O
dia 20 de setembro é o marco inicial da Revolução Farroupilha (1835-1845), que
eclodiu, no Brasil, na Província de São Pedro, durante a Regência Una do Padre
Diogo Antônio Feijó (1784-1843). Nesta mais longa guerra civil, que a história
brasileira registrou, ocorreram 59 vitórias para cada lado e 3,4 mil óbitos. Às
margens do Rio Jaguarão, na manhã de 11 de setembro de 1836, a República
Rio-Grandense foi proclamada, no Campo dos Menezes, pelo General Antônio Souza
Netto (1803 -1866), mantendo, por longos anos, um intenso confronto
bélico com o Império do Brasil.
Chamada
de “República das Carretas“, pelo Folclorista e historiador Barbosa Lessa
(1929-2002), tinha como característica a instabilidade, em virtude das
constantes mudanças da capital, na medida em que se aproximavam do lugar as
tropas imperiais. Assim, a novel República teve três locais,
respectivamente, como principais capitais: Piratini, Caçapava e Alegrete.
Na
época, a província gaúcha estava bastante prejudicada, principalmente, no aspecto
econômico, devido aos altos impostos taxados pelo império sobre o charque
(carne seca), o couro e a propriedade rural. Diante do descaso do governo
imperial, em atender as reivindicações da Província gaúcha, esta se rebelou,
iniciando uma longa guerra civil que durou um decênio.
No
Rio de Janeiro, capital do império, o termo “farroupilha” era a denominação
dada à facção política liberal mais radical que combatia o centralismo do
governo imperial. Em 1831, o termo apareceu estampado nos jornais cariocas
“Matraca dos Farroupilhas” e “Jurujuba dos Farroupilhas”. O vocábulo, de acordo
com o historiador Walter Spalding (1901-1976), deriva da palavra portuguesa
farroupa que apareceu, em 1700, nas atas na Câmara Municipal do Rio de Janeiro,
designando agricultores e criadores de gado que usavam roupas humildes e
gastas.
Com
a assinatura do Acordo de Paz, em Ponche Verde, em 1845, a Província gaúcha,
que havia se separado, reintegrou-se ao Império do Brasil após a campanha do
General Luis Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, que passou para a
história como o “Pacificador”. Durante a guerra, o lado farrapo perdeu quase o
dobro de homens ao finalizar a guerra. .
Com
a Independência da Província da Cisplatina (Uruguai), em 1828, o charque
uruguaio começou a competir com a produção gaúcha. O produto uruguaio era
resultado de mão de obra assalariada (livre), tinha menos custos empreendedores
e era vendido a menor preço. Diante deste fato, o charque gaúcho, responsável
pela alimentação da escravaria de outras regiões do Brasil, desde o Ciclo da
Mineração (ouro), ficou em desvantagem, perdendo a concorrência em relação ao
produto platino. Além desta grave questão econômica, que atingia a elite
estancieira da Província, havia, entre outras causas, a insatisfação quanto à
política centralizadora do presidente da Província Fernandes Braga (1805
-1875).
Diante
do descaso do Império, em relação aos problemas sociopolíticos e econômicos que
assolavam a Província de São Pedro, atual Rio Grande do Sul, um grupo de maçons
articulou a tomada de Porto Alegre na noite de 19 para 20 de setembro de 1835.
A decisão, quanto à invasão da capital da Província, pela Ponte da Azenha,
ocorreu na primeira Loja Maçônica de Porto Alegre, "Filantropia e
Liberdade", fundada em 1831, na Rua do Rosário, atual Vigário José Inácio.
No
dia 18 de setembro de 1835, Bento Gonçalves da Silva (1788-1847) abriu a
reunião onde se decidiu o início da Revolução Farroupilha. Estavam presentes na
Loja: José Gomes Jardim (1774-1854), Onofre Pires (1799-1844), Pedro Boticário
(1799-1850), Vicente da Fontoura (1807-1860), Paulino da Fontoura (1800-1843),
Antônio de Souza Neto (1803-1866) e Domingos José de Almeida (1797-1871).
A Loja “Filantropia e Liberdade” funcionava como um “Gabinete de Leitura”,
visando a desviar a atenção dos opositores à Maçonaria. Neste local se originou
o jornal “O Continentino” (1831-1833), defendendo os ideais liberais e havia
uma escola das primeiras letras.
Quando
Porto Alegre foi invadida pelos farroupilhas, em 20 setembro de 1835, o
presidente da Província, Fernandes Braga, seguiu para Rio Grande, assegurando o
porto nas mãos do governo imperial. O primeiro óbito, ao eclodir a Revolução
Farroupilha, no combate da Ponte da Azenha, foi do jornalista Antônio José Monteiro,
o “Prosódia”, responsável pelo jornal legalista “O Mestre Barbeiro” (1835).
