quarta-feira, 21 de setembro de 2016

PORTO ALEGRE E OS FARROUPILHAS: 181 ANOS




O dia 20 de setembro é o marco inicial da Revolução Farroupilha (1835-1845), que eclodiu, no Brasil, na Província de São Pedro, durante a Regência Una do Padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843). Nesta mais longa guerra civil, que a história brasileira registrou, ocorreram 59 vitórias para cada lado e 3,4 mil óbitos. Às margens do Rio Jaguarão, na manhã de 11 de setembro de 1836, a República Rio-Grandense foi proclamada, no Campo dos Menezes, pelo General Antônio Souza Netto (1803 -1866),  mantendo, por longos anos, um intenso confronto bélico com o Império do Brasil.

Chamada de “República das Carretas“, pelo Folclorista e historiador Barbosa Lessa (1929-2002), tinha como característica a instabilidade, em virtude das constantes mudanças da capital, na medida em que se aproximavam do lugar as tropas imperiais.  Assim, a novel República teve três locais, respectivamente, como principais capitais: Piratini, Caçapava e Alegrete.

Na época, a província gaúcha estava bastante prejudicada, principalmente, no aspecto econômico, devido aos altos impostos taxados pelo império sobre o charque (carne seca), o couro e a propriedade rural.  Diante do descaso do governo imperial, em atender as reivindicações da Província gaúcha, esta se rebelou, iniciando uma longa guerra civil que durou um decênio. 

No Rio de Janeiro, capital do império, o termo “farroupilha” era a denominação dada à facção política liberal mais radical que combatia o centralismo do governo imperial. Em 1831, o termo apareceu estampado nos jornais cariocas “Matraca dos Farroupilhas” e “Jurujuba dos Farroupilhas”. O vocábulo, de acordo com o historiador Walter Spalding (1901-1976), deriva da palavra portuguesa farroupa que apareceu, em 1700, nas atas na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, designando agricultores e criadores de gado que usavam roupas humildes e gastas.

Com a assinatura do Acordo de Paz, em Ponche Verde, em 1845, a Província gaúcha, que havia se separado, reintegrou-se ao Império do Brasil após a campanha do General Luis Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, que passou para a história como o “Pacificador”. Durante a guerra, o lado farrapo perdeu quase o dobro de homens ao finalizar a guerra.  .

Com a Independência da Província da Cisplatina (Uruguai), em 1828, o charque uruguaio começou a competir com a produção gaúcha. O produto uruguaio era resultado de mão de obra assalariada (livre), tinha menos custos empreendedores e era vendido a menor preço. Diante deste fato, o charque gaúcho, responsável pela alimentação da escravaria de outras regiões do Brasil, desde o Ciclo da Mineração (ouro), ficou em desvantagem, perdendo a concorrência em relação ao produto platino. Além desta grave questão econômica, que atingia a elite estancieira da Província, havia, entre outras causas, a insatisfação quanto à política centralizadora do presidente da Província Fernandes Braga (1805 -1875).

Diante do descaso do Império, em relação aos problemas sociopolíticos e econômicos que assolavam a Província de São Pedro, atual Rio Grande do Sul, um grupo de maçons articulou a tomada de Porto Alegre na noite de 19 para 20 de setembro de 1835. A decisão, quanto à invasão da capital da Província, pela Ponte da Azenha, ocorreu na primeira Loja Maçônica de Porto Alegre, "Filantropia e Liberdade", fundada em 1831, na Rua do Rosário, atual Vigário José Inácio.

No dia 18 de setembro de 1835, Bento Gonçalves da Silva (1788-1847) abriu a reunião onde se decidiu o início da Revolução Farroupilha. Estavam presentes na Loja: José Gomes Jardim (1774-1854), Onofre Pires (1799-1844), Pedro Boticário (1799-1850), Vicente da Fontoura (1807-1860), Paulino da Fontoura (1800-1843), Antônio de Souza Neto (1803-1866) e Domingos José de Almeida (1797-1871).  A Loja “Filantropia e Liberdade” funcionava como um “Gabinete de Leitura”, visando a desviar a atenção dos opositores à Maçonaria. Neste local se originou o jornal “O Continentino” (1831-1833), defendendo os ideais liberais e havia uma escola das primeiras letras.

Quando Porto Alegre foi invadida pelos farroupilhas, em 20 setembro de 1835, o presidente da Província, Fernandes Braga, seguiu para Rio Grande, assegurando o porto nas mãos do governo imperial. O primeiro óbito, ao eclodir a Revolução Farroupilha, no combate da Ponte da Azenha, foi do jornalista Antônio José Monteiro, o “Prosódia”, responsável pelo jornal legalista “O Mestre Barbeiro” (1835).

De acordo com o jornalista e pesquisador gaúcho, Sérgio Dillenburg, “O Mestre Barbeiro” foi o menor periódico publicado na imprensa gaúcha: 11 cm x 16 cm. Em Porto Alegre, o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, fundado em 10 de setembro de 1974, preserva um exemplar original, entre outros títulos relevantes que circularam, nos primórdios da imprensa gaúcha, a partir do surgimento do primeiro jornal, “O Diário de Porto Alegre”, fundado em 1º de junho de 1827.

Os jornalistas Carlos Reverbel (1912-1997) e Elmar Bones no livro “Luiz Rossetti: o editor sem rosto” registram que, no período de 1827 a 1850, circularam em torno de 61 jornais na Província de São Pedro (RS), incluindo os Órgãos Oficiais da República Rio-Grandense: “O Povo” (Piratini / 1838 - 1839 e Caçapava / 1839 - 1840); “O Americano” (1842 - 1843 – Alegrete) e “Estrella do Sul” (1843 – Alegrete).   O Povo teve como redatores, além de Domingos José de Almeida (1797-1871), os italianos revolucionários Luigi Rossetti (1800-1840) e João Batista Cuneo (1809-1875). que já haviam lutado por ideais republicanos no Movimento conhecido como “Jovem Itália”, tendo como líder Giuseppe Mazzini (1805-1872). Luigi Rossetti foi expulso da Universidade, na Itália, tendo sido perseguido devido a suas ideias contrárias ao regime monárquico. Ele morreu durante um confronto, com os legalistas, na Vila Setembrina, atual cidade de Viamão (RS), quando tombou ferido.

Após os farroupilhas tomarem a capital da Província, os líderes José Gomes Jardim (1774-1854), João Manuel de Lima e Silva (1805 - 1837) e Onofre Pires (1799-1844) invadiram o Palácio do Governo, não encontrando resistência. No dia seguinte, em 21 de setembro de 1835, Bento Gonçalves da Silva (1788-1847) chegou a Porto Alegre, vindo de Pedras Brancas (atual Guaíba), sendo recebido num clima de comemoração.

Em 15 de junho de 1836, Porto Alegre foi retomada pelos legalistas sob o comando do Major Manuel Marques de Souza (1804- 1875), futuro Conde de Porto Alegre, após sua fuga do Presiganga (navio-prisão), ancorado no Guaíba. Apesar dos esforços, os liberais farroupilhas não conseguiram invadi-la, novamente, embora a tenham sitiado, por três vezes, a partir da Vila Setembrina (Viamão).

Graças à resistência, Porto Alegre recebeu de D. Pedro II, em 1841, o título de "Mui Leal e Valorosa Cidade", que está registrado no Brasão da Cidade, criado pela lei n 1.030, em 22/01/1953. A lei foi assinada pelo prefeito Ildo Meneghetti (1895-1980), sendo o responsável pelo desenho o artista plástico Francisco Bellanca (1895-1974). A estátua do Conde de Porto Alegre foi inaugurada no século XIX e encontra-se numa praça, cuja denominação remete ao seu nome, sendo o monumento mais antigo de Porto Alegre.

