sábado, 7 de maio de 2016

LÍNGUA DE CAMÕES EM TIMOR-LESTE: QUO VADIS?




Um investigador brasileiro da Universidade de Campinas, Alan Carneiro, escreveu um artigo “problematizador” sobre as políticas linguísticas em Timor-Leste, abordando também as tensões no campo da formação docente. O autor, logo na introdução do seu estudo, referia, e passo a citar, «Ao chegar ao aeroporto de Díli, Timor-Leste, as placas de propaganda indicam uma complexa situação linguística: o anúncio de uma instituição financeira indonésia, o banco Mandiri, está em língua indonésia; curiosamente a propaganda do banco Australian and New Zealand (ANZ) está em português, a língua oficial; o de uma organização não governamental (ONG) norteamericana, Buy Local que actua no país, está em inglês, com a tradução para a língua oficial, o tétum». 

No segundo parágrafo, Carneiro, desenvolvendo o seu pensamento em jeito de prosa, afirma: «ao percorrer a cidade, a diversidade de línguas utilizadas não só nas placas e sinalizações, mas também nos diversos contextos de interacção surpreende ainda mais: pessoas falando em tétum nas ruas, nas feiras e nas casas; professores portugueses e brasileiros ensinando e interagindo em língua portuguesa nas universidades e em cursos de formação de professores; trabalhadores internacionais dos mais diversos países conversando em inglês nos restaurantes, nas agências internacionais e nas sedes de ONG´s; comerciantes de diferentes nacionalidades, mas principalmente indonésios e chineses, utilizando a língua indonésia e o inglês, dentre estes últimos ainda se vê alguns que utilizam o hakka ou o yue, línguas vindas do sul da China que estão presentes no país desde tempos remotos».
   
Às citações mencionadas na introdução desta reflexão, independentemente de continuarem no seu todo a representar a realidade actual ou não, poderemos acrescentar outras, algumas caricatas. A carta de condução e o bilhete de identidade são entregues aos cidadãos em língua portuguesa e inglesa. O cartão de eleitor, tal como deviam estar todos os documentos, está em português e tétum, as duas línguas oficiais. No entanto, vários formulários das universidades e outras instituições estão escritos em língua indonésia. Nos hospitais os médicos cubanos falam em espanhol. Outros profissionais de saúde comunicam em língua indonésia, tétum e alguns em português.  

No espaço da classe política, caso do Parlamento Nacional, apesar dos documentos que por lá circulam estarem escritos em língua portuguesa e em tétum, os deputados discutem e abordam os diversos temas na língua tétum e alguns até em língua indonésia mas, raramente em português, devido à incapacidade de muitos deputados dominarem a língua portuguesa. Nas reuniões governamentais repete-se o mesmo, pois, de forma rotineira, discute-se em tétum, e quando é necessário elaborar um discurso com a introdução de vocabulário inexistente em tétum, utiliza-se a língua indonésia ou a língua portuguesa, esta última quase sempre com qualidade questionável. 

Todas estas constatações que servem de mote para esta reflexão sobre a “língua de Camões em Timor-Leste” são algo provocatórias, mas não deixam por isso de ser uma realidade actual, complexa, dirão alguns, mas os problemas desta natureza, mesmo difíceis, podem ter soluções adequadas, desde que haja vontade política e o envolvimento de protagonistas tecnicamente competentes.

Em jeito de preâmbulo, referi-me a um cenário geral vivido em Díli, mas para melhor discutirmos a “língua de Camões em Timor-Leste”, é um imperativo abordarmos com algum detalhe o «campo da educação», muito maltratado, apesar de ser um campo específico e estratégico para o desenvolvimento sustentável do País.
  
Estou a utilizar de forma premeditada a expressão «campo» e a lembrar-me do grande sociólogo Pierre Bourdieu (1939-2002), uma referência fundamental para abordagens sociais, e que tem sido importante para transmitirmos aos socialistas timorenses e aos simpatizantes do Partido a ideia de que nenhum poder político pode escamotear o facto do nosso sucesso educativo depender muito das condições sociais, económicas e culturais dos jovens e das suas famílias, que vivem na miséria.
 
Na perspectiva deste grande autor francês, cada «campo» possui regras do jogo e desafios específicos, sendo um «microcosmo incluído no macrocosmo constituído pelo espaço nacional global» (Lahire, 2002, citado por Catani, 2011). Partindo deste pressuposto que se aplica a Timor-Leste e a qualquer outro País, facilmente somos a concluir que os interesses sociais são sempre específicos de cada «campo» e não se reduzem aos interesses estritamente económicos. Como já defendia Lahire (2002), «um campo possui uma autonomia relativa», porque as lutas que nele ocorrem têm uma lógica interna, mas o seu resultado nas lutas (económicas, sociais, políticas…) externas ao campo pesa fortemente sobre a questão das relações de força internas.
 
No campo da educação, constata-se que a maior parte dos professores que temos no País não dominam a língua portuguesa porque foram formados no período da ocupação indonésia, principalmente nos anos 80, altura em que a Indonésia teve uma política mais agressiva no processo de aniquilamento do português e da imposição da língua utilizada pelo país invasor, nomeadamente através da utilização de professores indonésios provenientes de várias ilhas indonésias.
  
Por outro lado, a partir da década de 90, muitos timorenses ingressaram em universidades indonésias, e na única universidade existente em Timor-Leste no tempo da ocupação, o ensino era ministrado integralmente em língua indonésia, para além de que a segunda língua ensinada nas escolas era o inglês, com excepção do Externato de São José onde os padres Leão da Costa, Domingos Morato da Cunha, Martins, Felgueiras e o Enfermeiro António Maria (falecido), ministravam o ensino em língua portuguesa, sem nenhum apoio de Portugal.
 
Perante este panorama, tendo em consideração que depois da ocupação indonésia o português foi interditado e o tétum era considerado pelo invasor como língua sem valor social, servia apenas para comunicação, a partir de 2000, com a opção pela adopção das duas línguas oficiais, tétum e português, o Estado timorense deparou-se com resmas de problemas e desafios que exigiam respostas com capacidade e competência para a implementação de políticas educativas e culturais correctas, e que respondessem com eficácia às necessidades do país, recorrendo, sem pejo e preconceitos, ao aproveitamento de sinergias locais e internacionais, (bem) seleccionadas, para fugir ao lobby anglófono que de forma muito subtil vai penetrando nas super-estruturas do País através dos assessores internacionais de países de língua inglesa e portuguesa.
 
A ausência de recursos humanos capazes no domínio da educação, assim como o não aproveitamento dos quadros existentes, na maior partes das vezes por razões subjectivas e medíocres, demonstrou a total incapacidade do País em resolver questões estratégicas no campo da educação. Muitos dos políticos que assumiram cargos de relevo na área da educação, temos que assumir com modéstia estas verdades, em alguns casos por incompetência, em outros por cedência aos interesses de países não interessados na implantação da língua portuguesa em Timor-Leste, não foram capazes de traçar linhas mestras estratégicas de actuação suficientemente robustas para responder com eficácia às necessidades reais do País. 

Esta incapacidade estrutural e conjuntural foi e (ainda) é visível na ausência de políticas educacionais capazes. Sabendo nós que o ensino superior qualificado cumpre um papel de importância estratégica para o desenvolvimento de qualquer País, num quadro em que se assiste à proliferação do ensino superior em Timor-Leste, importa pois questionar qual é a qualidade do ensino superior timorense, e discutir o que se faz, o que não se faz e o que se devia fazer no domínio da formação de professores de língua portuguesa.  

