domingo, 31 de julho de 2016

A ONGNIZAÇÃO DAS PERIFERIAS



Rui Peralta, Luanda 

Com a imposição, por parte do FMI, do “Ajustamento Estrutural”, os governos cortaram despesas públicas nos sectores da saúde, educação, assistência a crianças, etc., abrindo as portas para as ONG`s entraram. A privatização da vida económica também significou a ONGnização da economia e da política social. Os empregos e meios de subsistência desapareceram? Eis as ONG`s, uma importante fonte de emprego!

Certamente que nem todas se regem pela mesma bitola. Dos milhões de ONG`s existentes na economia-mundo, algumas fazem um trabalho notável e seria caricato e irrealista pintá-las todas com o mesmo pincel e da mesma cor, ou com ligeiras variações. No entanto, é bom não esquecer e ignorar, que muitas ONG`s são um instrumento para desestabilizar, comprar e infiltrar os movimentos de resistência, exactamente da mesma forma que os accionistas compram acções de empresas, e em seguida tentam controlá-las a partir de dentro. Funcionam como nódulos do sistema nervoso central, os caminhos ao longo dos quais fluem as finanças globais. São transmissores, receptores e amortecedores, um alerta para cada impulso, cuidadosas e suficientemente diplomáticas para não irritar os governos dos seus países de acolhimento (não é por acaso que a Fundação Ford, por exemplo, exige que as organizações que financia assinem um compromisso com essa finalidade).

Servindo como postos de escuta, produzindo relatórios, workshops e outros dados de alimentação de actividade, movimentando-se num elaborado sistema de vigilância, as ONG`s operam no terreno de forma mais ou menos discreta, conforme a sua actividade seja consciente da sua função ou inadvertida (infiltrada). O seu numero numera determinada área é determinado pela conturbação, ou seja, quanto mais conturbada uma área for, maior será a quantidade de ONG`s. 

Um dos focos principais da sua actividade (um dos seus nichos de mercado) é o da “indústria dos direitos humanos”, um discurso cujo objectivo é a utilização dos direitos humanos para actividades de desestabilização politica, recrutamento, vigilância, propaganda e contra-informação, além de permitir uma análise baseada em atrocidades, onde o factor principal é bloqueado. Focam as atrocidades e as violações primárias com o objectivo não de denunciar mas de encobrir as causas. Desta forma contam-se estórias que nos põem com uma lágrima no canto do olho e afastam-nos da História e da realidade do presente.

Também o movimento feminista foi objecto deste discurso. Na década de 60 estes movimentos revelaram incapacidades diversas em acompanhar a radicalização das mulheres no sentido das lutas anti-imperialistas e anticapitalistas. Uma forte corrente do movimento feminista caminhou neste sentido mas muitas outras tendências não o fizeram, deixando o movimento fragilizado e tendente a divisões, o que foi aproveitado, de forma genial, pelas fundações dos oligopólios e pelas ONG´s. A ONGnização do movimento das mulheres fez do feminismo liberal ocidental (a “marca” mais vendida) o porta-estandarte do feminismo. A batalha jogou-se sobre o corpo das mulheres, resumindo-se a posições de liderança, burcas e moda feminina. Para trás ficaram as mulheres trabalhadoras, a luta surda contra o patriarcado no seio da família patriarcal, os direitos no trabalho, o acesso ao mercado, a violência contra a mulher (abordada sempre de forma muito inconsequente e baseada na agressão física, nas marcas no corpo) e outras formas de exploração da mulher.

Para as ONG`s, através do seu discurso anódino, tudo é assunto particular, profissionalizado, de interesse especial. Neste âmbito, o desenvolvimento comunitário, liderança, direitos humanos, saúde, educação, direitos reprodutivos, AIDS, órfãos com AIDS é marcado e encerrado no seu próprio espaço, para melhor ser rentabilizado o financiamento atribuído. Questões sociais como a pobreza, a miséria, a precariedade, tornam-se - através do discurso insalubre do ONGnismo - um problema de identidade (a exemplo do feminismo), como se os pobres não fossem obra da injustiça, mas uma tribo perdida que só se limitou a existir e pode ser resgatada em pouco espaço de tempo por um sistema de alívio à injustiça (administrado pela ONG e pelo seu “activismo”), no âmbito da politicamente correcta “boa governação”.

ONGnizados, os pobres, as mulheres, os trabalhadores, as vítimas da guerra, da fome e da miséria, as vítimas do abuso, as vítimas do desrespeito pelos direitos humanos, assumem o seu lugar nos mercados periféricos da economia-mundo…

São Tomé e Príncipe. DOIS EM UM NA CULINÁRIA E NA POLÍTICA. CAMBALACHO À MISTURA



Um trabalho de Paulo Jorge Agostinho da Agência Lusa, sobre culinária santomense fundida com a de Portugal, num único prato, abriu-me o apetite para um breve preâmbulo político-culinário. O artista da fundição dos dois sabores e saberes em um é o chefe João Nunes, isso na culinária. Porém existe em São Tomé e Príncipe um chefe político que também se dedica ao dois em um, é o atual primeiro-ministro Patrice Trovoada, perdão, já há quem lhe chame Patrice Cambalacho Trovoada. Mas isso são dizeres e humores de santomenses a viverem em Lisboa e arredores.

Enquanto um português em São Tomé e Príncipe procura na culinária fundir num só prato a culinária de Portugal e daquele país africano, há, na política, um “chefe cozinheiro” (ou mais) que procuram fundir os poderes do governo com os da Presidência da República, aliando-se a uma salada que se transformou em caldeirada por via da cumplicidade do justicialismo. Tudo isso para obterem por resultado um prato único chamado Cambalacho Trovoada, com condimentos Pau para Toda a Obra Evaristo Carvalho. Também aqui os dizeres e sabores santomenses adendam Evaristo Cambalacho Carvalho. Mas isso é lá com eles. Afinal, tudo na mesma família. Paparoca da boa para uns e o rebentar de fome para outros. E já os odores a petróleo se manifestam como causa e prato principal logo que estejam prontos a servir... cifrões.

E pronto. Acaba aqui este pitéu regado com ironia e previsões que a confirmarem-se nos farão voltar à mesa. A esta mesa, se assim entenderem.

Mário Motta / PG

'Chef' português tenta fundir São Tomé e Portugal num único prato

Paulo Jorge Agostinho, da agência Lusa

São Tomé, 31 jul (Lusa) - Na capital são-tomense, João Nunes tenta unir na mesa o que de melhor tem o país onde vive com a tradição gastronómica portuguesa, procurando aproveitar a procura dos turistas de novas experiências.

À frente do restaurante Cinco Sentidos, João Nunes junta carnes portuguesas com acompanhamento tipicamente são-tomense, francesinhas com banana-pão ou pernas de polvo panadas com açafrão, num projeto que é também uma tentativa de beneficiar da riqueza cultural dos dois países.

A tradição gastronómica de São Tomé e Príncipe é fortemente marcada pela herança colonial. O azeite, o alho e os grelhados são comuns nos pratos são-tomenses, mas João Nunes procura inovar, mantendo o que de melhor tem o país, também porque o custo dos bons ingredientes é muito elevado.

Em São Tomé e Príncipe, caso se opte por ter propostas gastronómicas ocidentais, acabará por ser "uma cozinha que não é barata" porque "tudo é importado", explica o jovem 'chef', com pouco menos que 30 anos, que deixou o Porto para investir no restaurante.

"Ao contrário de outros países, São Tomé e Príncipe é um país muito virgem e ainda se conseguem ver coisas que não se conseguem ver em mais lado nenhum do mundo, a nível de paisagem, de praias, de plantas endémicas, animais extraordinários. Isso faz com que São Tomé seja especial", afirma.

Um dos seus pratos de marca é o puré de fruta-pão. "Toda a gente frita, toda a gente coze mas eu gosto é do puré. Não é nenhum truque, é cozer em água e fazer puré. Quanto mais macio ficar, melhor é", explica o cozinheiro, que destaca a qualidade e diversidade do pescado e de fruta do país.

