Uma
das posturas que o antigo presidente nigeriano Goodluck Jonathan tomou face aos
antigos “partisans” que operavam em miríades de grupos armados no Delta do
Níger para terminar com os assaltos e ataques diversos – e, não poucas vezes,
muito cirúrgicos – contra a economia nigeriana no Delta, nomeadamente, contra
as instalações petrolíferas (exploração e transporte de crude), foram
conceder-lhes em finais de 2009, com a uma amnistia, o pagamento anual de cerca
de 200 milhões de dólares norte-americanos aos diversos grupos de activistas
que operavam (operam) no Delta.
Ora,
em Março, o general Paul Boroh, que coordena o Programa de Amnistia
Presidencial, segundo instruções do novo governo liderado por Muhammadu Buhari,
decidiu suspender os pagamentos ao ex-guerrilheiros e activistas – em média
correspondia a cerca de US$ 200 por mês a cada antigo activista (adoptemos esta
terminologia para os diferentes grupos armados ou não) – justificando que as
receitas do Estado nigeriano teriam caído devido à quebra mundial do preço do
petróleo, cuja produção representa 70% das receitas financeiras da Nigéria;
seria o fim do Programa de Amnistia de Jonathan. Em contrapartida o Governo
nigeriano estudava substituir este Programa por um outro que tinha como
objectivo uma estratégia programática que fosse de mais longa e mais credível
resolução financeira e política.
Só
que esta visão política governativa não convenceu os activistas que operavam (e
operam) no Delta, dado que, quase de imediato, desferiram uma onda de ataques
contra instalações de petróleo e gás, compelindo a produção petrolífera para
menos de 1,4 milhões de barris por dia (bpd), considerado como o menor dos
últimos 25 anos! Registe-se, no entanto, que o ministro da Energia nigeriano
terá dito, em Londres, no final de Julho, que já começava a haver registos de
uma recuperação significativa na produção de crude, chegando esta a 1,9 milhões
de barris/dia ainda longe dos orçamentados 2,2 milhões de barris/dia.
Apesar
destas notícias optimistas do Governo nigeriano, constata-se – aliado ao enorme
problema chamado Boko Haram e que merece outro tratamento em outro artigo – que
os ataques no Delta continuam a persistir e a colocar em causa a exportação do
crude nigeriano que representa. Desde o início do ano a produção desceu mais de
21,5% ao ponto da Nigéria ter sido ultrapassada por Angola como o maior produtor
da África subsaariana (1,5 milhões bpd nigerianos contra os 1,78 bpd de Angola
– valores da OPEP; e reafirmado pelo recente relatório da agencia Internacional
de Energia “Africa Energy Outlook”, para o período 2016-2020).
Continuam
a ser vários os grupos que, com maior ou menor força operacional, actuam no
Delta: MEND (Movement for the Emancipation of the Niger Delta) – ainda que este
esteja em declínio ou persista através de alguns activistas que se intitulam
como sendo remanescentes deste movimento e que poderão emergir como um novo
grupo operacional –; MOSOP (Movement for the Survival of the Ogoni People);
NDLF (Niger Delta Liberation Front); NDPVF (Niger Delta People's Volunteer
Force); NDV (Niger Delta Vigilante); ou os emergentes Red Egbesu Water Lions
(havendo quem os também denomine, provavelmente de modo errado, de Pensioners
Egbesu); Asawana Deadly Force of Niger Delta (ADFND); Joint Niger Delta
Liberation Force (JNDLF); Niger Delta Revolutionary Crusaders, (NDRC): Niger
Delta Greenland Justice Mandate (NDGJM). Todavia, quem se assume como um claro
potencial e perigoso grupo a operar no Delta, ainda que recentemente tenha
aceitado negociar com Abuja, um acordo de paz para a região são os Vingadores
do Delta do Níger (NDA – Niger Delta Avengers).
Segundo
as forças de segurança nigerianas, nos últimos meses, o NDA foi responsável por
metade dos ataques ocorridos no Delta do Níger, distribuídos entre os estados
de Bayelsa e do Delta (ambos no delta do Níger). Registe-se que o exército
nigeriano prevê estarem a operar no Delta cerca de 13 grupos extremistas, a
maioria de aparecimento efémero.
Fala-se
nos corredores governamentais de Abuja procurar fazer com estes novos grupos o
que Jonathan fez com os anteriores. Negociar uma nova amnistia “paga”. Só que grupos
como NDGJM, ADFND ou NDRC já disseram que exigem muito mais que isso. Uns
desejam a independência dos Estados do delta; outros querem participar na
gestão e distribuição dos produtos petrolíferos nas mãos de grandes empresas e
multinacionais estrangeiras, nomeadamente, Shell, ExxonMobil, Total/Elf/Fina, Chevron,
ou a ENI/Agip, bem como a nigeriana NNPC.