Na literatura, a "poetisa cega", Delfina Benigna Cunha (1751-1857), na segunda edição de seu livro "Poesias Oferecidas às Senhoras Rio-grandenses", publicado no Rio de Janeiro, em 1838, critica os farroupilhas e o líder Bento Gonçalves da Silva (1788-1847) de forma incisiva e odiosa. Este foi o primeiro livro de poesias impresso na Província. Seguem alguns versos: "Maldição te seja dada / Bento infeliz,desvairado / No Brasil e em toda parte / Seja o teu nome odiado".

Outra figura feminina, que merece registro, é a gaúcha, natural de Rio Pardo, Maria Josefa B. Pereira Pinto (1775-1837), considerada a primeira mulher jornalista no Brasil. Monarquista convicta, ela defendia o retorno do dom Pedro I, que havia abdicado do trono, em abril de 1831, além de combater os liberais farroupilhas, por meio de seu periódico “Belona Irada contra os Sectários de Momo” (1833 -1834).

Outro fato curioso, ocorrido durante a Guerra Farroupilha, envolve o maestro negro Joaquim Mendanha (1800-1885) - monarquista convicto - que foi aprisionado pelos farroupilhas, em 1838, após a Batalha de Rio Pardo. O maestro e sua banda foram tratados com dignidade e respeito pelos republicanos. Mendanha, que era maestro da capela imperial, no Rio de Janeiro, ficou surpreso, pois os farroupilhas lhe exigiram que compusesse o Hino Oficial da República Rio-Grandense.

Em novembro de 1842, Luiz Alves de Lima e Silva (1803-1880), o barão de Caxias, foi designado pelo imperador D. Pedro II para negociar a paz com os farroupilhas e assumir a presidência da província. O Império percebia os interesses econômicos e expansionistas dos caudilhos platinos Oribe (1792-1857) e Rosas (1793-1877), e o quanto era importante a participação da Província de São Pedro (RS), naquele momento, para guardar a fronteira e a integridade da nação.

 A tradição de lutar, preservando o território, era própria dos milicianos gaúchos, ao longo do tempo; embora a falta de reconhecimento político por parte do Império. Em 19/03/1843, um cometa cruzou os céus, sendo percebido, pelos farroupilhas, como um mau presságio numa luta que já completava oito anos. Este cometa foi batizado, pelo imaginário popular, de “Estrela de Caxias”. Curiosamente, no início da Revolução Farroupilha, em novembro de 1835, já havia passado o cometa Halley.

Com o Acordo de Paz de 1845, o “Maestro Negro” regeu à porta do antigo Palácio do Governo,em Porto Alegre, uma banda de música. O evento se constituiu numa homenagem ao Barão de Caxias, seu amigo pessoal e presidente da Província.  Caxias, ao final da Revolução Farroupilha, ganhou de dom Pedro II o título de “O Pacificador”. O nome do maestro Mendanha, natural de Ouro Preto, em Minas Gerais,  encontra-se entre os subsescritores das despesas para o banquete, na capital gaúcha, em homenagem ao Imperador dom Pedro II e à sua esposa Teresa Cristina, cujo objetivo era celebrar a paz.

O jornalista Walter Galvani, em seu livro “A difícil Convivência (2013)”, aborda com muita propriedade a situação política da antiga “Nossa Senhora Mãe de Deus de Porto Alegre” no contexto da Revolução Farroupilha (1835-1845). Os grandes centros urbanos à época, como as cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, permaneceram na maior parte do tempo em poder das forças imperiais ou seja, legalistas. A ideia, perpetuada pelo imaginário popular, de que a capital da Província de São Pedro (RS), ou melhor, que toda a Província comungava com os ideais dos farroupilhas, é um equivoco histórico. Existem pesquisas realizadas por historiadores sérios e competentes, como Sérgio da Costa Franco, Moacyr Flores, Mário Maestri, Sandra Jatahy Pesavento (1945-2009), Helga Piccolo, entre outros historiadores importantes, que nos esclarecem acerca da realidade dos fatos, que ocorreram naquele período da nossa história. Afinal, já se passaram 181 anos.....

*Pesquisador e coordenador do setor de Imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa


Imagens
1- Antônio de Souza Netto proclama a República em 1836 / Quadro do pintor Antônio Parreiras
2- Símbolo Maçom
3 - Gen. Bento Gonçalves /  Acervo Museu Júlio de Castilhos ; POA / RS / Brasil
4- Jornal " O Povo" / Órgão Oficial da República Rio-Grandense
5-  Dom Pedro II 
6 - Joaquim Mendanha / O "Maestro Negro"
7- Barão de Caxias / " O Pacificador"

Bibliografia
COSTA LEITE, Carlos Roberto Saraiva da.  História da Imprensa. In: “Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa – 30 anos”. Porto Alegre: CORAG, 2004.
FAGUNDES, Antonio Augusto. Revolução Farroupilha / Cronologia do Decênio Heroico (1835-1845). Porto Alegre: Martins Livreiro, 2008.
FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Ediplat, 2006.
KOÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Leitura XXI, 2007.
LAYTANO, Dante. História da República Rio-Grandense. Porto Alegre: Sulina,1983.
LEÃO, Laura de. Risorgimento e Revolução: Luigi Rossetti e os ideais de Giuseppe Mazzini no Movimento farroupilha. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.
LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa
MIRANDA, Marcia Eckert; LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Jornais raros do Musecom: 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.
PESAVENTO, Sandra Jathahy. A Revolução Farroupilha. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2014.
SILVA, Jandira M.M.da ; CLEMENTE, Ir. Elvo; BARBOSA Eni. Breve Histórico da Imprensa Sul-Rio-Grandense. CORAG, Porto Alegre: CORAG, 1986.
VIANNA, Lourival. Imprensa Gaúcha (1827-1852). Porto Alegre: Museu de Comunicação Social HJC, 1977.

TRISTE PAPEL DE TEMER NA ONU



Sai um Brasil contraditório, mas sempre inspirador Entra o discurso monotônico dos banqueiros, do agronegócio, dos sexistas e homofóbicos, da economia ortodoxa e ultrapassada

Alessandra Nilo, de Nova York – Outras Palavras - Imagem: Rubem Grilo

Amanhã, 20 de setembro, mantendo a tradição, caberá ao Brasil o discurso inaugural dos debates na 71ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Desta vez será no mínimo curioso observar o Itamaraty manejando os holofotes globais, considerando o quanto significa o tema da sessão – “Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável [ODS]: um empurrão universal para transformar nosso mundo” – no contexto de um país internamente dividido.

Vale dizer que a partir de amanhã o Brasil, que assumiu uma liderança reconhecida durante as negociações que definiram os ODSs, talvez deva ser visto como “país controverso”, cada vez que a pauta for a implementação de tais objetivos, aprovados há apenas um ano.

É verdade que alguns países serão ludibriados, que outros seguirão em silêncio sobre as questões que levaram Temer à Presidência e que para vários deles isso pouco importará, desde que a “agenda de negócios” se mantenha. Mas apesar de não ter provas, tenho a convicção de que, independente da memória curta de conveniência, as diplomatas e os diplomatas atentos (estrangeiros ou nativos) não esquecerão facilmente daquele Brasil que durante os últimos anos liderou debates fundamentais para o desenvolvimento sustentável, defendendo a igualdade gênero, a diversidade, o multilateralismo, o direito ao desenvolvimento e o fortalecimento das relações Sul–Sul, apenas para citar algumas áreas. E é óbvio que a mudança da gestão federal – e da estratégia nacional– já mina nossa liderança regional e internacional nos processos relativos aos ODS cujas metas, agora, passarão a nos embaraçar.