"São Tomé tem produtos magníficos: o peixe azeite, o peixe andala, o vermelho. Sete ou oito qualidades de banana, baunilha e açafrão", enumera.

No entanto, a riqueza e diversidade não se refletem na atratividade turística porque ainda há muito por fazer, reconhece João Nunes, que aponta o elevado custo de vida e das viagens como os principais obstáculos.

"Há outros países que oferecem muito mais por menos preço e isso influencia" na escolha do turista.

"São Tomé é um destino lindíssimo e adoro este país. Mas como turista, se viesse de férias, acho que teria dez países à frente com mais serviços", diz, salientando que "faltam mais bares e mais restaurantes" que ofereçam diversidade.

Apesar disso, João Nunes tem sentido "mais dinheiro a circular", sinal da presença de expatriados e de turistas, até porque os 'resorts' não satisfazem em absoluto quem visita o país.

"Os hotéis tentam ficar com as pessoas, o que é normal", mas "um turista que vem oito dias para São Tomé e não sai do hotel não consegue conhecer o país", diz.

PJA // VM

São Tomé e Príncipe. O ESPREITAR DA DEMOCRACIA A ACONTECER



Brany Cunha, Lisboa – Téla Nón, opinião

Um país em que um político com cerca de 20 anos de poder continua a almejá-lo um outro que todos garantem ser pau mandado, embora o negue veementemente, também o quer e imagine-se lá uma mulher em pleno século XXI também entrou na luta. Neste caso particular, pode não ser por obra do acaso, nem baseado num qualquer programa de emancipação do sexo feminino, mas talvez apenas porque as mulheres também podem e têm o direito de se candidatarem ou então simplesmente parte de uma nova moda, já que no todo poderoso Estados Unidos da América uma mulher está também na corrida à presidência.

No entanto, é em São Tomé e Príncipe que as coisas acontecem. Lá entraram em jogo das eleições uma tal Comissão Eleitoral Nacional, que devia ser o primeiro garante do bom funcionamento do processo eleitoral, e um tal poder assumido como independente denominado Tribunal Constitucional para baralhar tudo e deixar a situação política do país mais confusa do que nunca. Primeiro, vem um que diz que o processo está concluído à primeira volta e que temos um vencedor. A seguir, o mesmo reaparece e desdiz-se quando aventa que afinal não houve vencedores nem vencidos e que se calhar pode haver uma segunda volta. Depois, vem o outro que garante que sim, teremos uma segunda volta.

Perante tudo isto, enquanto eleitor no meio de tanta reviravolta, ainda procuro entender como decorreu todo o processo eleitoral e imagino que a maioria dos são-tomenses também estarão a tentar fazê-lo. Para complicar ainda mais, aqueles senhores que vieram com pompas para vigiar as eleições, os tais observadores internacionais, fizeram uma comunicação ao público em que basicamente não disseram nada. A frase que toda a gente queria ouvir era: “as eleições foram justas e transparentes”, no lugar disso, ouvimos qualquer coisa como “decorreram conforme a carta africana da democracia, blá blá blá”.

No final das contas houve reclamações aqui e acolá e parece que uma vez mais o “Banho”, ou a compra de consciência, continua a dominar quando já vamos em mais de duas décadas de democracia. Essa pode ser para já uma das conclusões, tendo em conta que, logo após a divulgação dos resultados preliminares, tanto o segundo mais votado como o terceiro uniram-se num pedido conjunto de impugnação do pleito. Essa ilação é ainda reforçada pela mea culpa da Comissão Eleitoral Nacional, que ao mesmo tempo que tentou negar a sua propalada incompetência para conduzir todo o processo reconheceu que houve algumas irregularidades.

Mas há outra vertente a ser considerada, que nos remete para o pensamento de que se calhar não houve na verdade algo de significativo que pudesse beliscar os resultados do escrutínio. É a razão defendida pelo Tribunal Constitucional, que não só fixou a segunda volta para 7 de Agosto como indeferiu liminarmente o recurso de impugnação intentado pelos segundo e terceiro classificados no apuramento geral de votos.

Em que ficamos afinal? Houve ou não fraude? Pode o candidato Evaristo de Carvalho ir sozinho à segunda volta de acordo com o n.º 15.º da Lei Eleitoral?

Já enraivecido com a forma que tudo isto ganhou, o segundo classificado Manuel Pinto da Costa, o tal político são-tomense com 20 anos de poder e que almeja continuar a tê-lo, já garantiu publicamente que se retira da corrida. Pinto da Costa diz que “participar num processo eleitoral viciado seria caucioná-lo”, só que, de acordo com a Lusa, parece que a candidatura do mesmo esqueceu-se de formalizar a sua retirada junto do Tribunal Constitucional, o que o configura ainda candidato à segunda volta. Será que foi mesmo esquecimento?

Já o “pau mandado de Patrice”, (vêdê-cu-mintxila), não sei se é mesmo verdade, estou a falar de Evaristo de Carvalho, já começou a sua campanha para a segunda volta. Foi à roça histórica de Batepá tentar continuar a convencer os são-tomenses de que afinal é um homem independente que pensa pela sua cabeça. Ou seja, que não é controlado pelo primeiro-ministro Patrice Trovoada e o mais importante que é o homem certo para comandar os destinos do país. Por fim, a tal senhora que queria o título de primeira mulher são-tomense a ganhar uma corrida presidencial, ou seja, Maria das Neves.

Vai ter de se contentar apenas com o rótulo de segunda mulher são-tomense a tentar atingir tamanho feito, mesmo que nos Estados Unidos da América as coisas pareçam estar bem encaminhadas para a democrata Hillary Clinton. Digo bem encaminhadas porque nunca se sabe, não venha o Trump convencer o equivalente à Comissão Eleitoral Nacional e o Tribunal Constitucional americano de que é ele o melhor para a América.

Depois do cambalacho*. ARRANCOU A 2ª VOLTA DAS PRESIDENCIAIS EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE



Arrancou na quinta-feira a campanha para a segunda volta das presidenciais em São Tomé e Príncipe prevista para 7 de agosto. Pinto da Costa e Evaristo Carvalho são os dois candidatos à mais alta magistratura são-tomense.

O nome de Manuel Pinto da Costa, que recusa participar nesta segunda volta pelas irregularidades e erros cometidos pela comissão eleitoral, vai mesmo constar dos boletins de voto no próximo dia 7 de agosto. O presidente cessante e segundo candidato mais votado na primeira volta recusa-se a fazer campanha mas terá mesmo pela frente Evaristo Carvalho, que por pouco não ganhou a presidência à primeira volta.

O pedido de impugnação requerido conjuntamente pelos candidatos Pinto da Costa e Maria das Neves, terceiro candidato mais votado, acabou por ser indeferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e, assim sendo, a eventual ilegalidade da primeira volta fica descartada.

Por seu turno, o candidato Evaristo Carvalho já iniciou campanha no centro-norte da ilha de São Tomé em Batepá, distrito de Mézóchi, um dos círculos eleitorais mais relevantes. O primeiro-ministro Patrice Trovoada voltou a reafirmar, em conferência de imprensa, a legalidade e a constitucionalidade da primeira volta.

Na última quarta-feira, o ministro dos negócios estrangeiros e das comunidades, Salvador dos Ramos, disse, no encontro com o corpo diplomático acreditado no país, que estão criadas todas as condições para a realização da segunda volta.

A polícia mobilizou cerca de 300 efectivos para salvaguardar a ordem e tranquilidade públicas. A campanha termina no dia 5 de agosto sendo o dia 6, o dia de reflexão.

RFI/Liliana Henriques

* Ligeira alteração do título original por PG

Cabo Verde: TRÊS CANDIDATOS EM LIÇA PARA AS PRESIDENCIAIS



Em Cabo Verde até agora são três os candidatos às eleições presidenciais de 02 de Outubro próximo. Entre os três candidatos está o Presidente cessante, Jorge Carlos Fonseca que tenta uma releição e beneficia de agora em em diante do apoio do Movimento para a Democracia (MpD), partido no poder na Praia. A eleição presidencial cabo-verdiana está prevista para o mês de Outubro.