Na maior parte das onze instituições de ensino superior do País, esta é a verdade, ensina-se só em língua indonésia pois os docentes não sabem falar nem escrever português. Em algumas instituições ensina-se em tétum e em língua indonésia. Os estabelecimentos que vendem livros de língua portuguesa, apesar de ter havido ligeira melhoria, são escassos, e os livros têm preços proibitivos, um luxo para o bolso da maioria dos estudantes filhos de agricultores pobres e dos professores dispersos pelo País que auferem um salário de miséria, obviamente insuficiente para sustentar as suas numerosas famílias, sendo certo que, por esta e por outras razões, não há nem pode haver hábitos de leitura. As bibliotecas são escassas e as que existem nas universidades, praticamente, só têm livros em língua indonésia, alguns em inglês e raros em português.
 
E depois há aqueles que querem trabalhar com qualidade e interesse nacional mas são sistematicamente sabotados por razões mesquinhas, a maior parte das vezes por altos responsáveis que não sabem decidir em matéria de políticas de educação e no que respeita à regulação do funcionamento das instituições de ensino superior. Um caso paradigmático é ilustrado pela Universidade de Díli (UNDIL). Preparou-se para abrir este ano um curso de formação inicial de professores de língua portuguesa, elaborou o projecto em conformidade com as exigências da agência de avaliação e acreditação nacional, seleccionou docentes de alto nível científico-pedagógico com bom conhecimento da complexidade da situação linguística e sociolinguística nacional, abriu inscrições, constituiu uma turma, mas, após ter solicitado ao Ministério da Educação um amparo financeiro insignificante, nem resposta escrita lhe foi apresentada, tendo-se verbalmente alegado não haver orçamento, note-se, para auxiliar a abertura de um curso de licenciatura de ensino de língua portuguesa (!). 

O episódio que relatei, mas outros poderiam ser historiados, espelha a incongruência, as nossas fragilidades, a falta de visão estratégica, e o incumprimento superior da Constituição da RDTL e da Lei de Bases da Educação, porque é o próprio Estado, o mesmo que escolheu como línguas oficiais o tétum e o português, através do Ministério da Educação, a criar resistência à abertura de um curso de formação inicial de professores de língua portuguesa.  

Enquanto isso, há vários docentes portugueses sem o devido aproveitamento na Universidade Nacional de Timor Loro´sae (UNTL), enviados pelo Instituto Camões,  uma instituição que deixa muito a desejar em matéria de cooperação com Timor-Leste e que parece não entender o excelente trabalho que está a ser realizado pela Embaixada de Portugal em Timor-Leste, pela Escola Portuguesa Ruy Cinatti, bem como pela Fundação Oriente representada no País. 

O lamentável estado de coisas que se verifica em Díli só pode significar que vários responsáveis políticos do País da área da educação, e do Instituto Camões, ainda não assimilaram que as políticas de educação superior só serão válidas se reflectirem uma linha orientadora que se baseie no estado actual do desenvolvimento da nossa educação superior e transporte consigo uma visão, uma missão, objectivos e metas que se enquadrem num projecto social globalizante. 

Este é o cenário sociolinguístico verificado em Díli, mas, se avançarmos para os Municípios, a complexidade é enorme. Segundo Cinatti (1987), Thomaz (2002) entre outros autores citados no Atlas de Timor-Leste (2002), existem mais de 35 línguas maternas, e que resultam da «diversidade geográfica da ilha, às guerras internas e à consequente integração de subgrupos em outros grupos étnico-linguísticos». Tudo isto terá contribuído para a diversidade cultural e linguística do país, pois, é preciso ter em devida atenção que «a ilha de Timor foi, primeiramente, povoada pelos povos Papua, cerca de 7000 a.C., e pelos povos austronésios, aproximadamente 2000 a,C., tendo sido posteriormente abordada por outros povos em migração entre a Ásia e a Austrália e o arquipélago do Pacífico». 

Há estudos que mostram a evolução das principais línguas maternas de Timor-Leste e que devem ser partilhados para a melhor compreensão desta temática. De acordo com Cinatti (1987), Thomaz (2002) et al, citados no Atlas de Timor-Leste (2002), em 2001 a língua mais falada era o tétum (22.5%), seguindo-se o mambae (20%), o makasai (13%), o búnaq ou búnague (7%) e com menos de 5% o baiqueno, o kêmak, o fatalúku, o tocodede, o uaimoa, o tétum-teric, o kairui, o midiki, o idate, o makalero e o galóli. Entre 1961 e 1975, o mambae era falado por quase 30% da população (Atlas de TimorLeste, 2012). Mas há ainda a considerar outras línguas maternas e a já mencionada língua indonésia, importada, falada praticamente em todo o País.
       
Apesar do artigo 13º da Constituição da RDTL defender que o tétum e o português são as línguas oficiais, o panorama educativo está em situação muito frágil, quer no domínio científico-pedagógico, quer no campo organizacional ou curricular, e parece não haver interesse real em compreender e analisar com “lentes pedagógicas e linguísticas” os programas de formação de professores de língua portuguesa e tentar entender a problemática das políticas linguísticas.
 
Mas as razões do insucesso também se prendem com o facto de (alguns) professores portugueses que são enviados para o nosso País terem uma perspectiva demasiado redutora da sua missão e cingirem-se à visão eurocêntrica da nossa realidade linguística, pensando que ensinar a língua portuguesa em Timor-Leste é uma repetição do que se faz em Portugal ou em outros países europeus, esquecendo-se de que o sucesso das aprendizagens depende muito das competências de âmbito alargado onde se inclui o conhecimento sobre as línguas nacionais e sobre as diversidades sociolinguísticas e étnicas locais.

Uma investigadora da Universidade Aberta (Lisboa), Hanna Batoréo, fez um estudo muito interessante sobre a problemática do ensino de português em Timor-Leste. Como não sou um especialista nesta matéria, sinto-me na obrigação de partilhar no Jornal «A Voz Socialista» algumas ideias desta autora que consubstanciam parte do que defendi nesta reflexão educacional. Para se ensinar português em Timor-Leste de um modo sustentável, diz Batoréo (2007), «antes de mais exige dos agentes de educação oficiais um bom conhecimento (pelo menos passivo) das características linguísticas dos idiomas falados localmente, que pertencem às famílias linguísticas muito distintas do ponto de vista tipológico do Português e das outras línguas conhecidas, faladas e estudadas tradicionalmente na Europa». 

Para que o trabalho do professor que vem ensinar português em Timor-Leste seja bem sucedido e atraente para quem deseja aprender, há aspectos linguísticos fundamentais a tomar em consideração, e que são descurados por alguns docentes portugueses (e brasileiros) impreparados. Efectivamente, aspectos como a «ordem das palavras, o emprego dos tempos verbais, a ausência dos artigos, a forma disjuntiva de construir perguntas, a resposta a perguntas na negativa, as conceptualizações diferentes no funcionamento do sistema quini-decimal, a utilização de empréstimos lexicais de Indonésio no vocabulário técnico são apenas alguns dos fenómenos linguísticos que o professor do Português tem que ser preparado para enfrentar» (Batoréo, 2007).
  