Ter Michel Temer abrindo a Assembleia Geral da ONU, não importa o que contenha o discurso oficial, enviará ao mundo uma mensagem bem específica: que no Brasil agora ditam as cartas os defensores da privatização de bens públicos, da flexibilização de direitos, os que se opõem às tão urgentes reformas política e tributária. Venceram os que concentram riqueza, mas são paupérrimos de visão republicana: atores para os quais pouco importa o soft power acumulado há décadas por uma política externa balizada na defesa coerente de pautas nacionais, democráticas, inclusivas e progressistas.

Por isso, não importa o discurso oficial. A mensagem real de Temer será: “apesar de todas as resoluções que o Brasil já assinou sobre equidade de gênero e orientação sexual, raça e etnia, saúde e educação, liberdade de expressão, transparência, meio-ambiente, economia… os tempos são outros”. Nas entrelinhas, a realidade brasileira será lida sem dificuldades, pois os temas antes ferozmente disputados no âmbito do governo estão agora, publicamente, superados: nosso corpo ministerial é só de homens brancos; educação e saúde serão sucateadas no prazo de vinte anos, manifestações públicas serão reprimidas, direitos trabalhistas, previdenciários e ambientais serão flexibilizados. As propostas atuais sobre a mesa já indicam quem “ficará para trás” sem nenhum remorso por parte daqueles que hoje assinam os cheques e definem as políticas nacionais.

Assim, Mr. Temer, ao voltar ao para casa, deixará vários de seus diplomatas em saias–justas, obrigados a silenciar sobre políticas que, ao invés de gerarem novos paradigmas de desenvolvimento, nos farão retroceder vinte anos. Veremos como o Itamaraty justificará o fato de umpaís inteiro “ficar para trás” porque sem o tensionamento interno no governo entre os que pautavam um Estado defensor de direitos, vencem os que veneram apenas os mercados.

Na ONU, claro, ingênuos inexistem e suas agências e líderes dificilmente irão à público defender o governo Dilma, tão problemático e pouco estratégico quanto poderia ser. Mas aqui na 1st Avenue, onde fica a sede das Nações Unidas entende-se muito bem que, findadas as disputas por projetos políticos dentro do governo, substitui-se uma parte preciosa da nossa democracia – que incluía a luta cotidiana entre pensamentos diferentes e a crença nas suas instituições – pelo discurso monotônico dos banqueiros, do agronegócio, dos sexistas e homofóbicos, da economia ortodoxa e ultrapassada meireliana que ainda crê que a conta deve ser paga pelas pessoas mais pobres e mais discriminadas.

O Brasil que amanhã se apresenta na ONU, portanto, chega ainda mais alijado de direitos básicos como saúde, educação, segurança, paz. E encontrará interlocutores impregnados de dúvidas, influenciados por noticiários globais sobre a contínua desmoralização de nossas lideranças, sobre a corrupção sistêmica, o ódio, violência e o medo que se alastram sem freios.

É triste, mas é esta mensagem de “insustentabilidade” que ficará cristalina nas entrelinhas do discurso do Brasil. Um país que, desta vez, abre a Assembleia Geral da ONU enquanto fecha, em casa, caminhos longamente construídos em prol de um país mais justo – social, econômica e ambientalmente falando.

UM NOVO SOPRO DE ESPERANÇA




1 – No paraíso que constitui o Estado insular de Nova Esparta, mais propriamente na Ilha Margarita, na Venezuela, está em curso a XVIIª Cimeira do Movimento dos Não Alinhados, uma organização que integra mais de 120 nações da Terra, o equivalente a dois terços das representações nacionais na ONU.

A Venezuela que assumirá “pro tempore” a Presidência do Movimento, escolheu para a realização da Cimeira um lugar que reúne simultaneamente sinais de respeito para com a Mãe Terra (e por isso um destino turístico privilegiado a sul do colar das pequenas Antilhas) e de respeito para com a humanidade, pelo simbolismo da trajetória histórica, marco das independências modernas na América Latina e testemunho da luta constante em prol da autodeterminação dos povos, das nações e dos estados.

A ilha de Margarita e os ilhéus adjacentes que constituem Nova Esparta, tem sensivelmente a mesma área de São Tomé e Príncipe (um pouco mais de 1.000 km2)

Dificilmente a Venezuela poderia escolher melhor local para acontecimentos internacionais como este que, como suporte estrutural, conta com o esplêndido Centro de Convenções Hugo Chavez, em Porlamar, a maior cidade do arquipélago.

A XVIIª Cimeira, prova de vida e de esperança do MNOAL, é testemunho de que os mentores e seguidores de Francis Fukuyama (outro dos “filósofos” neoliberais “refletores” dos interesses da aristocracia financeira mundial nas universidades norte-americanas de feição), estão completamente equivocados.

O MNOAL face a esse equívoco, é a inteligência coletiva que além do mais percebe bem o papel das“revoluções coloridas”, das “primaveras árabes” e de outras formas de manipulação e ingerência que têm sido distendidos contra cada um dos seus componentes, procurando tirar partido das vulnerabilidades das economias periféricas nos processos correntes de globalização.

Sob o ponto de vista sócio-político e económico não se está a assistir ao "fim da história" e ao"último homem", pois as imensas desigualdades provam precisamente o contrário: o imperialismo seguindo a trilha neoliberal e em plena globalização, não é um mito, é um exercício nutrido de permanentes "práticas de conspiração" desrespeitando a Mãe Terra e toda a humanidade.

O capitalismo neoliberal produtor da hegemonia unipolar “distingue-se” pelos imensos desequilíbrios ambientais em curso, pelo fim de muitas espécies animais e vegetais, pelo aquecimento global que vai provocando incontroláveis incêndios, tempestades avassaladoras e chuvas diluvianas, pelas injustiças históricas e sociais, pelo envenenamento das relações internacionais com a disseminação do caos e do terrorismo…

Na Cimeira do MNOAL a humanidade geme todas as suas dores e aponta o dedo às causas, num concerto a uma só voz que é preâmbulo das soluções que os povos do sul procuram para tantos problemas, tendo como meta a agenda da ONU para 2030!...

Os concertos de paz constituem por si um garante no caminho e nos dois lados do Atlântico Sul reconhecem-se avanços na Colômbia, como nos Grandes Lagos, algo que favorece os relacionamentos comuns entre Angola e Cuba em contenciosos tão distintos.

2 – A XVIIª Cimeira do MNOAL, no momento em que o Irão entrega a Presidência “pro tempore”à Venezuela, em resposta aos desafios comuns que se colocam face ao comportamento da hegemonia unipolar e à concentração da riqueza nas mãos de 1% da humanidade, tem como temas fulcrais a necessidade de respeito para com a Mãe Terra, a incessante busca da paz e sua consolidação, a defesa da autodeterminação, da independência e da soberania dos povos, das nações e dos estados, bem como a necessidade premente da humanidade pautar pela unidade e pela solidariedade, ou seja, uma agenda que se assume com os olhos do sul e particularmente com os olhos dos progressistas latino americanos e de todo o mundo, para fazer frente ao domínio daqueles que utilizam os fenómenos globais com o exclusivo fim de aumentar o seu domínio sobre os demais.

Os componentes do MNOAL têm vindo a sofrer todo o tipo de ingerências por parte da hegemonia unipolar, o que subverte a possibilidade de relações internacionais justas e mais equilibradas, ao mesmo tempo que dificulta a emergência necessária na luta contra o subdesenvolvimento e por um desenvolvimento sustentável.

As intervenções produzidas nesta Cimeira num momento crucial para o planeta e para a humanidade, revitalizam o Movimento dos Não Alinhados que se aproxima das emergências multipolares, conferindo um novo sopro de esperança, que confirma a dialética do materialismo histórico.

3 – Para a América Latina progressista este sopro é um sinal de mobilização para fazer face a mais processos de desestabilização em curso na América, em África e na Ásia, processos esses que estão a ser lançados dando sequência à disseminação do caos e do terrorismo, mas também à ingerência que colige os interesses das oligarquias agenciadas pela globalização capitalista neoliberal de acordo com os parâmetros da hegemonia unipolar.