  Três candidatos estão em liça para a eleição presidencial de Cabo Verde prevista para o dia 2 de Outubro, próximo. O primeiro a anunciar foi o ex-combatente da liberdade da pátria, Joaquim Monteiro, que nas eleições de 2011 foi o menos votado. Depois foi o actual Chefe de Estado, Jorge Carlos Fonseca a comunicar que vai tentar a reeleição. Junta agora na corrida ao renovado palácio do Plateau, o reitor da Universidade do Mindelo, Albertino Graça, que aceitou o desafio de amigos e vários académicos.

 O anúncio foi feito pelo núcleo de apoio à candidatura que inclui várias personalidades nacionais, entre as quais o poeta, diplomata e antigo presidente da câmara municipal de São Vicente, Onésimo Silveira e o esidente da Associação para a Regionalização de Cabo Verde, Camilo Abu-Raya.

Emanuel Spencer, porta-voz do grupo disse que a candidatura de Albertino Graça é de todos.

Albertino Graça é conhecido por ser próximo do PAICV, mas o partido dirigido por Janira Hopffer Almada tem estado a pressionar o ex-primeiro-ministro, José Maria Neves para avançar como candidato às presidenciais, sem sucesso até a data.

  O MpD e a UCID declaram o seu apoio à candidatura de Jorge Carlos Fonseca. Segundo o vice-presidente do Movimento para a Democracia(MpD), Fernando Elísio Freire, o actual Chefe de Estado, deu nos últimos cinco anos um " extraordinário contributo para o aprofundamento da democracia cabo-verdiana,graças à sua "imparcialidade" e "excelente" desempenho.

 De acordo com o calendário eleitoral divulgado pela Comissão Nacional de Eleições, as candidaturas devem ser registadas até o dia 3 de Agosto, no Tribunal Constitucional. A campanha para as presidenciais de 2 de Outubro, decorre entre 15 e 30 de Setembro.

RFI/Odair Santos

“SÓ A ALEMANHA LUCRA COM O EURO” - Erik Reinert



A teoria do desenvolvimento desigual, a história e política do pensamento económico e o papel do Estado no processo de desenvolvimento económico constituem o núcleo de investigação daquele que é considerado um dos mais conhecidos economistas heterodoxos, o norueguês Erik Reinert. Deu na universidade de verão do ISEG um curso com base no livro que escreveu um ano antes da crise financeira, “How rich countries got rich... and why poor countries stay poor”. Na penúltima página, previa o que viria a acontecer em 2008. É professor na Universidade de Talin, Estónia, do Instituto de Estudos Estratégicos da Noruega e fundou e dirige a Fundação Outro Cânone

Cristina Peres – Expresso

Escreveu o seu livro em 2007. Até que ponto mudou a dinâmica de enriquecimento e empobrecimento dos países?

É como diz Humphrey Bogart no filme Casablanca, “the fundamental things apply as time goes by”. A gravidade mantém-se. Escrevo no meu livro que era muito provável que estivéssemos à beira de uma crise financeira, já se sentia no ar uma desvalorização de ativos que se acentuaria. Se olharmos para a economia de muito longo prazo vemos que estes choques afetam a forma como os economistas pensam. Quando as coisas correm bem durante muito tempo a economia torna-se cada vez mais abstrata. Dá-se o choque e a economia desce uns tantos graus de abstração.

Porque faz uma aferição com a realidade?

Sim. Um economista de Minsk descrevia este mecanismo como “desestabilizar a estabilidade”: quando é preciso ir de casa ao aeroporto, calcula-se o tempo e corre tudo bem; depois cortam-se as margens e continua a dar até ao dia em que cai uma chuvada, o trânsito para e perde-se o avião. A estabilidade de longo prazo produz efeitos e esta é essencialmente a razão das crises financeiras. Mas é também através delas que se muda a economia.

A agir assim, toda a gente sabe que, um dia, perderá o avião. Qual é então o peso da previsibilidade das crises na sua prevenção?

É por isso que é tão importante conhecer a história e a economia perdeu o contacto com ela. O problema foi o movimento que surgiu a seguir à II Guerra Mundial que tornou a economia científica, o que significava usar matemática. Só que há coisas que a matemática não faz, não consegue avaliar as diferenças e mudanças qualitativas.

Quer dar um exemplo?

As atividades económicas são qualitativamente diferentes. Não dizemos a uma filha que deve seguir a carreira de lavar pratos por ser competente a fazê-lo em casa. E é muito difícil obter esta finura quando se escolheu a matemática como modelo. Em tempos de mudança, pensei que a crise financeira alteraria a economia, mas não aconteceu.

Significa que nos dirigimos para a crise seguinte?

Acho que será de tipo diferente. Se olharmos para a história da União Europeia antes e depois de 1989, antes e depois da queda do Muro de Berlim, há uma grande diferença. Antes havia a luta entre o mercado e o planeamento, direita e esquerda... olhamos para os anos 60, 70 e início de 80 e havia um compromisso pragmático e saudável entre os dois sistemas, havia equilíbrios e contrapesos e o capitalismo tinha o comunismo a espreitar sobre o ombro. Nunca pensei que viria a ter saudades do comunismo, um sistema horrível!

Funcionava como regulador?

O capitalismo tinha de produzir os bens porque não tinha alternativa, os salários não podiam baixar. Quando o comunismo desapareceu os mercados tomaram a liderança e os salários começaram a cair, o que não acontecia desde os anos 30.

Não é a isso que se chama globalização? E como lê o ‘Brexit’?

Num sentido, sim. Acho que o ‘Brexit’ vem mudar o jogo, foi uma chamada de atenção às elites para lhes dizer que nem tudo é brilhante como elas o veem. Acho que o ‘Brexit’ é uma espécie de movimento contrário.

Na máquina da União?

Mudei de opinião em relação à UE. É interessante verificar que os três países que nunca se tornaram membros da União — Suíça, Noruega e Islândia — nunca tiveram um regime feudal. Eram países com agricultores independentes donos das suas terras.

Está a identificar o feudalismo com o funcionamento da UE?

Subconscientemente, sim. Viu-se agora em Inglaterra a oposição entre as cidades e o campo. Na Noruega, as grandes cidades queriam a adesão à UE e o campo recusou. A Suíça esteve muito tempo rodeada por nações feudais e por isso o ponto chave da Constituição deles é a ausência de poder arbitrário. Além disso, o século XX foi o século da padronização. Henry Ford disse em 1909 que poderia ter um carro de qualquer cor desde que fosse preto. Em 1996 clonou-se a ovelha “Dolly”. Ou seja, a maior conquista científica passou a ser tornar tudo igual quando aquilo que define a natureza é precisamente a diversidade: há sete mil milhões de seres humanos diferentes. O projeto da UE parece-me muito baseado na padronização, logo é artificial.

Sempre foi assim?

Quando em 1986 Espanha e Portugal aderiram à UE sabia-se que tinham indústria. Quando as ex-repúblicas soviéticas aderiram em maio de 2004 já tinham passado pelo desmantelamento das suas indústrias. Em 2004, o salário mais baixo na Alemanha seria €10 à hora. Nesse mercado de trabalho integrou-se um outro com dezenas de milhares de pessoas que já ficariam felizes se ganhassem €1 à hora. Era óbvio que os salários mais baixos nos países ocidentais iriam descer. Acho que o ‘Brexit’ é um sinal saudável ainda que seja provável que os salários dos trabalhadores da construção venham a descer 30% ou ainda mais.

Pensa no ‘Brexit’ como regulador?

Aquilo que foi pressentido como harmonia está a criar desarmonia. É tempo de ver surgir um movimento contrário. E é interessante pensar que talvez nos livremos do eixo esquerda-direita, onde há demasiado tempo tentamos encaixar tudo. Nos EUA, os dois candidatos com programas mais opostos — Bernie Sanders e Donald Trump — concordam que o comércio livre já não é do interesse dos EUA, e que a segurança social é demasiado cara...

Qual foi então a conquista da UE?