Por sermos um País católico-cristão, mas ainda agarrado aos credos e valores reais e de origem, não podia deixar de terminar esta reflexão relembrando o que reza o evangelho.
  
São Pedro ao fugir de Roma com receio de ser torturado cruzou-se com Jesus (ressuscitado) e, muito admirado, perguntou-lhe: «Quo vadis?» (Para onde vais?). Jesus respondeu-lhe: «Roman vado iterum crucifigi» (Vou a Roma para ser Crucificado de novo).  

Díli, 07 de Maio de 2016. 

*Azancot de Menezes, Secretário-Geral do PST 

Nota: Artigo publicado na 3ª Edição de Abril de 2016 do Jornal «A Voz Socialista»

Formalizada acusação contra dois jornalistas timorenses por "denúncia caluniosa"



Díli, 06 mai (Lusa) - O Ministério Público timorense notificou hoje dois jornalistas timorenses de que deduziu a acusação contra ambos por "denúncia caluniosa" relativamente a um artigo publicado no jornal Timor Post em novembro do ano passado que visava o primeiro-ministro.

A acusação, assinada a 21 de abril último pela magistrada Lídia Soares - e que a Lusa teve acesso - só foi hoje comunicada aos dois jornalistas, o redator Raimundos Oki e o editor do Timor Post Lourenço Martins.

"Cometeram os arguidos em coautoria material, um crime de denúncia caluniosa", refere o texto da acusação.

"Os arguidos agiram de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo não lhes serem permitidas tais condutas. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei", sustenta.

Os dois jornalistas são acusados com base no artigo 285 do Código Penal timorense, que prevê pena de prisão até três anos e multa para quem "por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de um crime, com a intenção de que contra ela se instaure procedimento criminal".

O processo refere-se a um caso que começou com a publicação a 10 de novembro de um artigo no diário Timor Post intitulado "suspeitas de que um ex-assessor do Ministério das Finanças (MdF) entregou um projeto a uma empresa indonésia".

Este artigo incluía erros factuais, incluindo o nome errado da empresa, e outros aspetos que foram depois corrigidos no dia seguinte pelo jornal.

Na acusação, o Ministério Público considera que Raimundos Oki "depois de obter a referida informação, não verificou a verdade dessa informação e nem a confrontou com o lesado, a fim de obter a sua versão dos factos".

"Fê-lo no intuito de atingir a honra, o bom nome e a reputação devidas ao lesado Rui de Araújo, bem sabendo que tais direitos são constitucionalmente protegidos e que a notícia não correspondia à verdade", refere o texto.

"O arguido tinha a plena consciência de que a sua publicação causaria prejuízos morais, sociais, familiares e profissionais incalculáveis à pessoa do lesado", refere.

Também o editor do jornal Vicente Martins "não mandou previamente averiguar a veracidade e a autenticidade das informações publicadas" tendo apesar disso autorizado a sua publicação.

A acusação, que mantém as medidas de coação - termo de identidade e residência - considera que os dois arguidos "sabiam que a notícia era falsa" e que com a publicação "o lesado seria sujeito a um processo de investigação criminal, por suspeita da prática de crimes no exercício de funções públicas".

"Pretendiam desse modo, com a denúncia, fazer com que o lesado fosse submetido a um processo criminal", refere ainda.

O caso tem suscitado apelos de várias organizações internacionais de jornalismo para que o primeiro-ministro timorense, Rui Maria de Araújo, retire o processo criminal contra os jornalistas.

Em resposta, numa carta às organizações internacionais, Rui Araújo disse que não troca liberdade de imprensa por "irresponsabilidade de imprensa" e que lhe é impossível intervir no gabinete do procurador para decidir se avança ou não a queixa.

Em declarações recentes à agência Lusa, o jornalista Raimundos Oki manifestou-se "muito preocupado" com o caso, considerando que os seus direitos fundamentais "estão a ser condicionados" e que desde que foi alvo da queixa sente "muito medo" cada vez que escreve uma notícia.

Quando foi ouvido pelo Ministério Público, no passado dia 11, o jornalista "usou o direito a silêncio", não respondendo às perguntas que lhe foram feitas.

ASP // VM

Governo timorense promete novo mecanismo para evitar atrasos em pagamentos a professores



Díli, 06 mai (Lusa) - O ministro da Educação timorense garantiu hoje que está a ser aplicado um novo mecanismo para evitar que se repitam os longos atrasos nos pagamentos de salários e componentes salariais de professores, estagiários e funcionários das escolas de referência.

"Definimos um novo mecanismo com a embaixada portuguesa em Díli para evitar esse prolema e garantir o pagamento dos salários a tempo", disse António da Conceição à Lusa, à margem de um seminário em Díli sobre a língua portuguesa em Timor-Leste.

O mecanismo desenhado pelo Ministério timorense envolve a definição destes pagamentos na categoria de transferências públicas, ficando uma pessoa responsável por garantir a transferência mensal do valor a pagar para a conta do projeto controlada pela Embaixada de Portugal.

"O ministério faz as transferências do montante destinado para a conta da cooperação da embaixada, e por sua vez daí para as contas dos professores. Temos apenas que concluir os últimos trâmites para garantir que não se repetem mais estes atrasos", explicou.

Em causa estão os pagamentos dos salários dos funcionários e professores timorenses e os componentes salariais dos docentes portugueses dos Centros de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFE) que, constantemente, sofrem atrasos, em alguns casos de vários meses.

O projeto que este ano já começou mal - com praticamente todos os CAFE sem poder abrir durante dois meses por atrasos de Portugal no envio dos professores - mantém novamente os atrasos, com os professores a referirem que ainda não receberam os componentes salariais de março e abril.

O protocolo com base no qual os professores são enviados para Timor-Leste prevê que além do salário pago por Portugal cada um dos professores receba do Governo timorense 1.000 dólares por mês como ajudas de custo, a que se somam mais 100 dólares por cada ano trabalhado no país.

Professores em Díli recebem um complemento adicional de 600 dólares para casa e os que estão nos distritos estão em casas disponibilizadas pelas autoridades timorenses.

ASP // VM

Macau vai apertar regime de incompatibilidades dos deputados após candidatura à AR



Macau, China, 06 mai (Lusa) - O Governo de Macau apresentou hoje uma proposta de revisão da lei eleitoral da assembleia local que proíbe expressamente os deputados de assumirem cargos políticos noutros países, na sequência de uma candidatura à Assembleia da República portuguesa em 2015.

Ao abrigo dos novos requisitos propostos pelo executivo da região, "e para evitar a questão da dupla fidelidade", não se podem candidatar a deputados em Macau os titulares de cargos políticos num país estrangeiro. Por outro lado, durante o mandato para que foram eleitos em Macau, os deputados não podem assumir cargos políticos noutro país.

No texto com as propostas de revisão da lei, o Governo de Macau assume que o objetivo é "evitar a ocorrência de caso semelhante" ao do deputado José Pereira Coutinho, que foi candidato à Assembleia da República portuguesa nas últimas eleições legislativas como cabeça de lista pelo círculo fora da Europa do partido Nós, Cidadãos.

O Governo de Macau propõe ainda alterações à lei eleitoral para reforçar o combate à corrupção eleitoral (compra de votos) ou à "propaganda antecipada ou irregular".