Na América o incremento duma convulsão retrógrada manipulada por aqueles que pretendem a todo o custo manipular em proveito da aristocracia financeira mundial, está a atingir países como as Honduras, o Paraguai, a Argentina, o Brasil, ou a própria Venezuela, assim como instituições como por exemplo o MERCOSUL…

O sopro de esperança revitalizadora desta Cimeira visa dar luta a esta última mobilização do império que teima em continuar a tratar o seu “pátio traseiro” reeditando uma nova “Operação Condor” nos moldes possíveis do século XXI.

Ciosos de paz, do aprofundamento das democracias, de luta em prol do desenvolvimento sustentável, da integração e da solidariedade, os progressistas americanos unem-se e cerram fileiras, não perdendo de vista as causas que colocam em perigo a Mãe Terra.

Em África, as denúncias contra o colonialismo e o terrorismo multiplicam-se com o dedo apontado na mesma direção.

Persiste o colonialismo marroquino no Sahara e o neocolonialismo avança, tirando partido das fragilidades africanas num continente em que a água interior é alvo de disputas sangrentas atiçadas pelas manipulações e ingerências que chegam do exterior, por via do exercício da hegemonia unipolar.

No continente asiático a Arábia Saudita, as outras monarquias arábicas e os falcões de Israel, sustentam o terrorismo do Paquistão à Síria, passando pelo Iémen, pelo Afeganistão, pelo Iraque, pela Palestina e ameaçando alastrar o caos e o terrorismo a outros estados, entre eles o Irão que agora cessa a Presidência no MNOAL.

No MNOAL a crítica faz-se em relação por isso a alguns dos seus componentes arábicos, vassalos da hegemonia unipolar e seu recurso para semear tensões, conflitos e guerras.

O arco de crise tem sido de tal ordem que África está também envolvida nessa sangrenta saga, da Líbia à Somália, passando pelo Mali, a Nigéria, os Camarões, o Chade…

4 – A Cimeira do MNOAL comprova que o que une os povos, as nações e os estados do sul, é a ideologia muito mais que a geografia (lembrando uma preocupação publicamente manifestada por várias vezes pelo Presidente Agostinho Neto, fundador de Angola e um dirigente esclarecido que foi do próprio MNOAL), numa dialética que identifica quais são as causas produzidas no âmbito e a partir do império e agora da hegemonia unipolar, causas que envenenam a vida no planeta e os relacionamentos humanos dentro das sociedades e a nível internacional.

A cultura da paz torna-se assim vital e é a maior das batalhas que os povos do sul estão a travar no caminho longo de sua própria vitalidade, correspondendo aos padrões mais amplos do desenvolvimento sustentável e universais dos direitos humanos!

- - Fotografias relativas à XVIIª Cimeira do Movimento dos Não Alinhados, em curso na ilha Margarita, na Venezuela.

A consultar:
- Le sommet du MNA s’achève sur un appel à la paix dans le monde – http://www2.irna.ir/fr/news/view/line-98/1209016338103818.htm
Iran’s President Stresses Activating NAM's Capacities – http://english.farsnews.com/newstext.php?nn=9106061268
- La Mnoal es un movimiento que tiene en su seno la esperanza para la humanidad – http://www.correodelorinoco.gob.ve/regiones/canciller-rodriguez-mnoal-es-un-movimiento-que-tiene-su-seno-esperanza-para-humanidad/
- Los países del Sur necesitaban de una agrupación profundamente anticolonialista, antimperialista y antirracista –http://www.cubadebate.cu/opinion/2016/09/16/los-paises-del-sur-necesitaban-de-una-agrupacion-profundamente-anticolonialista-antimperialista-y-antirracista/#.V9z5sWJo3mI
- La única alternativa ante los enormes peligros y desafíos que tenemos por delante es la unidad y la solidaridad –http://www.granma.cu/mundo/2016-09-17/la-unica-alternativa-ante-los-enormes-peligros-y-desafios-que-tenemos-por-delante-es-la-unidad-y-la-solidaridad-17-09-2016-22-09-26
- Nicolás Maduro: El Mnoal reunió a todas las conciencias rebeldes y justas del mundo – http://www.ultimasnoticias.com.ve/noticias/politica/nicolas-maduro-mnoal-reunio-todas-las-conciencias-rebeldes-justas-del-mundo/ 
- Previo a la próxima asamblea general de la ONU – G77 + China destaca importancia del MNOAL para garantizar la paz y el desarrollo sostenible – http://www.correodelorinoco.gob.ve/politica/g77-china-destaca-importancia-mnoal-para-garantizar-paz-y-desarrollo-sostenible/ 
- Robert Mugabe advierte que el unilateralismo crea caldo de cultivo para el extremismo – http://www.correodelorinoco.gob.ve/multipolaridad/robert-mugabe-advierte-que-unilateralismo-crea-caldo-cultivo-para-extremismo/
- Libia y Sudáfrica llaman a países del Mnoal a sumar esfuerzos para derrotar el terrorismo –http://www.correodelorinoco.gob.ve/politica/libia-y-sudafrica-llaman-a-paises-mnoal-a-sumar-esfuerzos-para-derrotar-terrorismo/ 
- Angola rechaza irrespeto imperialista en la soberanía de los pueblos del Mnoal – http://www.correodelorinoco.gob.ve/multipolaridad/angola-rechaza-irrespeto-imperialista-soberania-pueblos-mnoal/ 
- Declaración de la XVII Cumbre de los Jefes de Estado y de Gobierno del Movimiento de Países No Alineados (MNOAL) – http://www.granma.cu/mundo/2016-09-18/declaracion-de-la-xvii-cumbre-de-los-jefes-de-estado-y-de-gobierno-del-movimiento-de-paises-no-alineados-mnoal-18-09-2016-22-09-17

QUAL O IMPACTO DA CRISE DO DELTA DO NÍGER NO GOLFO DA GUINÉ?




Uma das posturas que o antigo presidente nigeriano Goodluck Jonathan tomou face aos antigos “partisans” que operavam em miríades de grupos armados no Delta do Níger para terminar com os assaltos e ataques diversos – e, não poucas vezes, muito cirúrgicos – contra a economia nigeriana no Delta, nomeadamente, contra as instalações petrolíferas (exploração e transporte de crude), foram conceder-lhes em finais de 2009, com a uma amnistia, o pagamento anual de cerca de 200 milhões de dólares norte-americanos aos diversos grupos de activistas que operavam (operam) no Delta.

Ora, em Março, o general Paul Boroh, que coordena o Programa de Amnistia Presidencial, segundo instruções do novo governo liderado por Muhammadu Buhari, decidiu suspender os pagamentos ao ex-guerrilheiros e activistas – em média correspondia a cerca de US$ 200 por mês a cada antigo activista (adoptemos esta terminologia para os diferentes grupos armados ou não) – justificando que as receitas do Estado nigeriano teriam caído devido à quebra mundial do preço do petróleo, cuja produção representa 70% das receitas financeiras da Nigéria; seria o fim do Programa de Amnistia de Jonathan. Em contrapartida o Governo nigeriano estudava substituir este Programa por um outro que tinha como objectivo uma estratégia programática que fosse de mais longa e mais credível resolução financeira e política.

Só que esta visão política governativa não convenceu os activistas que operavam (e operam) no Delta, dado que, quase de imediato, desferiram uma onda de ataques contra instalações de petróleo e gás, compelindo a produção petrolífera para menos de 1,4 milhões de barris por dia (bpd), considerado como o menor dos últimos 25 anos! Registe-se, no entanto, que o ministro da Energia nigeriano terá dito, em Londres, no final de Julho, que já começava a haver registos de uma recuperação significativa na produção de crude, chegando esta a 1,9 milhões de barris/dia ainda longe dos orçamentados 2,2 milhões de barris/dia.