As pessoas responderiam: a paz. E é correto. Só que essa paz foi alcançada com uma integração simétrica: comércio entre países com o mesmo tipo de estrutura económica é sempre benéfico para ambos. Porém, comércio entre países fortes e outros fracos, que desse modo perdem a sua indústria, é mau para os mais pobres. O maior erro da UE foi o euro, uma moeda comum supostamente apenas para os membros mais fortes. Helmut Kohl disponibilizou-a por solidariedade aos países mais pobres.

Não deveríamos estar mais preocupados com a crescente desigualdade?

Há dois aspetos, a distribuição de rendimentos entre países e dentro de cada país. Entre os países, a situação é que o único país que realmente lucra com o euro é a Alemanha. O país teve um surplus de exportações em 2015 de 8,5% do PIB quando a UE diz que não se deve ter mais do que 6,5% do PIB. Só há um economista alemão — o Heiner Flassbeck — que denuncia este lucro desproporcional alemão do euro à custa dos outros países. Desde a Grande Guerra que os alemães têm o complexo da inflação e reagiram exageradamente. Mais tarde ou mais cedo, a periferia vai compreender que a Alemanha é o único beneficiário do euro. Terá de haver ajustamentos. E, já agora, perguntar porque é que esta gente que é favor dos mercado se vira contra um mercado tão importante como o mercado cambial! As desvalorizações eram as válvulas de escape de todo o sistema. O euro manteve as desigualdades, mas tapou a válvula de escape. E a Grécia está à beira da explosão...

Foto: Alberto Frias

Portugal. TRABALHAR E TER REFORMA



Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

"Não há nada intrinsecamente democrático no capitalismo...", expressa Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, no prefácio ao livro "Segurança Social - Defender a Democracia" (Bertrand Editora, 2016). Aquilo que se conseguiu de "democratização do capitalismo" foi, é e será resultado de intensas e prolongadas lutas dos trabalhadores e dos povos. Pessoalmente, considero que, de forma contínua, o capitalismo está em choque com a democracia, mas as lutas dentro do sistema contra as suas injustiças e perversidades, bem como a afirmação de projetos políticos alternativos, propiciaram extraordinários avanços às sociedades.

Tudo isso ficou patente na conquista do direito ao trabalho (trabalho com direitos) e na construção de sistemas de segurança social públicos, universais e solidários. É tempo de colocarmos na agenda social e política o lugar e o valor do trabalho, bem como a defesa, a revitalização e a reforma progressiva da Segurança Social. Tenhamos presentes as profundas relações entre o direito ao trabalho e o direito a reformas dignas depois de uma vida a trabalhar. Dê-se por adquirido um outro pressuposto: as contribuições para a Segurança Social não são um imposto, são parte da retribuição do trabalho. Nesse sentido, pode dizer-se que fazem parte do salário. As constantes mudanças na economia implicam também identificar novas fontes de financiamento para a Segurança Social.

O Sistema de Segurança Social que temos - essencialmente de repartição - enfrenta três grandes desafios. Primeiro, em resultado de várias reformas de que foi alvo, a Segurança Social tem sofrido uma contínua erosão que põe em causa um rendimento digno para os futuros pensionistas. Se não se inverter este rumo, caminhamos para um sistema público de repartição cada vez mais residual, ao mesmo tempo que aumentam oportunidades de negócio para o mercado, sobretudo na sua configuração financeira. Os produtos de poupança/reforma privados, muitas vezes complexos e arriscados, tornar-se-ão cada vez mais a "alternativa". Ora, como essa alternativa só é viável para quem tenha algum rendimento disponível e isso não acontece com grande parte das famílias portuguesas, há o perigo de se colocar a maioria dos cidadãos dependente de um sistema público meramente assistencialista e das redes de apoio familiares prevalecentes em tempos passados de miséria. Segundo, os grandes problemas relativos ao rumo do país e à sua matriz de desenvolvimento estão por resolver e isso condiciona imenso o futuro da Segurança Social. Terceiro, felizmente os portugueses, como todos os povos, estão conscientes de que é possível viver mais tempo, com mais saúde e com uma vida digna. Por isso, estão dispostos a investir nesses objetivos. Mas o capital vê aí uma enorme oportunidade de negócio e procura cravar-lhe as garras.

Como é assinalado pela economista Maria Clara Murteira, os desafios do envelhecimento não podem ser tomados de forma isolada, sem se discutir qual o modelo de regulação macroeconómico. Poderá dizer-se até que a Segurança Social é uma das matérias cuja análise nos conduz aos debates mais profundos sobre temas vitais para o modelo de desenvolvimento.

Proliferam estudos e propaganda que nos apresentam cenários catastróficos sobre a Segurança Social. É possível, fundamentadamente, demonstrar - no livro atrás referido isso está claro - que o sistema que temos não está falido e tem resistido bem a múltiplas dificuldades que as políticas de "austeridade" lhe causaram. E pode ter futuro.

Discutir seriamente a Segurança Social obriga a ter em cima da mesa respostas para: reduzir o desemprego; travar a emigração; tratar do problema demográfico; combater a precariedade; valorizar o emprego e os salários; incentivar a solidariedade intergeracional; atacar as desigualdades e a pobreza.

Haja debate e propostas propiciadores de mais investimento e crescimento económico, mas simultaneamente estruturem-se compromissos com vista a um novo padrão de redistribuição do rendimento, condição inelutável para se garantir aos jovens de hoje uma velhice em nada pior que a dos seus pais e avós. Não falta riqueza!

*Investigador e professor universitário

Portugal. Sanções. CHANTAGEM DA UNIÃO EUROPEIA MANTEM-SE. NADA DE ILUSÕES



É mais que evidente que a UE está sob o comando dos bárbaros do norte em conluio com a alta finança, os Mercados. A estrutura que vê nos países e nos povos motivos de exploração desenfreada sem tomarem em consideração o caos e miséria a que dão origem. É uma guerra da modernidade para que os povos europeus estão impreparados e uma esquerda quadrada e titubeante que demonstra cobardia. 

A direita, aliada e a funcionar a uma só voz, trai sem rebuço os seus países e povos com o objetivo de cumprir os desígnios do diretório neoliberal-fascista que vem dominando a Europa e grande parte do mundo. A esquerda acobarda-se e mostra-se sem soluções capazes de impor perentóriamente o regresso à democracia, à justiça social, aos direitos, liberdades e garantias, ao respeito pelos trabalhadores e sua dignidade, ao respeito pela soberania dos povos de cada país constituinte da UE.

Já aqui foi dito que a UE está na posse de individualidades de um clube de feios, porcos e maus. Portugal tem nesse clube uns quantos que no governo anterior esbulharam o máximo possível o país e os portugueses, sendo que o chefe desse grupelho neoliberal-fascista foi e é Passos Coelho, seus pares e beneficiários nos tachos que têm vindo a adquirir (quer na UE e no FMI, quer em grandes empresas privadas nacionais e estrangeiras).

A chantagem das sanções por parte da UE continuam. Prova disso é a notícia que se segue. É evidente que até para Espanha se trata de uma chantagem que visa reconduzir no governo outro tal e qual Passos, Rajoy. Reconduzir os elementos neoliberais-fascistas que podem prosseguir sem hesitações nem desvios as políticas selváticas de ataques aos povos, ao setor público, às soberanias, em benefício do setor privado. Que é como quem diz: dos poucos mais dos 1% que detêm cada vez mais a riqueza do produzido no mundo.

Em Portugal o diretório neoliberal-fascista quer reconduzir Passos ao governo, o seu lacaio e bom aluno. Por isso desgasta o governo de Costa apoiado pela esquerda. Afinal são postas em prática políticas titubeantes que não têm devolvido o que o governo de Passos e Portas roubou aos portugueses, mas só por existirem tomadas de medidas que visam essas legítimas reposições os neoliberais-fascistas da UE estão assustados e sentem-se ameaçados. Por isso usarão todo o tipo de armas nesta guerra que declararam aos povos europeus, principalmente aos do sul da Europa. O propósito é recrutar os traidores que são bons alunos e fiéis aos seus ditames.