As propostas visam, especialmente, a questão das associações, através das quais são eleitos 12 dos deputados de Macau, cujas atividades associativas se podem confundir com ações de campanha.

Assim, o executivo quer, por exemplo, introduzir a declaração obrigatória das atividades eleitorais, a auditoria obrigatória das despesas nas campanhas ou a criação de uma entidade "de apoio" às campanhas.

No que toca ao "reforço do combate ao ato ilícito nas eleições", o executivo propõe a introdução de um regime de responsabilidade penal coletiva na lei eleitoral da assembleia e que abranja atos cometidos também fora do território de Macau.

Entre as propostas do Governo estão ainda alterações no regime de criação e funcionamento da comissão de assuntos eleitorais da assembleia legislativa, como a obrigatoriedade de passar a integrar um elemento do Ministério Público.

As propostas do Governo entram agora num período de consulta pública e o objetivo é ter a revisão da lei concluída antes das próximas eleições para a Assembleia Legislativa, em 2017.

A Assembleia Legislativa de Macau é composta por 33 deputados, incluindo 26 eleitos - 14 diretamente pela população e 12 de forma indireta, através de associações -, e sete nomeados pelo chefe do Governo.

Nas eleições para a Assembleia Legislativa em 2013 foi provado um caso de corrupção eleitoral depois de os candidatos da lista terem sido eleitos.

Um relatório divulgado no final do ano passado pela comissão eleitoral de Macau considerou que "não foi grave a corrupção eleitoral" registada nas eleições de 2013, não fazendo referência direta a qualquer caso específico.

Entre a lista de sugestões apresentadas no relatório, ficou também a de um maior controlo das contas.

No documento que hoje apresentou, o executivo defende que está demonstrado que a eleição da assembleia por sufrágio direto e indireto e por deputados nomeados é um "sistema viável, eficaz e que corresponde plenamente à realidade de Macau".

Na conferência de imprensa de apresentação das propostas, a secretária da administração e Justiça, Sonia Chan, enfatizou a importância da "estabilidade" no sistema político, sobretudo num momento de ajustamento no setor do jogo, o pilar da economia local, dizendo que neste momento os esforços devem concentrar-se no desenvolvimento económico.

MP // VM

PORTUGUÊS PRESO EM MACAU POR SUSPEITA DE PEDOFILIA



Macau, China, 06 mai (Lusa) -- O Ministério Público de Macau informou hoje que um português residente no território foi detido por suspeita de pedofilia e ficou em prisão preventiva depois de ouvido pelo juiz.

O homem, detido na quinta-feira, é suspeito de abuso sexual dos filhos menores, segundo um comunicado do Ministério Público.

A mesma nota acrescenta que o juiz de instrução criminal optou pela prisão preventiva dada "a gravidade do caso" e seguindo a "a sugestão" do procurador titular do processo.

"O processo foi devolvido ao Ministério Público para mais investigação criminal", lê-se ainda no texto, que não dá mais pormenores.

Segundo a imprensa de Macau, que avançou a notícia da detenção, o homem, que não vivia com a mãe dos filhos, a sua ex-mulher, tem cerca de 40 anos e negou os crimes quando foi detido pela Polícia Judiciária.

MP // EL

Moçambique. A DESCULPA DE MAU PAGADOR



@Verdade, Editorial

O Governo da Frelimo, liderado por Filipe Jacinto Nyusi, continua sem humildade suficiente para admitir que o país vai a pique por conta da corrupção organizada e políticas destruturadas implementadas desde a Independência Nacional. E o pior de tudo, não admite que é a razão de todos os problemas que Moçambique atravessa.

A cada dia que passa, as informações sobre as dívidas ilegalmente contraídas pelo Estado mostram que o país está à beira de um colapso, do qual só sairá após um fundamental resgate. Mas, diante dessa situação calamitosa, o Chefe de Estado prefere fazer de conta que o problema não é tão grave como parece, mergulhando, assim, o país no fundo do pântano do “tanto faz”. A título de exemplo, Nyusi, na sua primeira declaração pública em relação à vergonhosa dívida, comparou a mesma à malária, afirmando que é preciso ver se faltou "uma rede mosquiteira, se há charcos lá fora ou se é preciso fumigar" o espaço.

Na verdade, o que Filipe Nyusi não quer admitir, talvez por cumplicidade ou conforto, é que a situação do país equipara-se a um cancro, que já começou a arruinar o prestígio do país diante dos seus parceiros estratégicos e investidores. Após o Fundo Monetário Internacional (FM), o Banco Mundial (BM) e o Reino Unido, suspenderem a ajuda a Moçambique, foi a vez do grupo de doadores europeus do Orçamento do Estado suspender temporariamente a sua ajuda financeira ao nosso país.

Com o andar da carruagem, o país corre o risco de ver outros doadores a tomarem a mesma decisão, como forma de pressionar o Governo da Frelimo a mostrar transparência e desfazer-se da sua vaidadezinha política que o caracteriza. A situação vivida nos últimos tempos por si só é bastante preocupante. Se a suspensão se mantiver por longo período, espera-se, nos próximos tempos, momentos críticos na vida dos moçambicanos. A população carenciada, como sempre, será a principal vítima dessa dura situação.

É bom que se diga, durante a sua intervenção, o Presidente Nyusi não teve a humildade de referir ao destino dado a mais de dois biliões de dólares norte-americanos que oficialmente, e com transparência, apenas se sabe que 350 milhões de dólares norte-americanos foram pagos ao estaleiro francês Construções Mecânicas da Normandia. Pelo contrário, ele atreve-se a fazer uma analogia deprimente e muito infeliz. A atitude do Presidente da República não passa, portanto, de uma desculpa de mau pagador.

China ignora dívida pública oculta moçambicana e disponibiliza 16 milhões de dólares



Enquanto o Grupo de Apoio Programático a Moçambique (G14) ao Orçamento do Estado, o Banco Mundial, o Reino Unido e outros parceiros suspendem a injecção de fundos, incluindo para determinados projectos, até que se esclareçam as dívidas contraídas de forma ocultas durante o mandato do Executivo de Armando Guebuza, a China deu um sinal contrário assinando, na quarta-feira (04), em Maputo, um acordo de Cooperação Técnica e Económica, através do qual se predispõe a conceder cerca de 16 milhões de dólares norte-americanos para a compra de 80 autocarros para transporte público, abertura de 200 furos de água e construção de um Centro Cultural China/Moçambique.

O assentimento abrange ainda a materialização de outros projectos de impacto social, segundo afirmou Nyelete Mondlane, vice-ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação.

A China vai igualmente doar 10 mil toneladas de cereais em apoio à segurança alimentar em Moçambique.

Xi Jinping, Presidente da República Popular da China, disse que o sector de transportes, em particular, é motor para o andamento completo das actividades que visam impulsionar a vida das populações.

Entretanto, Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente português, país de presidente o G14, confirmou, durante uma conferência de imprensa na quarta-feira (04), que o grupo de doadores internacionais suspendeu a ajuda a Moçambique, não definitivamente, mas, sim, até que as dívidas contraídas à revelia do povo sejam esclarecidas. Trata-se de “uma mera suspensão. Faz toda a diferença haver um não da comunidade internacional que é duradouro e, por maioria de razão, definitivo, ou uma mera suspensão para efeitos de esclarecimento de situações".