De
acordo com o jornalista e pesquisador gaúcho, Sérgio Dillenburg, “O Mestre
Barbeiro” foi o menor periódico publicado na imprensa gaúcha: 11 cm x 16 cm. Em
Porto Alegre, o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, fundado em 10 de
setembro de 1974, preserva um exemplar original, entre outros títulos
relevantes que circularam, nos primórdios da imprensa gaúcha, a partir do
surgimento do primeiro jornal, “O Diário de Porto Alegre”, fundado em 1º de
junho de 1827.
Os
jornalistas Carlos Reverbel (1912-1997) e Elmar Bones no livro “Luiz Rossetti:
o editor sem rosto” registram que, no período de 1827 a 1850, circularam em
torno de 61 jornais na Província de São Pedro (RS), incluindo os Órgãos
Oficiais da República Rio-Grandense: “O Povo” (Piratini / 1838 - 1839 e
Caçapava / 1839 - 1840); “O Americano” (1842 - 1843 – Alegrete) e “Estrella do
Sul” (1843 – Alegrete). O Povo teve como redatores, além de Domingos
José de Almeida (1797-1871), os italianos revolucionários Luigi Rossetti
(1800-1840) e João Batista Cuneo (1809-1875). que já haviam lutado por ideais
republicanos no Movimento conhecido como “Jovem Itália”, tendo como líder
Giuseppe Mazzini (1805-1872). Luigi Rossetti foi expulso da Universidade, na
Itália, tendo sido perseguido devido a suas ideias contrárias ao regime
monárquico. Ele morreu durante um confronto, com os legalistas, na Vila
Setembrina, atual cidade de Viamão (RS), quando tombou ferido.
Após
os farroupilhas tomarem a capital da Província, os líderes José Gomes Jardim
(1774-1854), João Manuel de Lima e Silva (1805 - 1837) e Onofre Pires
(1799-1844) invadiram o Palácio do Governo, não encontrando resistência. No dia
seguinte, em 21 de setembro de 1835, Bento Gonçalves da Silva (1788-1847)
chegou a Porto Alegre, vindo de Pedras Brancas (atual Guaíba), sendo recebido
num clima de comemoração.
Em
15 de junho de 1836, Porto Alegre foi retomada pelos legalistas sob o comando
do Major Manuel Marques de Souza (1804- 1875), futuro Conde de Porto Alegre,
após sua fuga do Presiganga (navio-prisão), ancorado no Guaíba. Apesar dos
esforços, os liberais farroupilhas não conseguiram invadi-la, novamente, embora
a tenham sitiado, por três vezes, a partir da Vila Setembrina (Viamão).
Graças
à resistência, Porto Alegre recebeu de D. Pedro II, em 1841, o título de
"Mui Leal e Valorosa Cidade", que está registrado no Brasão da
Cidade, criado pela lei n 1.030, em 22/01/1953. A lei foi assinada pelo
prefeito Ildo Meneghetti (1895-1980), sendo o responsável pelo desenho o
artista plástico Francisco Bellanca (1895-1974). A estátua do Conde de Porto
Alegre foi inaugurada no século XIX e encontra-se numa praça, cuja denominação
remete ao seu nome, sendo o monumento mais antigo de Porto Alegre.
Na
literatura, a "poetisa cega", Delfina Benigna Cunha (1751-1857), na
segunda edição de seu livro "Poesias Oferecidas às Senhoras
Rio-grandenses", publicado no Rio de Janeiro, em 1838, critica os
farroupilhas e o líder Bento Gonçalves da Silva (1788-1847) de forma incisiva e
odiosa. Este foi o primeiro livro de poesias impresso na Província. Seguem
alguns versos: "Maldição te seja dada / Bento infeliz,desvairado / No
Brasil e em toda parte / Seja o teu nome odiado".
Outra
figura feminina, que merece registro, é a gaúcha, natural de Rio Pardo, Maria
Josefa B. Pereira Pinto (1775-1837), considerada a primeira mulher jornalista
no Brasil. Monarquista convicta, ela defendia o retorno do dom Pedro I, que
havia abdicado do trono, em abril de 1831, além de combater os liberais
farroupilhas, por meio de seu periódico “Belona Irada contra os Sectários de
Momo” (1833 -1834).
Outro
fato curioso, ocorrido durante a Guerra Farroupilha, envolve o maestro negro
Joaquim Mendanha (1800-1885) - monarquista convicto - que foi aprisionado pelos
farroupilhas, em 1838, após a Batalha de Rio Pardo. O maestro e sua banda foram
tratados com dignidade e respeito pelos republicanos. Mendanha, que era maestro
da capela imperial, no Rio de Janeiro, ficou surpreso, pois os farroupilhas lhe
exigiram que compusesse o Hino Oficial da República Rio-Grandense.