Só resta lutar e resistir. Para que um dia o sol brilhe para todos nós e não só para uns quantos em Portugal. Exatamente aqueles que num artigo de jornal de há poucos dias constam como os mais ricos de Portugal que estão ainda mais ricos… apesar de crise - que lhes permite roubarem cada vez mais. Chamam-lhe austeridade, quando afinal é roubo puro e duro. Duro como a fome e a miséria que semeiam para a colhermos.

Bom resto de domingo, se conseguirem.

Mário Motta / PG

Comissário avisa Portugal e Espanha para porem contas em ordem

O comissário europeu para a Economia Digital avisou Portugal e Espanha que devem "pôr em ordem, com urgência", as contas públicas.

"Temos uma segunda opção. A nossa ameaça de corte nos fundos estruturais do orçamento europeu é séria", disse Günhter Oettinger ao semanário alemão "Der Spiegel", depois de a Comissão Europeia ter decidido anular a multa a Espanha e Portugal por incumprimento dos seus compromissos para reduzir o défice público.

Na reunião do colégio de comissários, na qual foi adotada a decisão que defendeu "claramente" a imposição de multas "moderadas", outros colegas defenderam sanções na aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento, disse o comissário europeu.

Este acordo, afirma, não está morto, porque ainda há a opção de cortar os fundos estruturais que os dois países recebem, se não cumprirem as recomendações e os objetivos orçamentais estabelecidos.

A reunião dos comissários foi precedida, segundo diversas fontes, de chamadas do ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, a alguns comissários "populares" para evitar as multas aos dois países.

Oettinger reconheceu que no debate das sanções uns e outros tentaram passar a "batata quente" e destacaram a necessidade de evitar que os partidos políticos desempenhem um papel cada vez maior na Europa.

Na reunião da passada quarta-feira, que durou cerca de três horas, a Comissão Europeia decidiu por consenso cancelar as sanções a Espanha e Portugal em troca da aplicação de duros ajustes.

Jornal de Notícias – Na foto: Um dos chantagistas, Günhter Oettinger, comissário europeu para a Economia Digital - Foto: LAURENT DUBRULE/EPA

EUA. TIROTEIO. TEXAS NÃO É SÓ ISTO. NOS EUA ANDAM A MATAR-SE UNS AOS OUTROS



OS ÍNDIOS AGRADECEM

Mais uma notícia sobre tiroteio nos EUA, no Texas. Notícia que corre em baixo. É raro o dia em que não deparamos com notícias sobre as cowboyadas que ocorrem nos EUA a consequente mortandade. As vítimas, na maior parte dos casos são aleatórias. Podem ser idoso, jovens, adultos, crianças, homens, mulheres ou até animais domésticos. Dedo no gatilho é o que não falta naquele pandemónio imperial em que muitos já não se entendem. E depois dizem que são o melhor, mais desenvolvido e civilizado, país do mundo. Pois. Tretas. Que os índios são, ou eram, selvagens. Pois. E a sociedade norte-americana é o quê? E os que se instalaram nos poderes político e económico-financeiro são o quê? Selvagens, convencidos e sem vergonha na cara. Nos crimes contra a humanidade têm elevados índices de responsabilidade. É facto.

Também facto é que os cidadãos nos EUA andam a matar-se uns aos outros, como sempre o fizeram em grande escala. Os índios agradecem. É o único modo que vislumbram para readquirirem os territórios que lhes foram roubados pelos anglófonos, franceses e etc.

A notícia ainda é fresca, está a escorrer de atualidade, no Notícias ao Minuto. Temos a lamentar as vítimas inocentes e pacíficas que também por lá existem. Aliás, devem ser a maioria. Uma maioria subjugada aos cowboys que usam todo o tipo de violência para manter aquele terrífico status. (MM / PG)

Tiroteios no Texas fazem várias vítimas

Aconteceu em Austin

Um tiroteio no Texas, EUA, fez esta madrugada (manhã em Lisboa) várias vítimas, noticia a Sky News.

Os disparos aconteceram pelas 3 horas locais (9 horas em Lisboa) no exterior de um bar, numa rua movimentada de Austin, a capital do Estado. O atirador está à solta.

De acordo com o The Sun, há registo de pelo menos um morto. Trata-se, segundo os serviços de emergência médica, de uma mulher na casa dos 30 anos. Três outras pessoas foram levadas para o hospital.

Um vídeo divulgado no Twitter por uma testemunha mostra os momentos de pânico vividos no exterior do Friends Bar, em Austin.

Os habitantes foram aconselhados a evitar dirigirem-se ao centro da cidade.

A polícia dá conta de dois tiroteios, ocorridos à mesma hora, em zonas próximas. Ambas as áreas estão seguras.

Goreti Pera – Notícias ao Minuto

MILITARES DESTACADOS FRENTE AO BATACLÃ NÃO INTERVIERAM CONTRA OS TERRORISTAS



Segundo o deputado belga social-cristão Georges Dallemagne (um antigo médico próximo do ministério francês da Defesa), os militares em serviço frente ao Bataclan, em Paris, aquando dos atentados do Daesh(E.I.) de 13 de novembro de 2015, não intervieram.

Interrogado pela RLT Belgique, o político belga declarou:

«Sabe-se que a gendarmeria não interveio embora estivesse presente no local. Sabe-se que a força Sentinela, que tinha seis militares armados diante do teatro Bataclan, não interveio no momento em que a carnificina se dava no Bataclan» (…) «Eles pensaram que não deviam intervir porque as suas regras de intervenção não previam que o deviam fazer. As suas regras previam que eles apenas deviam proteger-se a si mesmos. É completamente incrível, alucinante.»

O deputado lamentou a falta de bom senso, enquanto o ministério belga da Defesa confirmou que os seus homens tinham instruções para intervir em situação semelhante.

Voltaire.net - Tradução Alva

63 ANOS DE REBELDIA!




1 – Cuba, as comunidades cubanas espalhadas pelo mundo e muitos sectores progressistas dos países onde essas comunidades estão implantadas, comemoraram o 26 de Julho de 2016 com a convicção de quão têm sido justas e sensíveis para os povos as trilhas de internacionalismo e solidariedade distendidas pelo povo cubano e sua revolução, em benefícios dos mais oprimidos da Terra.

Em Cuba o acto central ocorreu em Sancti Spíritus, atendendo aos progressos registados naquela região em relação ao último ano, no que diz respeito ao turismo, aos programas agrícolas das culturas de arroz, à produção de alimentos e aos avanços sociais.

Em Angola a data foi também assinalada no âmbito da estreita conexão histórica entre a Revolução Cubana e o Movimento de Libertação em África, pois há identidade comum, nos seus múltiplos e complexos significados, entre os pilares que constituíram o 26 de Julho, Dia da Rebeldia e o 4 de Fevereiro que deu início à Luta Armada contra o colonialismo português por parte do MPLA.

A indissolúvel amizade Angola-Cuba tem tudo que ver com essa saga comum, forjada em momentos difíceis e sacrificados, sempre marcados por decisões rebeldes, corajosas e decisivas, em benefício dos povos, que se refletem até hoje.

2 – A decisão que levou ao assalto ao quartel Moncada em 1953 tendo o Comandante Fidel de Castro à frente dos rebeldes revolucionários cubanos, teve e tem muito que ver com muitas outras decisões que foram tomadas pela Revolução Cubana e pelo Movimento de Libertação em África, muitas delas em comum, ao longo de largas décadas.

Em Angola este 26 de Julho foi justamente comemorado com algumas iniciativas conjuntas entre as comunidades cubanas em cada Província e alguns Governos Provinciais ciosos da história do país e menos envolvidos nos impactos desmobilizadores da terapia neoliberal.

O Governo Provincial de Luanda associou-se às comemorações do 26 de Julho e no seu programa, para além do acto solene e cultural de 26 de Julho no Cine Tivoli, houve visitas ao monumento que assinala a vitória de Quifangondo e ao Memorial Agostinho Neto.