Adriano Maleiane, Ministro da Economia e Finanças, disse a jornalistas que a suspensão do apoio directo ao Orçamento do Estado moçambicano representa, até este momento, 467 milhões de dólares (12%).

De acordo com o Governante, se a suspensão durar muito tempo, haverá dispensas a cortar, tais como as viagens dos dirigentes, os gastos com os combustíveis, entre outras. Contudo, a educação e saúde serão os sectores que vão sofrer menos devido ao seu impacto na vida da população, além de que já beneficiam de poucos fundos. E não haverá contratação de funcionários por um determinado tempo.

Por seu turno, o Governo canadiano comprometeu-se também a desembolsar 19,5 milhões de dólares para, durante cinco anos, apoiar o Registo Civil e Estatísticas Vitais. Neste contexto, foi assinado, na quarta-feira (04), em Maputo, um acordo entre Canadá e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

@Verdade

“SE NÃO ACREDITASSE NA JUSTIÇA NÃO VIVIA EM ANGOLA” - Eva Rap Diva



A conhecida cantora angolana Eva Rapdiva disse acreditar que haverá justiça em Angola.

“Se não acreditasse nisso não vivia em Angola”, disse a conhecida cantora que falava no programa Angola Fala Só nesta sexta-feira, 6.

Num animado programa em que a cantora respondeu a questões colocadas por telefone e através das redes sociais, Eva Rapdiva disse que o seu novo álbum deverá ser colocado no mercado ainda este ano.

A cantora deverá, antes disso, começar a realizar espectáculos novamente, tendo um previsto para meados deste mês em Benguela.

Eva Rapdiva disse que o facto de ter estado ausente dos palcos não se deve “a nenhum boicote ou nada que se pareça”.

“Fui eu que decidi trancar a minha agenda para trabalhar no álbum”, afirmou, acrescentando ainda não ter sido excluída de canais de televisão ou rádio.

A cantora tinha rejeitado alguns convites porque decidiu que iria à televisão “quando tivesse coisas novas para promover”.

“Eu podia fazer um discurso para dizer que estou a ser boicotada para passar-me por vítima como muitos cantores pseudo-revolucionários às vezes fazem, mas não é isso que se está a passar”, afiançou.

A cantora disse compreender porque muitas pessoas tenham reagido de forma antagónica às suas declarações “devido à ignorância sobre o qu e a liberdade de expressão”.

“Houve certas coisas que aconteceram que eu não tornei públicas porque não me escandaliza, pois já sabia que isso ia acontecer”, afirmou, esclarecendo que "da parte das rádios não conheci essa exclusão” e que ainda não começou a promover o seu novo álbum”.

“Só vou poder falar disso dentro de um a dois meses e se assim for eu direi abertamente se estou ou não a ser excluída”, prometeu.

Interrogada sobre o activista Luaty Beirão que foi recentemente condenado a uma pena de prisão por alegada tentativa de golpe de Estado e o seu valor enquanto intérprete de rap, Eva Rapdiva disse que “Luaty Beirão é mais relevante como activista do que rapper, mas é um bom rapper”.

A cantora adiantou estar convencida que os activistas deste caso serão libertados em breve porque o caso contra eles “não tem ponta por onde se lhe pegue”.

Para Eva Rapdiva, a justiça será eventualmente feita nas instâncias jurídicas mais altas.

A cantora disse ainda haver injustiças todos os dias, mas acredita que haverá justiça em Angola

“Tenho que acreditar que em Angola vai haver justiça porque se não não vivia aqui”, afirmou a cantora, para quem em Angola "não há hospitais públicos".

“Temos coisas em que se deitam pessoas como se fossem animais”, concluiu Eva Rapdiva.

Voz da América, em Angola Fala Só

CABINDA, O CONTRASTE DE UMA NAÇÃO



A primeira vez que eu ouvi falar de Cabinda foi em numa aula de geografia no ensino médio no Brasil. A aula era sobre geopolítica no território africano e como é de praxe nós estudávamos sobre como a África era riquíssima em recursos naturais e com boa qualidade do solo para agricultura e, ao mesmo tempo, tinha a maioria da sua população vivendo em situação de extrema pobreza.

Marcelo de Medeiros*

Cabinda aparecia em uma espécie de rodapé do livro e ressaltava como a região era rica em petróleo, mas que era explorada basicamente pela ganância das petrolíferas estrangeiras e pelo próprio governo para financiar a vitória na guerra civil.

Cabinda é uma das regiões que tem o grande paradoxo dos países em desenvolvimento ao longo da história: são cidades ou províncias extremamente ricas, mas em que sua riqueza foi usurpada pelos colonizadores (ou pelas modernas multinacionais) e pela gananciosa elite local.

Foi assim na cidade de Potosí na Bolívia, riquíssima em prata e que foi explorada até a última grama desse valioso minério pelo império espanhol durante a colonização da América Latina entre os séculos XVI e XIX, deixando um saldo negativo de milhares de indígenas mortos devido às condições desumanas de trabalho e boa parte da população local na pobreza por causa do alto custo de vida derivada da actividade extractivista. Actualmente, Potosí é um das cidades mais pobres da região latino-americana.

A cidade brasileira de Ouro Preto também sofreu dessa atitude maléfica, pois todo o seu ouro e valiosos minerais foram drenados para Portugal e até hoje sofre os efeitos da super exploração e da desigualdade social advinda dessa prática colonialista.

Infelizmente, existem várias “Cabindas” ao redor do mundo, principalmente em África.

Actualmente, cerca de 70% das sociedades que vivem em situação de extrema pobreza no mundo possuem alguns factores em comum, sendo os dois principais a existência de uma guerra civil actual ou em um passado muito recente e a existência de recursos naturais que são explorados pela elite político-económica, aumentando ainda mais o abismo social entre a classe dominante e o restante da população. Lamentavelmente, Angola possui esses dois factores e isso explica em grande parte o desafio que o povo angolano terá para que o país cresça de forma justa e igualitária, ao mesmo tempo em que preserva o seu património natural.

Cabinda é o principal exemplo e reflexo dessa situação controversa já que a província garante a maior parte da produção de petróleo de Angola, principalmente na zona offshore, e possui boas reservas minerais, um óptimo solo para a agricultura e boas condições para a actividade pesqueira na costa da região. À primeira vista, quem lê a descrição da província pensa que por causa de toda essa riqueza de recursos ela é desenvolvida e detém excelentes índices de qualidade de vida, mas a realidade está bem distante desse quadro.

A abundância de recursos naturais contrasta com a falta de educação, saúde, segurança e empregos para a população, além dos graves impactos ambientais causados pela actividade petrolífera. Ao pensarmos nos motivos pelos quais a região tão rica de Cabinda possui uma população tão pobre em sua maioria, infelizmente chegamos à conclusão de que também existem duas outras coisas em abundância na província angolana: violência contra a população e corrupção no poder político-económico.

Mesmo alguns anos após o fim “oficial” da guerra civil em 2002, milhares de soldados angolanos permaneciam em Cabinda e praticavam crimes contra a população civil como práticas de torturas, detenções arbitrárias, casos de estupro contra mulheres, dentre outras barbaridades conforme relatos da divisão africana da Human Rights Watch. A intolerância política por meio da força policial também é vista nos casos de repressão em manifestações e comícios populares, além das prisões arbitrárias e aparentemente sem fundamentos de pessoas dissidentes do actual governo.