Apesar destas notícias optimistas do Governo nigeriano, constata-se – aliado ao enorme problema chamado Boko Haram e que merece outro tratamento em outro artigo – que os ataques no Delta continuam a persistir e a colocar em causa a exportação do crude nigeriano que representa. Desde o início do ano a produção desceu mais de 21,5% ao ponto da Nigéria ter sido ultrapassada por Angola como o maior produtor da África subsaariana (1,5 milhões bpd nigerianos contra os 1,78 bpd de Angola – valores da OPEP; e reafirmado pelo recente relatório da agencia Internacional de Energia “Africa Energy Outlook”, para o período 2016-2020).

Continuam a ser vários os grupos que, com maior ou menor força operacional, actuam no Delta: MEND (Movement for the Emancipation of the Niger Delta) – ainda que este esteja em declínio ou persista através de alguns activistas que se intitulam como sendo remanescentes deste movimento e que poderão emergir como um novo grupo operacional –; MOSOP (Movement for the Survival of the Ogoni People); NDLF (Niger Delta Liberation Front); NDPVF (Niger Delta People's Volunteer Force); NDV (Niger Delta Vigilante); ou os emergentes Red Egbesu Water Lions (havendo quem os também denomine, provavelmente de modo errado, de Pensioners Egbesu); Asawana Deadly Force of Niger Delta (ADFND); Joint Niger Delta Liberation Force (JNDLF); Niger Delta Revolutionary Crusaders, (NDRC): Niger Delta Greenland Justice Mandate (NDGJM). Todavia, quem se assume como um claro potencial e perigoso grupo a operar no Delta, ainda que recentemente tenha aceitado negociar com Abuja, um acordo de paz para a região são os Vingadores do Delta do Níger (NDA – Niger Delta Avengers).

Segundo as forças de segurança nigerianas, nos últimos meses, o NDA foi responsável por metade dos ataques ocorridos no Delta do Níger, distribuídos entre os estados de Bayelsa e do Delta (ambos no delta do Níger). Registe-se que o exército nigeriano prevê estarem a operar no Delta cerca de 13 grupos extremistas, a maioria de aparecimento efémero.

Fala-se nos corredores governamentais de Abuja procurar fazer com estes novos grupos o que Jonathan fez com os anteriores. Negociar uma nova amnistia “paga”. Só que grupos como NDGJM, ADFND ou NDRC já disseram que exigem muito mais que isso. Uns desejam a independência dos Estados do delta; outros querem participar na gestão e distribuição dos produtos petrolíferos nas mãos de grandes empresas e multinacionais estrangeiras, nomeadamente, Shell, ExxonMobil, Total/Elf/Fina, Chevron, ou a ENI/Agip, bem como a nigeriana NNPC.

Todos estes ataques colocam em dúvida a se a antiga importância estratégica petrolífera da Nigéria ainda importa para os principais importadores de crude. Veja-se como os EUA se viraram para Angola ou como a China ou a Índia, dos actuais maiores importadores de crude, quase têm ostracizado o petróleo nigeriano.

E esse declínio reflecte-se na segurança do Golfo da Guiné, algo já previsto em 2006, por Michael Watts, do Centro de Estudos Africanos da Berkeley, University of California, no texto «Empire of Oil: Capitalist Dispossession and the Scramble for Africa».

Para impedir que a deficiente segurança terrestre se reflita na segurança marítima com os consequentes ataques e raptos marítimos no Golfo da Guiné, o exército nigeriano, prevendo o falhanço – quase certo – das negociações propostas por Abuja aos activistas do Delta, enviou para a região 2 divisões (a 2ª e 82ª) de cerca de 100.000 soldados na operação militar denominada “Operation Crocodile Tears”. A esta operação está associada uma operação de policiamento e combate à sabotagem denominada “Operation Delta Safe”. Há quem as considere mais forças de ocupação que de segurança…

Ora é esta premente preocupação que leva os diferentes grupos de opinião e pressão internacionais ou de interesses (os lobbies e os Think-tanks) a se debruçarem sobre a estabilidade do Golfo da Guiné e como estas questões políticas e militarizadas no Delta podem colocar em causa essa estabilidade e, principalmente, a petropolítica dos pequenos estados do Golfo (Gabão, Gana ou Guiné-Equatorial, mais este que os anteriores) como a segurança do transporte de crude e de outros produtos (certos e importantes minérios que têm como principais produtores países centro-africanos) para os EUA, para a Europa ou mesmo para a China.

Algumas medidas estão a ser tomadas; ainda que, na realidade, continuem a pouco passar do papel. Recorde-se A “Declaração de Chefes de Estado e de Governo dos Estados da África Central e Ocidental sobre Segurança Marítima no seu Domínio Marítimo Comum de 2013 (Código de Conduta de Yaoundé)” sobre a defesa e segurança marítima no Golfo. Só recentemente parece estar em vias de se efectivar a operacionalização completa do Centro Inter-regional da Segurança Marítima em Yaoundé, a operacionalização do Centro Regional de Segurança da África Ocidental, o reforço da cooperação e troca de informações sobre tráfico, assim como a coordenação com as organizações regionais e com os estados do Golfo.

Os Açores esforçam-se para terem, na ilha Terceira, um Centro de Segurança Marítima dedicado ao controlo do Golfo da Guiné com o apoio dos EUA na sequência da “despromoção” da Base das Lages.

Sintetizemos alguns factos muito rapidamente

Recordemos que um documento de Agosto de 2014 descrevia que em 2013, o Centro de Observação da Pirataria do Gabinete Marítimo Internacional expôs que, dos “234 episódios registados em todo o mundo, 30 incidentes, incluindo 2 sequestros, tiveram lugar ao largo da costa da Nigéria”. Preocupante, dado que não é só a Nigéria que é afectada: São Tomé e Príncipe, Gabão, Gana e Guiné-Equatorial são, também estes directamente afligidos.

A Organização Marítima Internacional (OMI) só no primeiro trimestre de 2016 registou um assinalável aumento de actividades e incidentes com pirataria marítima na ordem dos 36% (o ano de 2015 colocou o Golfo da Guiné como “a terceira área marítima mais perigosa do mundo ao registar 49 incidentes que incluem pequenos furtos, raptos ou desvio de embarcações”); o número de pessoas sequestradas em navios até finais de Abril, já corresponde ao total global de 2’015; este ano – segundo um relatório da OMI, de inícios de Maio, “a região teve 40% dos casos de pirataria e de assaltos à mão armada no mar ocorridos em todo o mundo”.

Pode-se, face a estes factos que, naturalmente, o impacto da crise do Delta do Níger no Golfo da Guiné é cada vez mais preocupante e carece de um acompanhamento mais acentuado das Nações Unidas e, principalmente, porque são partes interessadas da Comissão do Golfo da Guiné e da União Africana.

*Investigador e Pós-Doutorando

Publicado no semanário Novo Jornal, edição 448, de 9 de Setembro de 2016, página 14

*Eugénio Costa Almeida – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.

É A DESIGUALDADE, ESTÚPIDO!



Ai Jesus se aumentamos os impostos sobre os rendimentos de topo ou se afugentamos os vistos Gold. Ai Jesus se chegamos aos intocáveis.

João Teixeira Lopes – Esquerda.net, opinião

As pressões, ataques e insultos sobre a preparação de um imposto sobre o património imobiliário ou sobre ofim do sigilo bancário para contas superiores a 50 mil euros são altamente reveladoras sobre os interesses em jogo na sociedade portuguesa.

Em primeiro lugar, mostra como alguns políticos e jornalistas pensam mais com a sua carteira do que com a cabeça.