Em Luanda o acto central realizou-se no cinema Tivoli, sito ao Bairro Azul, à Samba, com casa cheia, com intervenções que salientaram muitos aspectos do trajecto comum sucedâneo do 26 de Julho de 1953 e do 4 de Fevereiro de 1961 e com finalização músico cultural que integrou interpretações da Orquestra Sinfónica Infanto-Juvenil do Libolo e duma banda cubana.

3 – Uma das decisões comuns historicamente mais marcantes entre Angola e Cuba, resultou da Operação Carlota, imediatamente antes da independência angolana e da constituição da República Popular de Angola.

Para além de garantir a independência, era necessário que a nova República ganhasse sustentabilidade económica e financeira, ainda que numa conjuntura tão hostil como a que se registou em prejuízo de Angola em finais de 1975.

Para esse efeito foi o Comandante Fidel de Castro que insistiu na necessidade de defender Cabinda, para onde se deslocaram importantes contingentes de instrutores das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba, sob comando General de Corpo de Exército, Ramón Espinosa Martin, que se implicaram imediatamente na formação das Brigadas das FAPLA e na defesa do território face ao ataque das Forces Armées Zairoises e mercenários brancos, em artificioso suporte da FLEC.

No seu depoimento no seu livro “La batalla de Cabinda”, o General Ramón Espinosa Martin explica:

“Para as FAR, Angola é um teatro de operações não explorado, ao contrário de Cabinda, essa sim, familiar.

Conhecem a geografia do enclave, a ambição do Zaíre na sua anexação e a riqueza petrolífera, decisiva nos primeiros anos para a emergência do estado independente.

Valorizando essas características, o Comandante-em-Chefe indica que Cabinda requer uma atenção especial.

Isso explicou o número de instrutores enviados para aquela Província, quase metade do total, assim como o reforço em artilharia de diversos calibres.

A distribuição desigual de instrutores e o armamento pesado não foi, de momento, compreendido pela direcção das FAPLA, que expressa – o fundamental é salvar Luanda (…) se perdermos Cabinda recuperá-la-emos depois (…).

Fidel discorreu em profundidade – se por acaso se perde Cabinda, será muito difícil recuperá-la e Cabinda é a base económica imediata para o nascente estado independente.

Há que salvar Cabinda e Luanda”…

O Presidente Agostinho Neto concordou em pleno com o argumento do Comandante Fidel de Castro e o MPLA reagiu a contento, impedindo inclusive as manobras do então Governador do Distrito, Themudo Barata, um oficial português que depois do 25 de Abril deu cobertura a uma outra solução para o enclave.

4 – As decisões tomadas então foram de ordem estratégica e influem ainda hoje na conjuntura interna de Angola:

- O Presidente Agostinho Neto decidiu a implantação de blocos no onshore e offshore angolano de produção de petróleo e gás, atraindo a essa fórmula as poderosas multinacionais interessadas a longo prazo na exploração do crude angolano;

- As multinacionais permitiram a gestação de “lobbies” a favor de Angola, junto aos governos onde estavam e estão implantados seus interesses de raiz;

- A derrota das SADF na Operação Argon, que visava destruir Malembo em Cabinda, possibilitou assim uma reviravolta na posição norte-americana em relação às suas apreciações e abordagens para com a África Austral e Angola;

- A persistente influência das multinacionais norte-americanas contribuiu para o reconhecimento do governo angolano por parte dos Estados Unidos;

- O governo angolano tem procurado a todo o transe manter o sector energético como um sustentáculo de desenvolvimento indispensável para a promoção da paz em Angola, no Golfo da Guiné e na Região Central dos Grandes Lagos.

Estes ganhos em benefício de Angola e de seu povo, capazes de dar origem a alargados consensos, de outra maneira teriam sido muito mais difíceis de obter e por isso, reconhecer as decisões estratégicas que foram tomadas em 1975 pelo Comandante Fidel de Castro no âmbito da Operação Carlota como da Libertação de Angola e pelos Presidentes Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos que se refletem até aos nossos dias, fazem parte da cultura do rumo que se conseguiu conferir a Angola, em relação ao qual é imprescindível dar-se continuidade.

A SONANGOL, no âmbito do estado angolano e de seus interesses estratégicos, foi afetada quer pelo choque, quer pela terapia neoliberal, perdendo-se a certa altura, a possibilidade duma gestão rigorosa, digna e respeitadora de todo o povo angolano, ao ponto de, por exemplo, contribuir para o esbanjamento, o luxo inadequado, a corrupção e até um certo “apartheid social”, com a criação de condomínios que fomentam elites mal paradas, cujo comportamento pode colocar em causa o próprio rumo de Angola.

A defesa do estado angolano honrando a história e esse rumo, obriga que seus servidores sejam muito mais rigorosos na gestão da “coisa pública”, avaliando os impactos negativos que redundam das políticas do choque e da terapia neoliberal, a fim de com isso saber-se “separar o trigo do joio”.

Efetivamente, muitos que desempenharam ou desempenham cargos relevantes no estado angolano têm demonstrado que não honram o estado angolano, nem a história de seu país, nem com dignidade dão sequência à saga da Libertação Nacional em benefício de todo o povo angolano.

A ausência de rigor, fazendo prevalecer interesses pessoais ou de grupo, quantas vezes ferindo as próprias leis em vigor, constituem a outra face da moeda da desestabilização de que Angola tem sido vítima antes e depois de 2002 a esta parte!

É esse “joio” comprometido quantas vezes com interesses vindos do exterior, que fornece o combustível que alguns, sob a bandeira da luta contra a corrupção, utilizam de facto contra o estado angolano, sintomaticamente a partir do exterior e com barricadas mais evidentes em Portugal (por tabela na União Europeia) e no Brasil!

As decisões estratégicas assumidas por Angola a partir do 4 de Fevereiro e de Cuba a partir daquele já longínquo 26 de Julho, merecem ser honradas hoje no vigor de medidas que, ao defender os interesses legítimos dos estados angolano e cubano, defendendo a amizade entre os dois povos, defendam os interesses de cada um deles e o rumo rigoroso que se nos impõe hoje em função da trilha de Libertação dos povos oprimidos de todo o mundo!
  
*Reportagem fotográfica do acto central comemorativo do 26 de Julho, Dia da Rebeldia, em Angola (cine Tivoli, em Luanda).

EDIÇÃO ESPECIAL DE ORBE EM MÉXICO PELOS 90 ANOS DE FIDEL CASTRO



México, 30 jul (Prensa Latina) Uma edição especial do quincenario da Orbe dedicada aos 90 anos de vida do líder histórico da Revolução Cubana, Fidel Castro, circula hoje aqui com o diário La Jornada.

Em suas páginas a senadora Dolores Padierna, do Partido de la Revolución Democrática, titula Fidel vive entre nosotros, um artigo no que recorda que, apesar dos 600 planos de atentados contra o ex-presidente cubano, seu legado prevalecerá no tempo.

Fidel tem inspirado as lutas dos povos na contramão da opressão, da guerra, da globalização mercantilista, assinalou.

Celebramos os 90 anos de um Gigante Universal, o comandante Fidel Castro Ruz, assim encabeça o Partido del Trabajo de México (PT) um pronunciamento assinado por todos os integrantes de sua Comissão Coordenadora Nacional.

O PT de México qualifica a Fidel Castro "como o último grande estadista do século XX, líder da Revolução proletaria no mundo, construtor de utopias e farol de luz na América Latina.

Também o Sindicato Mexicano de Electricistas (SME) felicita ao líder cubano, quem cumprirá 90 anos o 13 de agosto.

No atual panorama de crise mundial convém recordar a vida de Fidel Castro, a entereza de suas ideias e ações para resistir e triunfar, subscreve o SME.

A edição especial dá conta além da inauguração da exposição fotográfica Fidel, 90 anos, que se exibe na Fundação da Universidade do Claustro de Sor Juana, com o concurso da Prensa Latina e Notimex, a agência de notícias do Estado mexicano.