Em
novembro de 1842, Luiz Alves de Lima e Silva (1803-1880), o barão de Caxias,
foi designado pelo imperador D. Pedro II para negociar a paz com os farroupilhas
e assumir a presidência da província. O Império percebia os interesses
econômicos e expansionistas dos caudilhos platinos Oribe (1792-1857) e Rosas
(1793-1877), e o quanto era importante a participação da Província de São Pedro
(RS), naquele momento, para guardar a fronteira e a integridade da nação.
A
tradição de lutar, preservando o território, era própria dos milicianos
gaúchos, ao longo do tempo; embora a falta de reconhecimento político por parte
do Império. Em 19/03/1843, um cometa cruzou os céus, sendo percebido, pelos
farroupilhas, como um mau presságio numa luta que já completava oito anos. Este
cometa foi batizado, pelo imaginário popular, de “Estrela de Caxias”.
Curiosamente, no início da Revolução Farroupilha, em novembro de 1835, já havia
passado o cometa Halley.
Com
o Acordo de Paz de 1845, o “Maestro Negro” regeu à porta do antigo Palácio do
Governo,em Porto Alegre, uma banda de música. O evento se constituiu numa
homenagem ao Barão de Caxias, seu amigo pessoal e presidente da Província.
Caxias, ao final da Revolução Farroupilha, ganhou de dom Pedro II o
título de “O Pacificador”. O nome do maestro Mendanha, natural de Ouro Preto,
em Minas Gerais, encontra-se entre os subsescritores das despesas para o
banquete, na capital gaúcha, em homenagem ao Imperador dom Pedro II e à sua
esposa Teresa Cristina, cujo objetivo era celebrar a paz.
O
jornalista Walter Galvani, em seu livro “A difícil Convivência (2013)”, aborda
com muita propriedade a situação política da antiga “Nossa Senhora Mãe de Deus
de Porto Alegre” no contexto da Revolução Farroupilha (1835-1845). Os grandes
centros urbanos à época, como as cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre,
permaneceram na maior parte do tempo em poder das forças imperiais ou seja,
legalistas. A ideia, perpetuada pelo imaginário popular, de que a capital da
Província de São Pedro (RS), ou melhor, que toda a Província comungava com os
ideais dos farroupilhas, é um equivoco histórico. Existem pesquisas realizadas
por historiadores sérios e competentes, como Sérgio da Costa Franco, Moacyr
Flores, Mário Maestri, Sandra Jatahy Pesavento (1945-2009), Helga Piccolo,
entre outros historiadores importantes, que nos esclarecem acerca da realidade
dos fatos, que ocorreram naquele período da nossa história. Afinal, já se
passaram 181 anos.....
*Pesquisador
e coordenador do setor de Imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da
Costa
Vídeo: HISTÓRIA
DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA.mp4 - YouTub / Clevton Donini
Imagens
1- Antônio
de Souza Netto proclama a República em 1836 / Quadro do pintor Antônio
Parreiras
2-
Símbolo Maçom
3
- Gen. Bento Gonçalves / Acervo Museu Júlio de Castilhos ; POA / RS /
Brasil
4-
Jornal " O Povo" / Órgão Oficial da República Rio-Grandense
5-
Dom Pedro II
6
- Joaquim Mendanha / O "Maestro Negro"
7-
Barão de Caxias / " O Pacificador"
Bibliografia
COSTA
LEITE, Carlos Roberto Saraiva da. História da Imprensa. In: “Museu de
Comunicação Social Hipólito José da Costa – 30 anos”. Porto Alegre: CORAG,
2004.
FAGUNDES,
Antonio Augusto. Revolução Farroupilha / Cronologia do Decênio Heroico
(1835-1845). Porto Alegre: Martins Livreiro, 2008.
FLORES,
Moacyr. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Ediplat, 2006.
KOÜHN,
Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Leitura XXI, 2007.
LAYTANO,
Dante. História da República Rio-Grandense. Porto Alegre: Sulina,1983.
LEÃO,
Laura de. Risorgimento e Revolução: Luigi Rossetti e os ideais de
Giuseppe Mazzini no Movimento farroupilha. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.
LEITE,
Carlos Roberto Saraiva da Costa
MIRANDA,
Marcia Eckert; LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Jornais raros do
Musecom: 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.
PESAVENTO,
Sandra Jathahy. A Revolução Farroupilha. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2014.
SILVA,
Jandira M.M.da ; CLEMENTE, Ir. Elvo; BARBOSA Eni. Breve Histórico da Imprensa
Sul-Rio-Grandense. CORAG, Porto Alegre: CORAG, 1986.
VIANNA,
Lourival. Imprensa Gaúcha (1827-1852). Porto Alegre: Museu de Comunicação
Social HJC, 1977.
Sem comentários:
Enviar um comentário