Em segundo lugar, revela a mais absurda conceção de classe média: composta, supostamente, por agregados com património imobiliário superior a 500 mil euros. Quem nos dera que essa fosse a classe média portuguesa, num país onde o salário médio ronda os mil euros mas onde a maior parte da população não aufere mensalmente mais de 700 euros. Estudos recentes mostram como o quintil mais elevado da distribuição de rendimentos se tem afastado dos demais, devido à concentração da riqueza e ainda como a classe média empobreceu, aproximando-se do quintil mais baixo, e se tornou muito mais vulnerável à possibilidade de pobreza e à precariedade. A recente investigação de Carlos Farinha Rodrigues demonstra que, com a crise, os ricos perderam 13% do seu rendimento e os pobres o dobro!

Em terceiro lugar, vivemos num país que não assume que o seu principal problema são as desigualdades. Temos dos piores coeficientes de Gini (34,5) da União Europeia e um dos maiores fossos (pior só a Roménia e a Eslováquia) na distribuição de rendimento entre homens e mulheres. Países com maiores desigualdades têm piores desempenhos económicos. O aumento da desigualdade social, aliás, reconhece o próprio FMI, está na origem da crise de 2007-8. Mas este abismo nunca está na agenda e só se permite o assistencialismo e a sopa dos pobres. Podem-se cortar salários, pensões e aumentar brutalmente os impostos – IVA e IRS, nunca o IRC..), mas deixemos as fortunas no cofre.

Ai Jesus se aumentamos os impostos sobre os rendimentos de topo (os 5% mais ricos) ou se afugentamos os vistos Gold (imersos, desde a sua criação por Paulo Portas, nas maiores suspeitas de funcionarem como esquema de lavagem de dinheiro). Ai Jesus se tributamos os que se furtam à colecta (um dos problemas estruturais da nossa sociedade, com uma das maiores taxas de fugo ao fisco dos ricos). Ai Jesus se queremos saber a origem e o circuito do dinheiro (já toda a gente se esqueceu dos Panama Papers). Ai Jesus se chegamos aos intocáveis.

Este fechamento à discussão de uma política fiscal realmente progressiva é um dos piores sinais do nosso atraso.

Artigo publicado em p3.publico.pt a 19 de setembro de 2016

*Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo, professor universitário

JORNALISTAS, ESSES NOSSOS ADVERSÁRIOS - QUE NEM CONHECEM O PAÍS REAL



A opinião de Ana Sá Lopes, no jornal i, não podia ser mais pertinente. Maviosa nas palavras mas nem por isso irrealista. Os jornalistas (existem exceções cada vez mais raras) não dão a conhecer o país real, eles próprios parece que preferem não o conhecer. Vai daí mostram-nos o que lhes pagam (muito bem) para nos mostrarem, assumindo a adversariedade com os milhões que são a maioria dos que sobrevivem (mal) no país real. 

Salvo exceções, não existem jornalistas ricos por via daquela profissão, mas não são pobres. São produto daquilo a que se sujeitam e a que se vendem (quando se vendem). Podem ter uma vida sossegada e confortável se não gastarem mais que aquilo que ganham no seu trabalho. 

O mais grave é existirem imensos cuja pobreza de espírito é confrangedora. Desses, vimos, lê-mos e ouvimos a produção de enormes barbáries que põem a profissão e os profissionais a sério numa situação de "caldeirada", em que todos são medidos pela mesma bitola. Injusto. E não, não acontece só nas televisões. O que existe na comunicação social - certa e incerta - é do piorio e da devassa da nobre (em tempos) profissão.

Sem mais considerações, porque a realidade jornalística mete nojo, passemos ao artigo de opinião de Ana Sá Lopes, no jornal i. (PG)

O país que passa na televisão está cheio de ricos

Ana Sá Lopes – jornal i, opinião

Um jornalista radical, Serge Halimi, escreveu um dia que desde que os jornalistas começaram a viver com os salários das classes altas, nos bairros das classes altas, a ir aos restaurantes das classes altas, começaram instintivamente a defender os interesses das classes altas, dos banqueiros, dos grandes empresários, e a ignorar os trabalhadores comuns que sobreviviam com dificuldades. Num passado remoto, o jornalista era um operário como os outros. Depois dos anos 80, as coisas mudaram.

Este livro de Serge Halimi é antigo e, entretanto, o panorama do setor da comunicação social alterou-se: os salários dos jornalistas são baixíssimos e alinham genericamente pela classe média nacional, onde um vencimento de 1500 euros líquidos é considerado bom. Os salários que não mudaram – a par dos administradores dos bancos e das grandes empresas – foram os dos mais conhecidos comentadores políticos.

A menos que se trate de uma qualquer “síndrome de Estocolmo” – que existe sob as mais estranhas formas –, o facto de o país comentador ter vindo abaixo com o anúncio de um novo imposto para o património mais elevado, que vai substituir o imposto de selo criado pelo governo Passos/Portas, prova que quem tem acesso à televisão não conhece o país em que vive, onde o salário médio é de 800 euros e a acumulação de património com valor tributário de 500 mil euros é uma raridade. Não é valor de mercado: é valor tributário, o que é radicalmente diferente.

É evidente que a maneira como o novo imposto foi apresentado não podia ter sido mais desastrada. Quando Costa vem ontem dizer que, praticamente, não existe imposto nenhum, é uma tentativa de controlo de danos – a 25 dias da apresentação do Orçamento – desesperada.

Mas uma coisa é a forma, outra o conteúdo. A unanimidade dos comentadores não representa o país real. Alguém que faça o favor de lhes diminuir os salários de forma a permitir que tenham possibilidades de obter um melhor conhecimento de causa.

TUDO NA MESMA COMO A LESMA. As 1000 famílias que mandam nisto tudo sem pagarem impostos



Elisabete Miranda, no Negócios, produziu um artigo em que realça a entrevista de Azevedo Pereira, responsável da Direção Geral de Impostos. A peça data de Dezembro de 2015. Passou quase um ano desde essa data e está tudo na mesma como a lesma. Ou seja: sobre as 1.000 famílias donas disto tudo e que não pagam impostos continua o é fartar vilanagem e as DDTs baldam-se a pagar impostos com o maior dos desplantes e a maior das impunidades. É disso que se trata na prosa a seguir. Prosa que, infelizmente, continua atual. (PG)

As 1000 famílias que mandam nisto tudo (e não pagam impostos)

Depois de ter passado sete anos à frente da Direcção-geral dos Impostos mergulhado num silêncio sepulcral, José Azevedo Pereira concedeu uma entrevista à SIC-Notícias (a segunda no espaço de poucos meses) que vale a pena ouvir.

Entre o muito que não diz mas insinua, e as conclusões que consente que se tirem sobre a manipulação política a que o Fisco terá sido sujeito durante o último Governo, há uma informação que deixou cair sem ambiguidade: em 2014, quando saiu da Autoridade Tributária, uma equipa especial por si chefiada tinha identificado cerca de 1.000 famílias ricas – os chamados "high net worth individuals" – que, por definição, acumulavam 25 milhões de euros de património ou, alternativamente, recebiam 5 milhões de euros de rendimento por ano.

Ora, "em qualquer país que leva os impostos a sério", este grupo de privilegiados garante habitualmente cerca de 25% da receita do IRS do ano (palavras de Azevedo Pereira). Por cá, os nossos multimilionários apenas asseguravam 0,5% do total de imposto pessoal. Ou seja, (conclusão nossa), como estamos em Portugal, onde estas coisas da igualdade perante a lei e a equidade tributária são aplicadas com alguma flexibilidade, os "multimilionários" pagam 500 vezes menos do que seria suposto.

Sem nunca se querer comprometer muito, Azevedo Pereira descreve que, em Portugal como no resto do mundo, estamos perante grupos de cidadãos que têm acesso fácil aos decisores políticos e grande capacidade de influenciar a feitura das leis. Mas se, como assinala e bem, este não é um fenómeno exclusivamente nacional, e lá por fora os ricos sempre vão pagando mais impostos, presume-se que em Portugal a permeabilidade dos nossos governantes e deputados tem sido bem maior (conclusão nossa).