Tal brutalidade, característica de uma ditadura e não de um Estado democrático e que está presente em todo o território angolano, foi duramente criticada em um relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, no qual se relata várias violações dos direitos humanos praticados pelo governo angolano. Dentre as prisões absurdas praticadas pelo regime do presidente José Eduardo dos Santos, destaca-se a do jornalista Rafael Marques que fez grandes investigações denunciando esquemas de corrupção ligando o presidente e sua família com empresas petrolíferas.

Vale ressaltar também que existem outras formas de violência além das físicas: um jovem angolano ser privado de estudar e trabalhar, o alto custo de vida de Cabinda, a má qualidade do sistema de saúde e todas as privações que a população sofre constantemente são também formas de violência, e essas, caros leitores, podem ter efeitos devastadores para o futuro de uma nação.

O segundo ponto é o mais importante: a corrupção, alimentada pela exploração e comercialização do petróleo, é quem alimenta toda essa repressão e desigualdade social. Toda a máquina de influência política e repressiva do actual governo, e obviamente a manutenção do poder do actual presidente, é financiada maioritariamente pela petrolífera estatal Sonangol, que detém a concessão para a produção de petróleo no país e que cede à petrolíferas internacionais a operação em vários blocos, por meio de grupos empresariais empreiteiros.

Desde o começo da exploração do petróleo em Angola as empresas estrangeiras se fazem presentes na actividade ganhando lucros inimagináveis às custas de acordos com o Estado, enquanto o país vivia uma sangrenta guerra civil em boa parte do tempo. Não foi à toa que as primeiras grandes reservas deste combustível fóssil foi descoberta pela empresa americana Gulf Oil em Cabinda no ano de 1966. De lá para cá esta relação “amigável” entre multinacionais estrangeiras e governo vem se intensificando cada vez mais gerando receitas financeiras vultuosas para ambas as partes.

Um caso emblemático de como as petrolíferas estrangeiras tem poder quase absoluto na região de Cabinda é o da petrolífera Chevron. A situação foi muito bem retratada pelo jornalista Carlos Narciso em 2005, o qual descreve como a multinacional era praticamente dona da área do Malongo, onde sua base administrativa e de armazenamento dos tanques de crude era patrulhada até por um batalhão policial e duas unidades militares (essas forças não deveriam cuidar da segurança da população em vez de vigiar barril de petróleo?). A Chevron também detinha o poder na zona marítima, na qual era proibida até a actividade pesqueira da população. Um verdadeiro absurdo e caso concreto de como a indústria do petróleo angolana não beneficia a sua população.

No fim de 2011, a Sonangol concedeu a algumas empresas petrolíferas o direito de explorar a camada de pré-sal angolano em 11 blocos por meio de contratos. Estima-se que com a exploração do pré-sal a vida útil das reservas de petróleo no país foi aumentada para 50 anos. Se a situação permanecer assim, serão mais 50 anos de exploração estrangeira com várias regalias.

Uma das empresas que ganhou concessão para a exploração de 4 blocos do pré-sal foi a BP, a mesma empresa que causou o maior desastre ambiental dos EUA pelo derramamento de petróleo no Golfo do México em 2010. Num país que possui uma fiscalização ambiental frágil e os órgãos estatais são alinhados com as multinacionais, tal facto desperta certa apreensão, pois o método de extracção de petróleo nessa camada exige uma tecnologia avançada e qualquer erro que ocasione um vazamento será de grandes proporções negativas.

Talvez um dos maiores exemplos de como funciona o esquema de corrupção para a exploração de petróleo em Angola é o caso da Cobalt. Em 2012, a petrolífera norte-americana descobriu uma enorme reserva de petróleo na zona marítima do país e como condição imposta pelo governo angolano, a Cobalt recebeu o direito de exploração contanto que mais 2 pequenas empresas angolanas participassem da operação.

Uma empresa era a Nazaki oil and gás, cujo capital em parte pertencia à Manuel Vicente – actual vice-presidente de Angola – e a dois generais próximos do presidente Eduardo dos Santos.

Precisa falar mais alguma coisa? Corrupção pura! Este caso de corrupção está sendo investigado pela agência reguladora dos mercados financeiros dos Estados Unidos. A Cobalt alega que não sabia de nada.

A corrupção parece estar inserida em todo o sistema político e económico de Cabinda. No ano passado, fortes indícios de que a governadora da província, Aldina Matilde da Lomba Catembo, estava promovendo o enriquecimento de familiares com fundos públicos, além de colocá-los em posições de alto escalão criando uma espécie de elite na região, fez com que a população exigisse sua exoneração imediatamente. Tais fundos que enriqueciam a família da governadora são alimentados por qual actividade económica? Actividade de exploração petrolífera.

É preciso urgentemente acabar com esse vínculo nefasto de corrupção entre governo e petrolíferas em Angola. A indústria do petróleo e todo o seu arcabouço estão colocando em perigo a real democracia e o desenvolvimento sustentável em Angola. O povo angolano precisa acordar para o assunto, virar a página da história e adoptar as fontes energéticas não poluentes, além de acelerar a diversificação da economia para sair desta situação tão lastimável, pois, com certeza, a população deste país tão belo e rico não merece passar por mais sofrimentos.

(*) Activista climático brasileiro e colaborador do ClimateTrackerProgram

Folha 8

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Brasil. O IMPEACHMENT COMO UMA ANTIRREVOLUÇÃO



O impeachment da presidenta Dilma é um capítulo dessa negação. Querem voltar ao estado anterior, à democracia patrimonialista

Leonardo Boff*, do Rio de Janeiro – Correio do Brasil, opinião

Sou um dos poucos que tem dito e repetido que a ascensão do PT e de seus aliados ao poder central do estado tem significado a verdadeira revolução pacífica brasileira que, pela primeira vez, ocorreu no Brasil. Florestan Fernandes escreveu sobre “A revolução burguesa no Brasil”(1974) que representou a absorção pelos empreendedorismo pós-colonial de um padrão de organização da economia, da sociedade e da cultura, com a universalização do trabalho assalariado, com uma ordem social competitiva e com uma economia de mercado de bases monetárias e capitalistas (cf.em Intérpretes do Brasil, vol 3, 2002 p. 1512).

Se bem repararmos, não ocorreu propriamente uma revolução mas uma modernização conservadora que alavancou o desenvolvimento brasileiro, mas não teve, o que é decisivo para se falar de revolução, de uma mudança do sujeito de poder. Os que sempre estiveram no poder, sob várias formas, continuaram e aprofundaram seu poder. Mas não houve uma mudança de sujeito do poder como agora.

Pois é isso, que a meu ver, ocorreu com o advento do PT e aliados com a eleição de Lula a presidente. O sujeito não é mais formado pelos detentores de poder, tradicional ou moderno e sempre conservador mas pelos sem-poder: os vindos da senzala, das periferias e dos fundões de nosso país, do novo sindicalismo, dos intelectuais de esquerda, da Igreja da libertação com suas milhares de comunidades de base. Todos esses, num longo e penoso processo de organização e articulação conseguiram transformar o poder social que haviam acumulado num poder político-partidário. Via PT operaram analiticamente uma autêntica revolução.

