Ai
Jesus se aumentamos os impostos sobre os rendimentos de topo ou se afugentamos
os vistos Gold. Ai Jesus se chegamos aos intocáveis.
João Teixeira
Lopes – Esquerda.net, opinião
As
pressões, ataques e insultos sobre a preparação de um imposto sobre o património imobiliário ou sobre ofim do sigilo bancário para contas superiores a 50 mil
euros são altamente reveladoras sobre os interesses em jogo na sociedade
portuguesa.
Em
primeiro lugar, mostra como alguns políticos e jornalistas pensam mais com a
sua carteira do que com a cabeça.
Em
segundo lugar, revela a mais absurda conceção de classe média: composta,
supostamente, por agregados com património imobiliário superior a 500 mil
euros. Quem nos dera que essa fosse a classe média portuguesa, num país onde o
salário médio ronda os mil euros mas onde a maior parte da população não aufere
mensalmente mais de 700 euros. Estudos recentes mostram como o quintil mais
elevado da distribuição de rendimentos se tem afastado dos demais, devido à
concentração da riqueza e ainda como a classe média empobreceu, aproximando-se
do quintil mais baixo, e se tornou muito mais vulnerável à possibilidade de
pobreza e à precariedade. A recente investigação de Carlos Farinha Rodrigues demonstra que, com a crise,
os ricos perderam 13% do seu rendimento e os pobres o dobro!
Em
terceiro lugar, vivemos num país que não assume que o seu principal problema
são as desigualdades. Temos dos piores coeficientes de Gini (34,5) da União
Europeia e um dos maiores fossos (pior só a Roménia e a Eslováquia) na
distribuição de rendimento entre homens e mulheres. Países com maiores
desigualdades têm piores desempenhos económicos. O aumento da desigualdade
social, aliás, reconhece o próprio FMI, está na origem da crise de 2007-8. Mas
este abismo nunca está na agenda e só se permite o assistencialismo e a sopa
dos pobres. Podem-se cortar salários, pensões e aumentar brutalmente os
impostos – IVA e IRS, nunca o IRC..), mas deixemos as fortunas no cofre.
Ai
Jesus se aumentamos os impostos sobre os rendimentos de topo (os 5% mais ricos)
ou se afugentamos os vistos Gold (imersos, desde a sua criação por Paulo
Portas, nas maiores suspeitas de funcionarem como esquema de lavagem de
dinheiro). Ai Jesus se tributamos os que se furtam à colecta (um dos problemas
estruturais da nossa sociedade, com uma das maiores taxas de fugo ao fisco dos
ricos). Ai Jesus se queremos saber a origem e o circuito do dinheiro (já toda a
gente se esqueceu dos Panama Papers). Ai Jesus se chegamos aos intocáveis.
Este
fechamento à discussão de uma política fiscal realmente progressiva é um dos
piores sinais do nosso atraso.
Artigo
publicado em p3.publico.pt a 19 de setembro de 2016
*Dirigente
do Bloco de Esquerda, sociólogo, professor universitário
Sem comentários:
Enviar um comentário