A situação não é uma fatalidade, pode remediar-se "desde que haja  vontade política", sendo certo que o grupo de funcionários do Fisco que estava a trabalhar neste tema até 2014 foi entretanto desmantelado (palavras de Azevedo Pereira). 

Citando apenas meia dúzia de números elucidativos, e sem quebrar qualquer dever de confidencialidade, o antigo director-geral dos impostos prestou um importante serviço público. Só é pena que tenha demorado oito anos a começar a falar e que, oito anos depois, a Autoridade Tributária continue a ser uma estrutura opaca, que silencia informação estatística fundamental para se fazerem debates informados, e que subtrai do conhecimento geral todas as valiosas interpretações que adopta. Não é só o acesso privilegiado de um punhado de contribuintes ao poder que distorce a democracia e desvia milhões dos cofres públicos. A falta de transparência das instituições públicas também. 

Elisabete Miranda – Negócios - em 12 Dezembro 2015

MARCELO, MARIANA, CAFEÍNA E MASTURBAÇÕES. FORNICANTE PASSOS, O ESGOTO



Hoje há cafeína. Expresso Curto, para mais tarde esquecer. Pedro Candeias é quem serve. Abre com Marcelo na ONU. Falar ou estar calado, naquele aéropago mundial, é o mesmo que não ter lá ido. Mas ali ele tem de falar, ou senão nem ia lá. Pois. Falam, falam, são presumíveis pessoas sábias, mas não dizem que aquelas sessões não passam de masturbações com resultados precoces e nulos que não dão gozo nem resultados positivos para a população mundial. Sábios no aerópago. Masturbações de alto-nível. Pois.

Mariana Mortágua. Outra masturbação, desta vez neoliberal-fascista com morada em Portugal. É a propósito do imposto sobre móveis e imóveis ou lá o que disserem mais. Os neoliberais-fascistas (fascistas porque são eles que estão a abrir as portas ao fascismo da modernidade) andam a vociferar sobre aquilo que nem sabem como vai acontecer, nem o governo ainda sabe como vai deitar cá para fora aquele imposto aos mais ricos. Isso não impede de escutarmos as mais torpes afirmações dos tais fascistas-neoliberais. Desde a senhora presidente ou só maioral do CDS (que nem me recordo do nome e não há pachorra para pesquisar)) até aos mais refundidos e perversos fascistóides com capas de democratas, incluindo os da igual manha “democrática” do PSD, lá estão todos a barafustar sobre o que ainda não se sabe como vai ser desse imposto sobre certos e incertos criminosos que fogem ao fisco iludindo-o e não declarando que afinal são sobejamente ricos para contribuírem com mais impostos. O combate da fuga ao fisco tem de ser ativado de modo a que os mais ricos não possam fazer deste país uma bandalheira e a transparência irá ajudar a isso. É que nos bancos há muito dinheiro sujo e acobertado de que não se tem conhecimento. É crime. Pois. Mas onde estão os criminosos a contas com as leis? Não há. Ou, muito raramente há. Olhem o exemplo do Ricardo Salgado do espírito santo de orelha e todo o corpo de malandragem. Fugiu ao fisco mas depois até teve descontos e mordomias em vez de ser incriminado. A seita é a seita. E a seita é quem mais ordena neste país e no mundo. Esses podem roubar, cometer crimes. Um desgraçado que roube uma lata de salsichas num supermercado vê-se a contas com o juiz e até é condenado (se necessário a prisão). Sabemos que é assim. Não há muito tempo aconteceu com uma idosa no Porto. Acontece com os sem-abrigo e outros pobretanas com a vida desgraçada para benefícios das seitas de dótores e outras dores que nos põem a vida em pantanas.

Mariana Mortágua. Agora dêem-lhe forte e feio, aproveitem. O dia do juízo vai chegar para os que na atualidade roubam, exploram, vigarizam, matam e esfolam se necessário. Tudo impunemente. Justiça forte com os pobres, fraca ou inexistentes com os ricos. Pois. As contas um dia vão ser feitas e é muito provável que não sejam tão brandas e floridas como no dia 25 de Abril de 1974. Depois não se queixem. Certo é que esse dia chegará. Sabemos. Basta ler a história. Depois volta tudo ao mesmo passado uns tempos. Pois. Sacanas por esse mundo fora não faltam.

Bom dia. Se conseguirem encontrar modo de que assim seja. Para já leia o Curto do Expresso, com as devidas cautelas. Nunca fiando. De preferência usem o vosso cérebro sobre o que lêem. Em tudo, não só no Expresso.

Hoje houve cafeína. Nem todos os dias o PG tem publicado. Melhores dias virão. Talvez. Até que a morte nos separe.

A imagem ilustrativa é a obra “Figuras à Beira-mar”, 1931, de Pablo Picasso. Rebaldarias de verão. Pois. Dedicada a José António Saraiva e ao seu livro das fornicações dos políticos. Livro que era para ser apresentado pelo fornicador-mor dos portugueses e da democracia em Portugal, Pedro Passos Coelho... Mas Passos voltou atrás e não apresentou o livro do amigo das quecas de todo o tamanho e feitio. Disse Passos antes, durante a polémica de apresentar aquilo: "Estarei a fazer a apresentação dessa obra. Não sou de voltar com a palavra atrás nem de dar o dito por não dito." Não apresentou. Voltou com a palavra atrás. Afinal o tipo é doente, um mentiroso compulsivo. Um nojo de personalidade. Para o menos bem e para o muito mal. Fornicante Passos Coelho, esgoto. Pois. Leia em baixo, neste Curto.

Inté.

Mário Motta / PG

Bom dia, este é o seu Expresso Curto

Pedro Candeias – Expresso

O que Marcelo disse na ONU, o dito por não dito de Passos e o que ainda se diz de Mortágua

Bom dia,

Sei que é longo, mas peço-lhe que leia porque isto tem uma finalidade (e um fim, prometo) - e também porque deu algum trabalho.

Vamos lá:

Abrantes, Alvito, Barragem do Pocinho, Batalha, Beja, Belém, Berlim, Bobadela, Bragança, Bruxelas, Calheta, Cascais, Caxias, Chaves, Coimbra, Desertas, Espinho, Estoril, Évora, Freixo de Espada a Cinta, Fronteira, Funchal, Fundão, Ílhavo, Jamor, Lisboa, Lyon, Madrid, Mafra, Maputo, Marrocos, Matosinhos, Moura, Paço do Lumiar, Paris, Pernambuco, Portalegre, Portel, Porto, Porto Santo, Reguengos de Monsaraz, Roma, Santarém, Santa Marta de Penaguião, São Pedro do Sul, Serpa, Selvagens, Sintra, Torres Vedras, Vaticano, Vila Flor, Vila Franca de Xira, Vila Nova Da Rainha e Viseu.

De março para cá, Marcelo Rebelo de Sousa esteve nestes lugares todos (está no site da Presidência) e eu limitei-me a ordená-los alfabeticamente para confirmar o que se suspeitava: há um cartógrafo hiperativo e incansável a viver dentro de Marcelo. Não havia vivalma neste burgo que não conhecesse o Marcelo pré-PR, poucos serão os que não o reconhecerão agora. Um deles é o jovem jornalista francês à procura de respostas europeias paras as eleições norte-americanas.

– Já agora, qual o seu cargo?, perguntou ele

– Eu sou o Presidente da República de Portugal, respondeu Marcelo.

Foi em Nova Iorque – que juntarei à lista da próxima vez que se falar disto –, o vídeo está aqui, aconteceu a horas de se dirigir ao Mundo, e mostra que, além de dormir pouco, ler muito e nunca se perder no caminho, Marcelo tem fair play. Depois de Yoweri Kaguta Museveni, presidente do Uganda e antes de Enrique Peña Nieto, presidente do México, Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu à ONU e tomou a palavra das 23h03 às 23h18.