Superemos a visão convencional de revolução como um processo de mudança ligado à violência armada. Assumimos o sentido positivo dado por Caio Prado Jr em seu clássico “A revolução brasileira” (1966,p.16): “transformações que reestruturam a vida de um país de maneira consentânea com suas necessidades mais gerais e profundas, e as aspirações da grande massa de sua população que, no estado atual, não são devidamente atendidas, algo que leve a vida do país por um novo rumo”.

Pois foi isso que efetivamente ocorreu. Conferiu-se um novo rumo ao país. Lula presidente teve que fazer concessões à macroeconomia neoliberal para assegurar a mudança de rumo, mas abriu-se ao mundo dos pobres e marginalizados. Conseguiu montar políticas sociais, algumas inauguradas anteriormente de forma apenas inicial, mas agora oficiais como políticas de estado. Elas “atenderam as necessidades mais gerais e profundas que não haviam sido antes devidamente atendidas”(Caio Prado Jr.).

Enumeremos algumas de todos conhecidas como a Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos e as inúmeras universidades e escolas técnicas, o FIES e os diversos regimes de cotas para o acesso à universidade. Ninguém pode negar que a paisagem social do Brasil mudou. Todos, também os banqueiros e os endinheirados (Jessé de Souza) saíram ganhando.

Logicamente, herdeiros de uma tradição perversa de exclusão e de desigualdades gritantes, muita coisa resta ainda por fazer, particularmente no campo da saúde e da educação. Mas houve uma revolução social.

Por que nos referimos a todo esse processo? Porque está em curso no Brasil uma antirrevolução. As velhas elites oligárquicas nunca aceitaram um operário como presidente. Relacionada à crise econômico-política (que devasta a ordem capitalista mundial), uma direita conservadora e rancorosa, aliada a bancos e ao sistema financeiro, a investidores nacionais e internacionais, à imprensa empresarial hostil, a partidos conservadores, a setores do judiciário, da PF e do MP sem excluir a influência da política externa norte-americana que não aceita uma potencia no Atlântico Sul ligada aos BRICS, esta direita conservadora está promovendo a antirrevolução. O impeachment da presidenta Dilma é um capítulo dessa negação. Querem voltar ao estado anterior, à democracia patrimonialista, de costas para o povo, pela qual se enriquecem como no passado.

Além de defender a democracia e desmascarar o impeachment como golpe parlamentar contra a presidenta Dilma, importa assegurar a revolução brasileira, para a qual esperamos por séculos. Repito o que escrevi e vi num twitter:”Se os pobres soubessem o que estão armando contra eles, as ruas do Brasil seriam insuficientes para conter o número de manifestantes que protestarão contra”.

*Leonardo Boff, é articulista do Jornal do Brasil on line e escritor

Brasil. SENADORES APROVAM RELATÓRIO E GOLPE ESTÁ CADA VEZ MAIS PERTO



Entre os senadores que votaram “não”, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) chegou a criticar os “golpistas da Constituição”

Correio do Brasil, com Reuters e Agências de Notícias – de Brasília

A comissão especial do impeachment no Senado aprovou nesta sexta-feira parecer favorável à abertura do processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff. Aprovado por 15 a 5 votos, o relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) será agora submetido à votação no plenário do Senado na próxima quarta-feira. Se aprovado pela maioria dos senadores, a presidenta será afastada por até 180 dias.

Os senadores líderes do PP, Ana Amélia (RS), do PSC, Eduardo Amorim (SE), do PV, Alvaro Dias (PR), do PSB, Fernando Bezerra Coelho (PE), do PMDB, Waldemir Moka, do PSD, José Medeiros (MT), do DEM, Ronaldo Caiado (GO), do Bloco Parlamentar da Oposição (PSDB-DEM-PV), Ricardo Ferraço (ES), do PTB, Zezé Perrela, do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), do PR, Wellington Fagundes, do Bloco Moderador (PTB-PR-PSC-PRB-PTC), Magno Malta, do PPS, Cristovam Buarque, e do Bloco Parlamentar Democracia Progressista (PP-PSD), Gladson Camelli, apresentaram voto favorável ao relatório.

Ao votar “não”, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) criticou os “golpistas da Constituição” e comparou o atual processo deimpeachment a uma “infração de trânsito” que é punida “com a pena de morte”. A senadora Vanessa Grazziotin, do PCdoB, também apresentou voto contrário ao relatório, assim como o líder do PDT, Telmário Mota, o líder do governo, Humberto Costa (PE), e o senador Lindbergh Farias (RJ), na condição de vice-líder do PT.

Afastamento de Cunha repercute na Comissão

A senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) pediu a suspensão dos trabalhos da Comissão do Impeachment do Senado por causa do afastamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

– Ele foi afastado por desvio de poder no exercício de suas funções de presidente da Câmara. Recebeu denúnica contra Dilma por revanche. Há um processo com vários problemas, é nulo – afirmou a senadora.

O pedido foi negado pelo presidente da comissão, senador Raimundo Lira (PMDB-PB). Para ele, não cabe à comissão anular atos aprovados pelo Plenário da Câmara dos Deputados.

O senador Cassio Cunha Lima rebateu o pedido da senadora petista.

– É uma tentativa de obstruir – criticou.

Lima comentou ainda o afastamento do presidente da Câmara, dizendo que a bancada apoia a decisão do Judiciário.

– É sim uma intromissão no Legislativo, porque, às vezes, é preciso arrombar a porta para resolver situações graves. Apoiamos sim essa decisão – disse.

Encerrada as fases de questões de ordem, iniciou-se o encaminhamento dos líderes. A primeira senadora a falar foi Ana Amélia (PP-RS).

Brasil. O EXEMPLO: A VOZ NEGRA DO RIO GRANDE DO SUL



“Na verdade a mão escrava
Passava a vida limpando
O que a mão branca sujava”  ( Gilberto Gil / A mão da limpeza)
  

Lutando por justiça, inclusão social e combate ao racismo, um periódico marcou sua presença de forma indelével na imprensa gaúcha, sendo o porta-voz da comunidade afrodescendente no estado: “O Exemplo” (1892-1930).

O semanário, que trazia como subtítulo “Jornal do Povo”, foi criado no Salão de Barbeiros Calisto, na Rua dos Andradas, conhecida como Rua da Praia, nº 247. No seu primeiro número, em seu editorial, “O Exemplo” apresentou a sua proposta:

“O nosso programa é simples e podemos exará-lo em duas palavras: a defesa de nossa classe e o aperfeiçoamento de nossos medíocres conhecimentos”.

Este importante periódico, fundado em 11 de dezembro de 1892, traz como diferencial o fato de ser criado e dirigido, exclusivamente, por negros, embora aceitasse a contribuição de intelectuais brancos em sintonia com seu caráter democrático e aberto à discussão. Circulando aos domingos, este semanário teve a sua frente, entre outros nomes, Arthur de Andrade (redator e editor), Esperidião Calisto (redator), Tácito Pires (redator), Alcibíades A. dos Santos (redator). Ainda, na “comissão de redação”, merecem registro os nomes dos irmãos Sérgio de Bittencourt e Aurélio de Bittencourt Júnior, que eram filhos do grande jornalista e escritor Aurélio Veríssimo de Bittencourt.  Entre 1920 e 1930, em sua fase final, destacou-se, como diretor, Dario de Bittencourt.   

