sábado, 25 de junho de 2016

A SAÍDA DO RU NÃO É A CAUSA, MAS A CONSEQUÊNCIA DO PROBLEMA



Isabel Moreira - Expresso, opinião

Começo por ouvir as reações à saída do RU no sentido de agora nos focarmos na construção de uma UE mais solidária, mais unida, mais próxima dos cidadãos. Começo por identificar nos autores dessas reações, nomeadamente em Portugal, aqueles que têm alinhado com o problema que gerou a saída do RU, o verdadeiro problema, a degradação autoritária dos pilares valorativos fundacionais da UE.

Não há engano possível. A causa do problema não é a saída do RU. A causa do problema chama-se a política europeia de hoje (em sentido lato), esquecida do seu projeto de paz, de solidariedade, de crescimento e de igualdade democrática, o que é um projeto cultural.

Por isso mesmo, a derrota no referendo da permanência é a derrota de políticas assentes no fanatismo da austeridade, do descarado tratamento desigual dos Estados, divididos entre Norte e Sul, desenvolvido/ bem-comportados e selvagens sem regras a serem disciplinados com sanções atrás de sanções, por uma UE materialmente cada vez menos democrática.

A derrota no referendo da permanência é a derrota da Comissão-pode-tudo, incluindo reinventar um ideal europeu, esse da UE ser basicamente uma entidade burocrática orçamentalista que penaliza de acordo com o princípio da hierarquia e que deita fora direitos sociais, paz e igualdade, precisamente os alicerces que enquanto foram seguidos fizeram da UE um espaço de enorme vantagem para todos nós.

A derrota da no referendo da permanência é a derrota dos órgãos formais e informais da UE perante a crise humanitária dos migrantes, órgãos incapazes de uma política decente à altura da dignidade que foi enviada para parte incerta, incapacidade essa culpada da abertura de campos gigantes à atuação do apetite dos partidos e movimentos de extrema-direita, esses que minutos depois da pronúncia inglesa começaram de imediato a requer referendos aqui e acolá.

A derrota no referendo da permanência é a derrota de rostos concretos, como os de Merkel, Durão Barroso, Sarcozi, Schauble, Cameron, Hollande ou Juncker. Mas é também a derrota dos governos que agora já não são governo e reagem como comecei o texto, após anos de adesão por excesso a esta UE devastadora. Se acordaram, pois ainda bem.

A história tem de ficar registada. A direita orçamentalista e a extrema-direita ganharam e estão a delinear o continuar da sua estratégia.

Para quem não acordou no dia do referendo – e também para quem acordou nesse dia – interessa defender concretamente o que é a Europa a partir da sua memória: um projeto de paz, democrático, o qual tem de ser afirmado assente na defesa do Estado social, da igual dignidade dos Estados, contra nacionalismos, racismos e xenofobia, sempre pela afirmação positiva do que significa a adesão ao outro.

A Europa não pode ser definida como um projeto económico.

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