Todos
estes ataques colocam em dúvida a se a antiga importância estratégica
petrolífera da Nigéria ainda importa para os principais importadores de crude.
Veja-se como os EUA se viraram para Angola ou como a China ou a Índia, dos
actuais maiores importadores de crude, quase têm ostracizado o petróleo
nigeriano.
E
esse declínio reflecte-se na segurança do Golfo da Guiné, algo já previsto em
2006, por Michael Watts, do Centro de Estudos Africanos da Berkeley, University
of California, no texto «Empire of Oil: Capitalist Dispossession and the
Scramble for Africa».
Para
impedir que a deficiente segurança terrestre se reflita na segurança marítima
com os consequentes ataques e raptos marítimos no Golfo da Guiné, o exército
nigeriano, prevendo o falhanço – quase certo – das negociações propostas por
Abuja aos activistas do Delta, enviou para a região 2 divisões (a 2ª e 82ª) de
cerca de 100.000 soldados na operação militar denominada “Operation Crocodile
Tears”. A esta operação está associada uma operação de policiamento e combate à
sabotagem denominada “Operation Delta Safe”. Há quem as considere mais forças
de ocupação que de segurança…
Ora
é esta premente preocupação que leva os diferentes grupos de opinião e pressão
internacionais ou de interesses (os lobbies e os Think-tanks) a se debruçarem
sobre a estabilidade do Golfo da Guiné e como estas questões políticas e
militarizadas no Delta podem colocar em causa essa estabilidade e,
principalmente, a petropolítica dos pequenos estados do Golfo (Gabão, Gana ou
Guiné-Equatorial, mais este que os anteriores) como a segurança do transporte
de crude e de outros produtos (certos e importantes minérios que têm como principais
produtores países centro-africanos) para os EUA, para a Europa ou mesmo para a
China.
Algumas
medidas estão a ser tomadas; ainda que, na realidade, continuem a pouco passar
do papel. Recorde-se A “Declaração de Chefes de Estado e de Governo dos Estados
da África Central e Ocidental sobre Segurança Marítima no seu Domínio Marítimo
Comum de 2013 (Código de Conduta de Yaoundé)” sobre a defesa e segurança
marítima no Golfo. Só recentemente parece estar em vias de se efectivar a operacionalização
completa do Centro Inter-regional da Segurança Marítima em Yaoundé, a
operacionalização do Centro Regional de Segurança da África Ocidental, o
reforço da cooperação e troca de informações sobre tráfico, assim como a
coordenação com as organizações regionais e com os estados do Golfo.
Os
Açores esforçam-se para terem, na ilha Terceira, um Centro de Segurança
Marítima dedicado ao controlo do Golfo da Guiné com o apoio dos EUA na
sequência da “despromoção” da Base das Lages.
Sintetizemos
alguns factos muito rapidamente
Recordemos
que um documento de Agosto de 2014 descrevia que em 2013, o Centro de
Observação da Pirataria do Gabinete Marítimo Internacional expôs que, dos “234
episódios registados em todo o mundo, 30 incidentes, incluindo 2 sequestros,
tiveram lugar ao largo da costa da Nigéria”. Preocupante, dado que não é só a
Nigéria que é afectada: São Tomé e Príncipe, Gabão, Gana e Guiné-Equatorial
são, também estes directamente afligidos.
A
Organização Marítima Internacional (OMI) só no primeiro trimestre de 2016 registou
um assinalável aumento de actividades e incidentes com pirataria marítima na
ordem dos 36% (o ano de 2015 colocou o Golfo da Guiné como “a terceira área
marítima mais perigosa do mundo ao registar 49 incidentes que incluem pequenos
furtos, raptos ou desvio de embarcações”); o número de pessoas sequestradas em
navios até finais de Abril, já corresponde ao total global de 2’015; este ano –
segundo um relatório da OMI, de inícios de Maio, “a região teve 40% dos casos
de pirataria e de assaltos à mão armada no mar ocorridos em todo o mundo”.
Pode-se,
face a estes factos que, naturalmente, o impacto da crise do Delta do Níger no
Golfo da Guiné é cada vez mais preocupante e carece de um acompanhamento mais
acentuado das Nações Unidas e, principalmente, porque são partes interessadas
da Comissão do Golfo da Guiné e da União Africana.
*Investigador
e Pós-Doutorando
Publicado
no semanário Novo Jornal, edição 448, de 9 de Setembro de 2016, página 14
*Eugénio
Costa Almeida – Pululu -
Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em
Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo
Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos
de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.
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