sábado, 26 de abril de 2025

Porque vão ao funeral de Francisco? -- Pedro Tadeu

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias, opinião

Quem disse isto?: “Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento! A necessidade que cada povo sente de garantir a sua própria defesa não pode transformar-se numa corrida generalizada ao armamento”. 

Não, não foi um presumível putinista infiltrado na comunicação social ocidental para espalhar alegada “desinformação”.  

Não, não foi um suspeito de simpatias pelo grupo terrorista Hamas a tentar sabotar o genocídio em Gaza, cometido pelo governo de Israel.  

Não, não foi Paulo Raimundo, líder do PCP, a falar num debate contra a NATO com argumentos desdenhados pelos seus oponentes, que os comparam a frases de uma qualquer Miss Mundo. 

Quem disse estas palavras, na sua última intervenção pública antes de morrer, foi o Papa Francisco, um homem que mesmo para ateus, como eu, deixa uma memória muito positiva.  

Durante os seus 12 anos de papado ele defendeu várias ideias semelhantes às que eu penso serem imprescindíveis para que a vida humana neste mundo melhore. Por exemplo? Ele denunciou a “economia que mata”, defendeu a tolerância à diferença, esteve do lado dos pobres, do trabalho digno, dos imigrantes, da ecologia do planeta Terra, do fim de todas as guerras, da prevalência de uma diplomacia pela paz. Subscrevo. 

No próprio dia da morte do Bispo de Roma, o primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, emitiu uma nota de pesar em nome do governo onde diz que “Francisco foi um Papa extraordinário, que deixa um singular legado de humanismo, empatia, compaixão e proximidade às pessoas” e que “a melhor forma de honrar o seu tributo será seguirmos no dia a dia, nas nossas diferentes atividades, os seus ensinamentos e o seu exemplo”. 

Dois dias depois o Governo de Portugal anunciou em comunicado que pediu à Comissão Europeia para poder gastar mais dinheiro em Defesa sem que essa despesa conte para os limites do défice. Foi mesmo noticiado que esse pedido tinha sido feito após o maior partido da oposição, o PS, ter dado o seu acordo à iniciativa.  

A louca corrida armamentista que nos coloca no palco de uma possível III Guerra Mundial com armas nucleares, lançada pela Comissão Europeia e pelos governos das maiores potências europeias, avança assim no nosso país, paulatinamente, sem debate público sério, sem ponderação política serena e transversal a todas as tendências políticas, sem estudos económicos profundos, sem assegurar a soberania das decisões militares do país, sem reanálise do papel geoestratégico de Portugal no mundo, e, claro, sem haver sequer um tentativa de avaliação moral deste tipo de decisões. 

Conclusão? Quando Luís Montenegro, diz ao país que devemos seguir os “ensinamentos” e “exemplo” do papa Francisco, numa formulação semelhante à de muitos outros políticos, de André Ventura a Pedro Nuno Santos, está, como todos os autoproclamados admiradores do Papa que defendem a corrida aos armamentos, a ser lamentavelmente hipócrita.  

Esta gente, que tanto diz venerá-lo e que até insinua ser condenável festejar, durante as exéquias no Vaticano, o 25 de Abril em Portugal, contraria tudo o que Francisco disse, escreveu, pensou e orou.  

Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros vão a funeral do Papa. Porquê? Esta gente trai Francisco, trai a fé católica que bate no peito, nada faz pela paz e até paga, com dinheiro que não há, para poder fazer a guerra. Que vão lá fazer?  

* Jornalista | Imagem EPA

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