Em quinze minutos, o PR português falou dos refugiados, da ajuda militar nacional à República Centro Africana e ao Mali; apelou ao fim do terrorismo, à prevenção e à solidariedade com os refugiados da Síria (o grande tema da 71ª Assembleia Geral); e lembrou os milhões de falantes do idioma de Camões, citando Vergílio Ferreira: “Da minha língua, vê-se o mar”

E disse, também, que o sucessor de Ban Ki Moon terá de reunir as caraterísticas “e os princípios de Mahatma Gandhi e de Nelson Mandela”, “construíndo pontes e sabendo ouvir, tendo a sabedoria e a capacidade de liderança inatas para tomar posições em que todos se revejam”. Omitiu as duas palavras que não podia dizer, porque não lhe ficava bem dizê-las: António Guterres.

As eleições para a liderança da ONU estão à porta, Guterres está à frente na corrida, e todas as oportunidades, para seduzir e amigar, são de agarrar. E os EUA, segundo Marcelo confessou ao tal repórter francês, são amigos - o que faz de Obama, com muita boa vontade nossa, um amigo.

Ora, o primeiro discurso de Marcelo coincidiu com o último de Obama, que raramente desilude quando lhe põem um púlpito e um público pela frente. Ontem, foi um desses casos e o mérito é dele, mas também de quem escreve o que ele diz: Cody Keenan. “Um mundo em que um por cento da economia controla os outros 99 por cento nunca será um mundo estável. Temos de seguir em frente e não para trás. A solução não pode ser, simplesmente, a rejeição de uma integração global. Há muitas nações, abençoadas pela geografia e pela riqueza, que poderiam estar a fazer mais”.

OUTRAS NOTÍCIAS

Dificilmente encontramos uma nação mais rica e abençoada por Deus, pela Mãe Natureza, pela sorte ou pelo acaso (escolha a opção que mais lhe convier) do que a brasileira. E dificilmente encontraremos noutro lugar um poço de tantas contradições, sendo “poço” a palavra chave, porque também é de petróleo que se fala.Lula da Silva vai ser julgado por corrupção no caso da Petrobras (e da construtora OAS), depois de o juiz Sérgio Moro ter aceitado a acusação contra o antigo presidente do Brasil - Lula não está só, mas acompanhado pela mulher, Marisa Letícia.

Quem não estará só nem acompanhado é José António Saraiva. Segundo o jornal i de hoje, o lançamento do livro “Eu e os Políticos”, da Gradiva, já não vai acontecer “por razões de segurança e para não acicatar os ânimos”. E quando acontecer, já não será apresentado por Pedro Passos Coelho, que alega que “as questões pessoais e privadas” retratadas na obra o fizeram recuar. “Metendo-me na pele de Pedro Passos Coelho, é de facto a atitude mais sensata”, diz Saraiva ao i. Há três dias, PPC garantira o seguinte: “Estarei a fazer a apresentação dessa obra. Não sou de voltar com a palavra atrás nem de dar o dito por não dito”.

Mariana Mortágua também diz que nada mais dirá sobre o imposto IMM (roubei o acrónimo ao Filipe Santos Costa), enquanto outros vão dizendo das suas. António Costa não escorrega na expressão “Ministra-sombra-das-Finanças”, assegura que, no OE, não haverá qualquer medida “de tributaçao do património que penalize o investimento ou afete os rendimentos das famílias”, e que é cedo para falar de assuntos que não estão fechados. Assunção Cristas acha que Costa fechou a boca ao Bloco de Esquerda e o Jornal de Negóciosacha o mesmo. Já hoje de manhã, em entrevista publicada à TSF, Pedro Filipe Soares, líder parlamentar dos bloquistas, veio revelar que nao, que Mortágua e o BE não apresentaram o tal imposto IMM à revelia do PS. Faz tudo parte de “uma estratégia mediática”. Afinal, garantiu Soares, havia um plano e não foi sem querer; mas de propósito.

Mesmo a propósito, a Rosa Pedroso Lima escreveu no Expresso Diário que nada disto é novo. “Mariana Mortágua não está a inventar a pólvora, mas o BE passou a carregar as armas”. A taxa suplementar de 0,5% de IMI para o património acima dos €500 mil, o fim dos benefícios fiscais e das isenções a Estado, Igrejas ou colégios particulares – enfim, todas estas medidas fazem parte da agenda bloquista há anos. A diferença, é que o BE, agora, está no poder.

Agora, os que podem mais – e os que podem menos. Neste segundo artigo da série de trabalhos sobre o estudo “Desigualdade do Rendimento e Pobreza em Portugal: 2009-2014”, a Raquel Albuquerque diz-nos que “o rendimento dos 5% de portugueses mais ricos é 19 vezes maior que os dos 5% mais pobres”. E como estamos nós na Europa? Em média, houve um agravamento de 0,4 pontos na União Europeia - em Portugal, foi de 0,8 pontos.

Vamos às manchetes de hoje:

O Público traz uma fotografia de Marcelo na ONU a rasgar a primeira página, mas a notícia em destaque é sobre os biocombustíveis que farão “subir o preço do gasóleo e da gasolina em janeiro”. No Jornal de Notícias titula-se que “dezenas de câmaras vão reduzir o IMI” e que “um quarto dos fumadores começa aos 13 anos”. E no Diário de Notícias escreve-se que os “refugiados em Portugal [são] controlados por polícias e secretas”.

FRASES

“Os Skittles são doces, os refugiados são pessoas”. A Mars Inc. a repudiar mais uma idiotice do Clã Trump. É que o filho de Donald escrevera este tweet: “Se vos der uma taça de Skittles e vos disser que comendo três vocês morreria, comeriam na mesma? É o que se passa com os refugiados”.

“É uma vitória para todos nós, sobretudo para o futebol feminino. É uma vitória que o futebol feminino português merece. É com orgulho que chegámos a este patamar” Mónica Jorge, diretora para o futebol feminino da FPF, a propósito do triunfo da seleção nacional diante da Irlanda que apurou Portugal para o playoff de acesso ao Euro2017, a disputar na Holanda.

“Em suma, uma decisão de suspender fundos da União Europeia para Portugal teria um impacto direto e negativo sobre os cidadãos, as empresas e a economia como um todo” De: Mário Centeno, Ministro das Finanças. Para: Quem-manda-nisto-tudo.

“Estou muito triste, mas o mais importante é o bem-estar dos nossos filhos” Brad Pitt – e é escusado dizer que não sabe do que se fala aqui. Porque o assunto fez com que a CNN, a TIME ou o El País fossem por este caminho.

O QUE ANDO A LER

O que eu gostaria de andar a ler era isto, mas enquanto não me chega às mãos, percorro o ecrã com este longform escrito, fotografado, filmado e editado pelo João Santos Duarte. É a história de um homem que morreu, mas não está morto, e que continua a jogar beisebol como os miúdos do bairro em que nasceu. Chama-se o “Sonho Premonitório de um Defunto” e basta clicar aqui para entrar no imaginário dos venezuelanos onde ainda cabe Hugo Chávez. E também a pobreza, a fome, a injustiça e a desesperança. “Quando até já nem o teu cabelo está em segurança, o que é que isso diz de um país?”

Convido-o também a ler “A Vida Como Ela É”, de Nelson Rodrigues, um conjunto de textos que este escritor brasileiro foi escrevendo no jornal “Última Hora”. Lá vai encontrar ritmo, a ironia, o sarcasmo, o humor e o cinismo (e o génio) de Nelson, um contador de histórias curtas e simples que se auto-resume assim: “Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. O buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico”.

E eu sou (e sempre fui) um fã.

Mais lidas da semana