De acordo com o historiador Marco Antônio Lírio de Mello, na Revista “Ponto & Vírgula” de novembro de 1986:

“Nascida da persistência e do idealismo de um punhado de operários gráficos negros, barbeiros, pedreiros, alfaiates, homens comuns, essa imprensa deu visibilidade e reforçou uma nova identidade que estava em construção, enquanto afro-brasileiros. Mantida por colaboradores que nem sempre saíram do anonimato, assinantes que a sustentaram durante décadas a fio, fizeram algo de inédito e de muito especial na história dos subalternos no Brasil –que foi pensar, sistematicamente, a si próprios enquanto grupo étnico, enquanto cidadãos, e enquanto constituintes de uma identidade nacional”.

Em sua primeira fase, “O Exemplo” circulou até 1897, retornando em 1902. Durante sua existência teve outras interrupções, encerrando a sua circulação, em definitivo, no primeiro semestre de 1930. Em sua última fase de 1916 a 1930, “O Exemplo” incentivou jovens autores, publicando textos de Reinaldo Moura, Dante de Laytano, Augusto Meyer, Walter Spalding e Breno Pinto Ribeiro, entre outros nomes, que, atualmente, fazem parte da galeria de honra dos nossos historiadores e literatos.

Na luta pela afirmação dos afrodescendentes, o periódico tinha uma índole integracionista.  Entre 1908 e 1911, “O Exemplo” passou a defender os trabalhadores, em geral, o movimento operário e o sindicalismo. O jornal se constituiu no porta-voz dos negros, dos mulatos e “pardos”, considerado como um dos periódicos mais engajados no combate contra a discriminação racial no Rio Grande do Sul,  constituindo-se numa referência histórica do Movimento Negro no Brasil.
   
A diversidade de temas abordados torna a sua leitura obrigatória a todos que se dedicam à pesquisa sobre o negro no Rio Grande do Sul. Do racismo à religião, o jornal trazia matérias importantes, contemplando aspectos sociais, políticos e culturais da comunidade afrodescendente.
                                                           
No ano de 1902, o jornal criou a Escola O Exemplo. Esta funcionava à noite, e seus professores ministravam o ensino primário, com exceção do ensino religioso, pelo fato que o jornal pregava a liberdade de culto. A escola contou com a presença de Felippe Eustáchio, Victal Batista, Esperidião Calisto, Tácito Pires e Arthur Rocha.

Quanto ao preconceito, em relação à prática dos cultos de matriz africana, no dia 13/11/1902, o jornal estampou, em suas páginas, a matéria com o título “Batida Nojenta”:

“Um acto de violência inqualificável foi o que a polícia administrativa praticou na noute de 5 do corrente, pelas 11 horas da noute invadindo criminosamente o prédio 94 da rua Fernando Machado, onde alguns moradores entregavam-se a officios de seu culto, e conduzindo não só a estes como aos demais moradores e vizitantes, até o posto policial”.

“O Exemplo”, enquanto espaço de memórias negras, tornou-se um mecanismo de reapropriação da memória e da história do passado do negro em Porto Alegre. No edital do seu primeiro número, em 11 /12/1892, registrou:

“Se não conseguirmos o alevantamento da nossa classe, ao menos não a deixaremos jazer no pó do olvido”. 

Segundo as pesquisas da historiadora e doutora Maria Angélica Zubaran, da ULBRA, o final da década de 1910 foi marcado por tensões raciais nos locais de trabalho, confrontos na rua e ocasionalmente por revoltas, a exemplo da “Revolta da Chibata”, liderada pelo negro gaúcho João Cândido (1880-1969), em novembro de 1910, no Rio de Janeiro, devido aos castigos corporais aplicados nos marujos em sua maioria pobres e negros.

Dentro deste contexto de denúncias, entre outras matérias, “O Exemplo”, de 1º de maio de 1910, trouxe a público a “Roda dos Expostos” da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, devido à forma como eram tratadas as órfãs e acusou o Juizado de Órfãos de agências de escravos como registra o trecho abaixo:

(…) “convertendo, de vez em quando, a Roda dos Expostos em depósito de crias e o juizado de Órfãos em agência de consignação de escravos, onde sob o embuste de padrinho ou tutor, (…) são adquiridos rapazinhos para copeiros, rapariguinhas para “criadas de dentro” e cozinheiras, enfim, para todo o serviço ( até para mulher dos patrões)” (…).

No editorial de 02 de janeiro de 1928, em sua última fase, “O Exemplo” expõe o seu ideário:

“O Exemplo surgiu não com o único escopo de dar combate ao preconceito de cores, mas colimando um fim ainda mais grandioso, que envolve o máximo interesse da comunhão brasileira: o combate ao analfabetismo, pregando aos nossos símiles a necessidade primordial de fazerem da Instrução seu lábaro sagrado, a companheira inseparável da sua existência, porque conquistando-a estará conquistando o nivelamento indispensável para que todos, identificados nos mesmos superiores ideais de grandeza da Pátria, trabalhem de mãos dadas e sem tolas preocupações de cores, pela consecução desses sublimes e formosos ideais!”

 “O Exemplo”, como outros periódicos que se inserem no conceito de Imprensa Negra, denunciava os problemas vivenciados pela comunidade afrodescendente após Abolição, revelando o seu cotidiano e opiniões acerca de questões políticas, culturais e econômicas.  Temas, ligados ao custo de vida, ao desemprego, à saúde, à educação, à violência policial e às mobilizações contra o racismo e a exclusão social, estão presentes nas páginas deste semanário combativo e comprometido com os interesses e os anseios de significativa parcela da população.

Fonte de pesquisa indispensável para estudantes, pesquisadores, historiadores e profissionais afins, “O Exemplo” aborda, em suas páginas, questões fundamentais ligadas à luta dos afrodescendentes, em prol da cidadania, após uma abolição que trouxe a liberdade a uma imensa população de escravizados. Infelizmente, esta liberdade trouxe consigo a marca da exclusão social, do preconceito - aliado ao estigma da escravidão-, maquilado pelo discurso da chamada “Democracia Racial”.

Uma parte dos originais, da coleção de “O Exemplo”, encontra-se sob a guarda do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa que, em setembro de 2016, completará 42 anos de existência, em Porto Alegre (RS), prestando valoroso serviço à comunidade cultural dedicada à pesquisa historiográfica.

Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=FPfWe69Tspc Estudo do Prof. Ms. Roberto dos Santos da ULBRA sobre imprensa negra no RS.

*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Musecom

Bibliografia
MARÇAL, João Batista. A imprensa operária do Rio Grande do Sul (1873-1974). Porto Alegre: [s.n.], 2004
MIRANDA, Marcia Eckert; LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Jornais raros do Musecom: 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.
MÜLLER, Liane Susan. As contas do meu rosário são balas de artilharia: irmandade, jornal e sociedades negras em Porto Alegre 1889-1920. Porto Alegre, 1999. Dissertação de Mestrado. PPGH/PUCRS.
SILVEIRA, Oliveira. Três coleções preservam jornal da comunidade negra. CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 8 out 1972, p. 22.
SILVA, Jandira M.M. da; CLEMENTE, Ir. Elvo; BARBOSA, Eni. Breve histórico da imprensa sul-rio-grandense. Porto Alegre: Corag, 1986.
ZUBARAN Maria Angélica. Comemorações da liberdade de memórias negras diaspóricas. Anos 90 / Revista do Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre, v.15, n. 27, Ed. UFRGS, 2008.

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