Orbe é uma publicação da Prensa Latina e sua correspondente no México, que se publica inserido no diário La Jornada.

rob/ool/cc

A ESCRAVIDÃO NAS AMÉRICAS




“Se houvesse um inquérito no qual todos os escravos pudessem depor livremente, todos os brasileiros haveriam de horrorizar-se ao ver o fundo de barbárie que existe em nosso país debaixo da camada superficial de civilização, onde quer que essa camada esteja sobreposta à propriedade do homem pelo homem”.  Joaquim Nabuco (1849-1910).

No transcorrer do século XV, a expansão de Portugal, ao longo da costa africana, favoreceu, com o aval de bulas papais, o tráfico negreiro. Totalizando 1.552.000 escravizados, trazidos nos tumbeiros ou navios negreiros, a América espanhola perde em índice numérico para o Brasil que, segundo estudos recentes na Universidade de Emory, em Atlanta, atingiu o total de 4,8 milhões de escravizados.
   
O número inferior de escravizados negros, na América espanhola, justifica-se pelo fato de que o nativo conhecia técnicas de mineração e já havia sido subjugado pelos espanhóis em suas conquistas neste continente. Além disso, a taxa de mortalidade nas minas, em virtude da insalubridade, era grande e repor constantemente esta mão de obra com a compra, por meio do tráfico negreiro, significava investimento financeiro.

Escravidão na América

A utilização de escravizados negros, nas minas, fazia-se necessária em lugares onde não havia nativos à mão, a exemplo de Nova Granada, atualmente Colômbia, ou quando estes já haviam sido exterminados. Nas minas de prata de Potosi, por exemplo, ocorreu um verdadeiro morticínio, gerando preocupação, por parte da Coroa espanhola, e a ideia de utilizar - no lugar dos nativos-, escravizados africanos. Diante do alto custo monetário para comprá-los, por meio do tráfico negreiro, os castigos e maus-tratos poderiam diminuir por parte dos exploradores das minas. Acreditava-se que os senhores  passariam a valorizar a mão de obra do escravizado, evitando, assim, o prejuízo financeiro com a morte devido a excessos físicos e a punições. Ao contrário de Portugal, a Coroa espanhola, para legitimar a presença de traficantes de escravizados, expedia o Asiento. Este documento permitia o tráfico negreiro que era realizado, por alguns homens específicos, num período preestabelecido.

No Brasil e na América Hispânica, a mão de obra africana foi utilizada principalmente na lavoura de exportação dentro do sistema de plantation. O dinheiro gasto na compra do escravizado antes que este produzisse, gerando lucro, levou o colono a explorar a mão de obra escrava até a completa exaustão. Esta era a forma de resgatar, num curto período, o valor pago pela mercadoria (o escravizado).

No sistema espanhol, o trabalho servil nos latifúndios agroexportadores - chamado de encomienda -, os nativos distribuídos, pela coroa, na condição de escravizados, eram forçados a se converterem a fé católica, e a Casa de Contratação era a responsável por arrecadar e fiscalizar os impostos. Visando a diminuir o contrabando do ouro, o sistema criou portos que controlavam, em suas colônias, a entrada e a saída de produtos da América. Os descendentes de espanhóis, que nasciam na América, eram chamados de criollos. Estes possuíam médias e grandes propriedades e atuavam no comércio. Os chapetones faziam parte do ápice da pirâmide social. Ocupando os cargos mais importantes, esta elite era composta pelos grandes proprietários.

A mão de obra escrava

O senhor de escravo também obtinha lucro financeiro, por meio de escravos-de-ganho que trabalhavam para terceiros, sendo que o pagamento era embolsado pelo seu senhor. Às vezes, num ato de generosidade do proprietário, o escravizado recebia um percentual do dinheiro ganho com seu trabalho. Os escravizados, que trabalhavam direto na produção, tinham uma vida bastante difícil e marcada por castigos bastante cruéis, quando não correspondiam às expectativas de produção dos senhores ou em caso de tentativa de fuga. Já os destinados à vida doméstica, em relação aos irmãos de etnia, recebiam um tratamento menos cruel e eram símbolos de status social para o proprietário.

A utilização do braço escravizado, ao longo do tempo, foi gerando uma estagnação da força produtiva. Os senhores não vinham razões e necessidade de investir em tecnologia, visando a poupar esforços num trabalho desvalorizado e aviltado. Na visão do sistema escravocrata, bastava aumentar a mão de obra escrava, para que houvesse um aumento natural na produção.

A diáspora negra

As maiores concentrações de escravizados ocorreram nas seguintes regiões: Caribe, América Central, norte da América do Sul, litoral nordestino, litoral do Sudeste e o interior de Minas Gerais. Nos engenhos de açúcar, em Cuba, os senhores permitiram que os escravizados tivessem locais próprios para o plantio, visando a sua subsistência, desde que isto não atrapalhasse outras atividades de rotina desenvolvidas com fins lucrativos.  Em São Domingos, os negros também trabalharam na criação do gado. No Brasil a mão de obra negra foi explorada por quatro séculos, sendo o sustentáculo da nossa produção econômica, principalmente, no Ciclo do Açúcar, do Ouro e do Café.

A passividade do escravizado, diante da sua condição, constitui-se num mito. Havia várias formas de resistência à escravidão, como a fuga para os quilombos, o assassinato do seu senhor e o aborto dos nascituros. Esta última forma, somada ao fato de chegarem mais escravizados do sexo masculino que mulheres, justifica o baixo índice de reprodução e nascimentos de negros nas colônias ibéricas. Já nas colônias inglesas da Virgínia e Carolina do Sul havia verdadeiros criadores de escravos que se encarregavam da tarefa de reposição de futura mão de obra.

O comércio de escravizados

O tráfico negreiro se constituiu numa das modalidades da acumulação primitiva de capital. A entrada de produtos a baixo custo na Europa, como açúcar, chá, cacau, tabaco, café, algodão, entre outros, serviu aos interesses ao incipiente capitalismo manufatureiro. O tráfico negreiro se assentava na mecânica do comércio triangular: Europa, África e América. Quanto maior o número de escravizados- adquiridos a baixo custo na África -, os plantadores na América comprassem, melhor era a condição dos comerciantes em obterem os produtos tropicais e revendê-los no Velho Mundo. Isto justifica a preferência pela mão de obra negra à escravidão indígena na lavoura brasileira. Outros historiadores acrescentam que os nativos do litoral brasileiro foram exterminados durante o século XVI, e isto resultou na substituição desta mão de obra servil, pela força do escravizado africano, a partir do século XVII, de forma intensa. Já em 1441, Portugal havia capturado os primeiros escravizados na África.

  Importante salientar que o tráfico negreiro pagava imposto ao governo português, no Continente Africano, ao sair e quando atracavam os tumbeiros (embarcações) em solo brasileiro. O tráfico no Atlântico foi responsável pela entrada de cerca de 9.500.000 africanos nas Américas. No Brasil, o tráfico negreiro representou 38% de todo o comércio de escravizados entre África e as duas Américas.

  Embora a existência de leis, que foram criadas para combatê-lo, a exemplo das leis de 1831 e de 1850, havia, infelizmente, uma cumplicidade das autoridades brasileiras, inventando-se todo o tipo de subterfúgios para escapar a pressão inglesa. A Inglaterra, após liderar o tráfico negreiro, por muitos anos, passou a combatê-lo devido a interesses econômicos em busca de mercado consumidor. Além disso, necessitava de mão de obra, em suas colônias na África, visando à produção e o fornecimento de matéria prima para o seu parque industrial.

No caso das expedições de caça e venda de indígenas, estas não pagavam tributos a Coroa de Portugal, ou seja, não interessava aos lusitanos as instabilidades geradas por fugas e guerras contra índios, numa região vulnerável a invasões como era o nosso litoral. O nativo, conhecedor da mata, fugia das mãos do colonizador, adentrando, com facilidade, em regiões de difícil acesso e inóspitas.

