Só
ações para impugnar a medida de resolução são 50. Juízes e advogados admitem
falta de capacidade de resposta do sistema judicial
"Isso
é brutal." Foi esta a reação de um juiz aos números revelados pela
comissão liquidatária do Banco Espírito Santo no processo de falência: há mais
de 1500 ações nos tribunais nas quais o banco é demandado. Destas, 50 pretendem
a anulação da medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal, em 2015, 1225
são ações cíveis, maioritariamente pedidos de indemnização a antigos
administradores e ao banco e reclamação de créditos. A estes números há que
somar os sete inquéritos-crime relacionados com a gestão do BES, que correm no
DCIAP e DIAP de Lisboa, os quais têm atreladas cerca de 200 queixas
particulares.
Os
números podem tornar-se ainda mais complicados, uma vez que, como decorre da
lei, muitas das ações declarativas, sobretudo aquelas que pedem indemnizações
ao banco, terão de ser declaradas extintas e os pedidos passarem para o
processo de insolvência, que corre no Tribunal do Comércio de Lisboa. Processo
este que, ainda de acordo com os dados da Comissão Liquidatária, conta com 17
mil requerimentos de 19 mil pessoas e empresas a reclamar créditos. "Se no
Tribunal do Comércio o toner das impressoras tem de estar de manhã num juízo e
à tarde noutro, como é que pode ter capacidade para despachar um processo
destes?", comentou ao DN o advogado António Pragal Colaço, manifestando
pouca fé com um desfecho a médio prazo favorável aos credores. "Tendo em
conta a dimensão do processo, muito provavelmente o Conselho Superior da
Magistratura terá de tomar medidas de gestão do processo", explicou ao DN João
Paulo Raposo, secretário--geral da Associação Sindical dos Juízes. Estas
medidas podem passar por colocar juízes da bolsa como adjuntos do juiz titular
do processo. Só que aqueles não terão poder decisório, dado o princípio do juiz
natural.
Foi
este cenário de enorme litigância, como admitiu ao DN Ricardo Ângelo,
presidente da Associação dos Lesados do Papel Comercial, que levou ao acordo
celebrado, em dezembro do ano passado, entre os lesados, o Banco de Portugal e
o governo. "Pessoas com altas responsabilidades neste país alertaram-nos
logo para o problema da justiça e de uma decisão num prazo razoável",
declarou ao DN Ricardo Ângelo, explicando que, após o acordo, os lesados que
avançaram com queixas vão transmitir os direitos jurídicos das mesmas para o Fundo
de Resolução, que irá litigar nos tribunais. Até 500 mil euros aplicados no
BES, recorde-se, os clientes podem recuperar até 75% do valor, com um teto
máximo de 250 mil euros.
"A
média de idades dos nossos associados são 60 anos. Se estivéssemos à espera de
uma decisão dos tribunais, como nos disse o anterior primeiro-ministro Pedro
Passos Coelho, muitas dessas pessoas já teriam morrido", acrescentou o
presidente da Associação de Lesados do Papel Comercial. A própria comissão
liquidatária informou o tribunal que também avançou com processo contra
sociedades ligadas ao antigo Grupo Espírito Santo, reclamando créditos na ordem
dos 300 milhões de euros. Só à Rioforte foram reclamados 198 milhões.
Sete
inquéritos-crime
Se
no comércio, cível e administrativo o cenário é aterrador, no crime não muda
muito de figura. Há sete inquéritos a correr no Ministério Público relacionados
com a suspeita de crimes durante a gestão de Ricardo Salgado e outros
administradores. Seis estão no Departamento Central de Investigação e Ação
Penal (DCIAP), um está no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa
(DIAP). Este último diz respeito a clientes do Banco Privée Espírito Santo do
Luxemburgo e conta com 51 queixas apensadas.
No
que diz respeito ao chamado processo principal do BES, uma última decisão do
juiz Carlos Alexandre prolongou o segredo de justiça até setembro de 2018. De
acordo com o pedido do Ministério Público, a investigação a este caso
desenvolve-se em três frentes: Portugal, Suíça e Luxemburgo, tendo sido criada
uma equipa conjunta devido à complexidade do caso.
De
forma a harmonizar os prazos de três jurisdições diferentes, os procuradores do
DCIAP consideraram que, para não prejudicar a investigação em nenhum dos
países, o segredo (que, no fundo, impede o acesso à totalidade do processo por
parte dos arguidos) deveria ser prolongado mais do que um ano. Ainda de acordo
com o pedido do MP, as autoridades helvéticas já colocaram à disposição do MP
português três milhões de documentos para análise. O problema é que, segundo o
procurador, estão em língua estrangeira, carecendo, por isso, da respetiva
tradução. Ao mesmo tempo, os autos contêm 15 milhões de documentos para
análise, aos quais foram acrescentados 5 terabytes de informação que chegaram
recentemente ao processo vindo de outro caso.
Carlos
Rodrigues Lima – Diário de Notícias
Sem comentários:
Enviar um comentário