectivo eleitorado e do país.
Os
diferentes indicadores são muito claros. Cabo Verde apresenta, neste início da
primavera de 2016, os indicadores das finanças públicas, e vários indicadores
das empresas não financeiras numa situação calamitosa. Desde 2009, o rácio da
dívida pública em percentagem do produto interno bruto (PIB) tem registado uma
tendência crescente, num quadro de quase estagnação económica e de manutenção
de défices orçamentais muito acima dos valores de referência (3 por cento do
PIB). Sublinhe-se também que as empresas públicas têm registado défices
crónicos, cuja dívida não suportada por cash-flow gerado pela exploração actual
e futuro, atinge uma percentagem significativa do PIB.
Sublinhe-se
que os aumentos de capital para diversas empresas públicas foram considerados
como operações sobre activos financeiros e, como tal, não contavam para o
défice orçamental. Contudo, como as empresas públicas registam prejuízos
sistemáticos, essa forma de financiamento deve ser tratada como transferências
que entram na determinação do défice orçamental. Isso conduz naturalmente a um
aumento significativo do défice orçamental em percentagem do PIB dos últimos
sete anos. Os números que vão sendo conhecidos, infelizmente, têm vindo a
contribuir para a acumulação da suspeita de que o Governo cessante praticou uma
criatividade pecaminosa na obtenção dos seus objectivos orçamentais.
A
margem de incerteza é muito larga: a revisão potencial para cima do défice
orçamental e a explosão da dívida pública do SPAL – ou seja, do Sector Público
Administrativo mais as empresas públicas – bem como, uma forte restrição do
crédito à economia e a persistência de um elevado défice externo constituem
bloqueios e ameaças de turbulências sobre o crescimento da economia
cabo-verdiana.
Neste
quadro, uma estratégia de consolidação orçamental virtuosa visando o
restabelecimento da sustentabilidade intertemporal dos balanços dos agentes
económicos torna-se inescapável e urgente. A existência de um conjunto de
dificuldades ligadas à divida pública externa excessiva e à crise de financiamento
doméstico e externo fazem com que seja uma absoluta necessidade uma
cooperação a nível europeu e internacional no sentido da retoma do
financiamento externo num quadro de previsibilidade.
De
referir que o desenho adequado do ajustamento orçamental é um aspecto essencial
de uma estratégia de consolidação com sucesso.
Especificamente,
uma consolidação orçamental estrutural visa corrigir a posição de défice
excessivo das contas públicas, mas também o aperfeiçoamento das regras e
procedimentos orçamentais na linha das melhores práticas sobre os quadros
orçamentais nacionais. Em termos da composição do esforço de consolidação
orçamental, o ajustamento deve centrar na diminuição estrutural da despesa e,
apenas em menor medida, no aumento estrutural da receita. Desta forma será
corrigida a trajectória associada a um crescimento insustentável da despesa.
Adicionalmente, esta estratégia de consolidação é consistente com a ideia de
que uma carga fiscal elevada como a nossa cria incentivos adversos ao
crescimento económico. Os resultados obtidos nos modelos de equilíbrio geral de
uma diminuição permanente da despesa pública, acompanhada de uma diminuição de
impostos consistente com a redução do peso da despesa com juros confirmam a
racionalidade económica desta estratégia.
Sublinhe-se
também a necessidade do estabelecimento de um plano de ataque à reestruturação
do sector empresarial do Estado e à reforma do nosso sistema de justiça. No que
se refere à qualidade do sistema judicial, existe hoje evidência que a justiça
em Cabo Verde apresenta sintomas de doença que extravasam a crónica morosidade
processual.
Neste
contexto de consolidação orçamental baseada na despesa, há que falar do
primeiro Orçamento do Estado (OE) do Governo de Ulisses Correia e Silva. É
importante discutir – e isto passa também por uma avaliação realista do quadro
macroeconómico que enquadrará o OE, as hipotéticas prioridades das
reduções/reorientações das despesas públicas totais, definidas com uma
preocupação de equidade – o trade-off dual: implementar as medidas de
consolidação orçamental agora ou mais tarde; através da redução nas despesas
das Administrações Públicas ou aumento dos impostos. Adicionalmente, a política
orçamental tem de manter uma orientação restritiva de modo a gerar um excedente
do saldo primário em percentagem do PIB significativo e objectivos realistas
para o défice orçamental em pontos percentuais do produto.
Os
factores que contribuem para uma consolidação baseada na redução das despesas
ou no aumento dos impostos têm sido objecto de um longo debate na ciência
económica. Mais recentemente, vários contributos na literatura procuraram
avaliar os elementos que influenciam a escolha. Assim, uma composição do ajustamento
enviesada para o lado das despesas (ou seja, maior contributo da despesa para a
consolidação orçamental) terá provavelmente mais sucesso, nomeadamente porque
só as tendências na despesa podem ser controladas de forma exógena no médio
prazo (exogeneidade do instrumento despesas públicas da restrição orçamental),
dado que a receita dos impostos tipicamente acompanha o PIB. Note-se, no
entanto, que o debate sobre a composição do ajustamento bem como a magnitude do
multiplicador de curto prazo associado a estes dois instrumentos continua
inconclusivo.
O
novo Governo, embora governando em maioria absoluta, não deve prescindir do
princípio democrático de negociação séria sobre o OE com as oposições e, desse
modo, servir eficazmente os interesses do respectivo eleitorado e do país.
Importa
finalmente sublinhar que, embora a consolidação orçamental tenha um impacto
contracionista no curto prazo, existe um efeito positivo permanente sobre o
crescimento do produto interno bruto (PIB) no médio e longo prazo, por via,
inter alia, da diminuição dos efeitos distorcionários da carga fiscal.
Texto
originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 748 de 30
de Março de 2016.
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