A resistência contra a escravidão

A história registra a inconformidade dos oprimidos contra o sistema opressor e escravocrata, No caso da exploração do nativo, houve uma revolta, em 1712, no sul do México; e também no Peru eclodiram no período de 1743 a 1750 e 1781. Ainda no contexto da América espanhola, os escravizados africanos se organizavam em palenques que se constituíam em redutos de negros fugidos, equivalendo-se ao que conhecemos como quilombos, a exemplo da Colômbia (1750 -1790) e da Venezuela (1795).

 O Haiti, sob a dominação francesa, vivenciou uma revolução sangrenta (1791-1804), que colocou no poder líderes negros.  Após um ano, realizada a independência, instalou-se uma monarquia e depois se instituiu uma república dirigida por ex-escravos. A Revolução Haitiana é considerada um marco  na história dos africanos nas Américas.

Zumbi e o Dia da Consciência Negra

No caso da América portuguesa, no Brasil, o Quilombo dos Palmares (1630-1695) ficou famoso. Resistindo aos ataques e emboscadas de expedições militares, este quilombo se destacou devido à sua organização político-social e pela força do seu líder Zumbi (1655-1695), cujo nome nos remete ao “Dia da Consciência Negra“, comemorado, em 20 de novembro, em alusão ao dia da morte desse líder. Oficialmente instituído, em âmbito nacional, mediante a lei nº 12.519 de 10 /11/ 2011, a data foi reconhecida devido à mobilização do Movimento Negro e da liderança do ativista gaúcho e professor Oliveira Silveira (1941-2009) que teve a iniciativa de propor o reconhecimento da figura de Zumbi, como símbolo de resistência e luta dos afrodescendentes no Brasil.

Historiadores, no início da década de 1970, descobriram a data da morte de Zumbi dos Palmares, motivando o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, em um congresso, que se realizou, em 1978, ainda no período da Ditadura Militar (1964-1985), a eleger a figura do líder Zumbi, como um ícone da luta e da resistência dos negros escravizados, assim como da luta por direitos que os afrodescendentes reivindicam no Brasil.

Um olhar crítico sobre o Dia da Consciência Negra

Embora a data de 20 de novembro enfatize a ideia de liberdade e resistência do Quilombo dos Palmares, por meio de seu líder Zumbi, o historiador José Murilo de Carvalho destaca que grandes quilombos, a exemplo de Palmares, participaram do tráfico e do uso de escravos.  Em sua obra “Cidadania no Brasil’, ele registra:

“Os quilombos que sobreviviam mais tempo acabavam mantendo relações com a sociedade que os cercava, e esta sociedade era escravista. No próprio quilombo dos Palmares havia escravos”. (CARVALHO, 2002, p. 48).

O Quilombo dos Palmares era constituído por quilombolas (escravizados fugitivos que viviam nos quilombos). Estes, em sua grande maioria, eram mão de obra escrava em fazendas das capitanias da Bahia e Pernambuco. O Quilombo dos Palmares era formado por vários mocambos (núcleos de povoamento), sendo os principais: Subupira, Macaco e Zumbi. Localizado na Serra da Barriga, atualmente a região pertence ao estado de Alagoas. Segundo os historiadores, o Quilombo de Palmares atingiu uma população de 15 a 20 mil quilombolas na segunda metade do século XVII. Este quilombo foi dominado, em 1695, após sofrer uma investida militar do bandeirante Domingos Jorge Velho (1641-1705). No dia 20 de novembro, daquele ano, o líder Zumbi foi emboscado e morto.

Um verdadeiro genocídio

O degradante sistema escravocrata foi responsável pela morte, por meio do esgotamento físico e de maus tratos, de milhares de indígenas e negros.  O binômio, composto por perversidade e desumanidade, caminhou lado a lado com a irracionalidade e o desperdício dos senhores de escravos. A caminho do Rio de Janeiro, que era a porta principal de entrada de navios negreiros (tumbeiros), 300 mil morreram, tendo o mar como sepultura.

Com a Revolução industrial, a partir da Inglaterra, no século XVIII, o tráfico negreiro passou a ser condenado pelo governo inglês, e mudaram-se as relações de trabalho e produção, determinando os derradeiros dias do sistema escravocrata. O Brasil, em 13 de maio de 1888, foi o último país das Américas a abolir a escravidão, sendo, naquele momento, também a única monarquia num contexto de países republicanos. Um ano depois, em 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República no Brasil, e o imperador D. Pedro II (1825-1891) partiu para o seu exílio na Europa. O experiente monarquista João Maurício Wanderley (1815-1889), o Barão de Cotegipe, após a sanção da Lei Áurea (1888), fez a sábia análise daquele importante momento político: "Vossa alteza libertou uma raça, mas perdeu o trono".

Uma abolição inconclusa

Infelizmente, após a Abolição da Escravatura, essa imensa população de libertos se deparou com uma dura realidade marcada por fatores, como a pobreza, a falta de instrução, o preconceito racial e a invisibilidade social. O processo ocorreu sem que houvesse um projeto efetivo de inclusão social. A liberdade foi concedida, mas a conquista do passaporte da cidadania plena exige, ainda, nos dias atuais, intensa luta contra o preconceito racial e uma atuante resistência cultural por parte dos afrodescendentes, visando ao respeito diante da contribuição que tiveram na construção da Nação brasileira.

Marginalização e racismo são reflexos de um sistema escravocrata que estruturou de uma maneira dual a sociedade brasileira. O golpe de mestre da elite brasileira do século XIX se dá com uma Abolição de forma legal, porém sem alterar o sistema social do qual era apenas o espelho. A sociedade se adaptou, visando a preservar, sob a aparência jurídica de igualdade de todos perante a lei, a distinção social entre a casa grande e a senzala.

Os adeptos do mito da “Democracia Racial” se esquecem de que a Democracia pressupõe igualdade e oportunidades para todos, assim como a participação ativa nas decisões políticas. A Abolição da Escravatura (1888) não seria um processo inconcluso, como afirmou o historiador, político e jornalista Décio Freitas (1922- 2004), se o ato jurídico fosse complementado por mudanças sociais efetivas, como uma reforma agrária que abolisse todo o latifúndio e a implantação de um sistema educacional amplo e inclusivo.

A longa trajetória de luta e organização dos afrodescendentes, desde a época em que éramos Colônia de Portugal, nós podemos denominar de resistência cultural negra. Desde a assinatura da Lei Áurea (1888), assinada pela princesa Isabel (1846-1921), até os dias atuais, o caminho da inclusão social tem sido árduo quanto ao combate do racismo - velado ou assumido –, e à intolerância às tradições africanas.  A escravidão, em suas diversas modalidades, ainda nos espreita e reinventa-se por meio de mecanismos de exploração, subtraindo a liberdade do ser humano e corroendo a própria existência.

*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa Porto Alegre / RS / BR

Bibliografia
BERND, Zilá. Literatura e identidade nacional. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011.
DUARTE, Rebeca Oliveira. Manual sobre discriminação racial: a perspectiva dos direitos humanos. Recife: Djumbay, 2003.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
FREITAS, Décio. Brasil Inconcluso. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia, 1986
LOPES, Luiz Roberto. A Aventura dos Descobrimentos. Porto Alegre: Editora Novo Século, 1999.
MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala.  Porto Alegre: Mercado Aberto,1988.
MUNANGA, Kabengele ; GOMES, Nilma Lino.  Para entender o negro no Brasil de hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global Editora e Distribuidora Ltda, 2006.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. De escravo a liberto um difícil caminho. Porto Alegre: CODEC / Instituto Estadual do Livro (IEL), 1988.
SANTOS, Joel Rufino dos.  Zumbi. São Paulo: Moderna, 1985.
VILASBOAS, Ilma Silva; BITTENCOURT JUNIOR, Losvaldyr Carvalho; SOUZA, Vinícius Vieira de. Museu de Percurso do Negro. Prefeitura de Porto Alegre, Ed. Grafiserv, 2010.

Imagens:
 1- mapa do tráfico negreiro no Brasil
 2- Escravidão indígena na América espanhola
 3- Tráfico negreiro
 4- Zumbi dos Palmares
 5- Oliveira Silveira  / idealizador do Dia da Consciência Negra no Brasil

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