Poesia
no título deste Expresso Curto. É o que faz falta, à malta, e ao mundo. Pena
que não possamos contar com atos poéticos e de humanidade por entre os políticos
que governam (ou se governam, propriamente a eles, familiares e amigos de suas
cores) o chamado mundo ocidental, de onde parte a economia de casino que serve
a pouco mais de 1% dos terráqueos a habitarem este mundo que é uma bola de conflitos que servem interesses
geoestratégicos, económicos e de ganância desses mesmos 1%. Entretanto a humanidade que se
dane, que feneça, que seja vilipendiada na exploração e nos abusos perpetuados
pela desumana e escassíssima minoria.
É
de poesia que trata o Curto escrito por Valdemar Cruz. Bem. O que significa que
ao menos temos esse consolo ao lermos esta parte do Expresso de hoje. Poesia que é coisa tão rara
por entre as sapiências de muitos dos atuais jornalistas e jornaleiros que enxameiam
as redações a troco de uns recibos temporários, da cor de escribas contratados
que não podem ou não devem pôr pé-em ramo-verde, como sistemáticos tementes ao
deus desemprego que são.
Sem
mais, fiquemos com a poesia apesar da intensidade das partes negras de que são
tecidos os nossos quotidianos. Poesia, muito obrigado, Valdemar. Adiante, vá
ler. (MM / PG)
Bom
dia, este é o seu Expresso Curto
Valdemar
Cruz – Expresso
Há
um vento de lamentos nos lamentos do vento
Os
primeiros-ministros dos sete países do sul da Europa (França, Itália,
Espanha, Portugal, Chipre, Grécia e Malta), ontem reunidos, como seria de
esperar não esboçaram qualquer ato de condenação do ataque lançado pelos
Estados Unidos contra a Síria na madrugada da passada sexta-feira. Revelaram até compreensão. E aqui entra a contradição
suprema, porque ao mesmo tempo que entendem ser necessário sublinhar que “não
pode haver uma solução militar do conflito”, acrescentam que apenas no
âmbito das resoluções da ONU e das conversações de Genebra será possível
encontrar uma solução política crível, capaz de assegurar a paz, a
estabilidade da Síria e a derrota do autodenominado Estado Islâmico. Ou seja,
tudo o contrário do que fizeram os EUA e pelo qual estes países mostraram
compreensão. Ou então sou eu que estou desfocado, deslocado, e “às vezes sinto-me
como um órfão, muito longe de casa”. Este é um lamento com dezenas de anos, que Jimmy Scott canta de uma forma comovente, como o
fizeram, entre muitos outros, Louis Armstrong, Odetta, Pete Segger, Charlie
Haden ou Prince. São palavras de um espiritual negro, cujo registo mais
antigo data de 1870, concebido para denunciar a prática comum de vender os
filhos dos escravos. Aqui subverto-lhe o sentido original e converto-o no
lamento por um outro tipo de tráfico, o das ideias, a que assistimos no
tempo que passa.
Bashar al-Assad é apresentado como o maior dos facínoras, autor de crimes odiosos, inomináveis. Seja ou não, e já se viu como há opiniões para todos os gostos e conveniências, não podem existir dúvidas sobre uma posição de princípio: existindo, esses crimes devem ser firmemente condenados e combatidos, ocorram eles na Síria, na Líbia, Arábia Saudita, em Israel, no Paquistão, no Egito, na Palestina, no Afeganistão, no Irão, no Sudão, ou onde quer que aconteçam e independentemente de quem sejam os seus responsáveis. A questão é, porém, outra. Com o mesmo empenho com que se repudiam as alegadas ações de Assad, tem de ser repudiado qualquer ato unilateral de guerra, executado à margem das decisões das Nações Unidas, e sem uma investigação rigorosa sobre o que realmente possa ter acontecido no terreno. Não permite ações imediatas? É fazer o jogo do agressor? Há hipótese de vetos (não há sempre?). Não é bom para um presidente acossado internamente poder ganhar novo fôlego com uma vistosa ação externa? Talvez não seja, mas o que a comunidade internacional tem de decidir – e Portugal em particular - é se, depois de tanto ter sido festejada por cá a eleição de António Guterres como Secretário Geral da ONU, afinal o que se celebrava era a eleição de um figura decorativa para um organismo que faz de conta que coordena, vigia e assegura o concerto das nações porque, no limite, a última palavra será sempre a que corresponda aos interesses de alguém tão fiável, tão seguro, tão tranquilo, tão previsível como Donald Trump, agora transformado no herói do combate aos russos e seus aliados. O problema é ser este o mesmo Presidente dos EUA que não há muitos dias era detestado pelo “centrão” que domina a política interna e externa do país, classificado como mentalmente instável, refém dos interesses de Vladimir Putin e desprezado pelos media. Bastaram uns mísseis e tudo mudou. O normal, portanto.
OUTRAS NOTÍCIAS
O
título dado a este Expresso curto não é meu. Aponta para um caminho ao qual
teria preferido dar continuidade logo na abertura, para, por uma vez, chamar a
destaque algo verdadeiramente importante. Falta poesia ao mundo em que
vivemos. Foi o que me ocorreu ao socorrer-me daquele verso de Manuel Alegre.
Faz parte do poema “Metralhadoras Cantam”, e integra um dos livros maiores
de um tempo que, sendo de guerra, ousava o que parecia ser a utopia de
reivindicar a paz e a “liberdade”, “palavra clandestina em Portugal/que
se escreve com todas as harpas do vento”. Tem já meio século este “dilacerado
canto a um país impossível, a um destino coletivamente frustrado e idealmente
exemplar”, como dele dizia Eduardo Lourenço. A edição comemorativa dos 50
anos de “O Canto e as Armas” decorrerá a partir das 18h30 de hoje na
Biblioteca Nacional de Portugal, ao Campo Grande, em Lisboa.
Através da Comissária europeia da Concorrência ficamos a saber que Portugal, nos seus contactos com a Comissão Europeia, nunca apresentou planos para nacionalizar a título permanente o Novo Banco. Mas também ficamos a saber, com o artigo assinado pela Comissária no Público, que uma opção como essa contrária “aos compromissos iniciais ligados à resolução do BES“ com o fim de garantir uma concorrência leal e o regresso à viabilidade do banco em mãos privadas”.
O Ministério Público está a investigar o concurso de construção da Escola da Nato de Comunicações e Sistemas de Informações, em Oeiras, adjudicada por €19,5 milhões à Mota Engil. A intervenção do MP, diz o Público, foi solicitada por denúncia da Tecnorém contra Paulo Portas e o diretor geral de Recursos do Ministério da Defesa, Alberto Coelho.
O secretário-geral do PCP assegurou durante as jornadas parlamentares daquele partido, realizadas em Coimbra, que questionará na próxima quinta-feira o primeiro-ministro, durante o debate na AR, sobre a proposta dos comunistas para que um trabalhador com 40 anos de descontos tenha direito à reforma por inteiro sem penalizações. Esta proposta foi já rejeitada por PS, PSD e CDS.
Marcelo Rebelo de Sousa tem andado por Cabo Verde em amena digressão e propõe-se defender a criação de um estatuto de cidadão da CPLP, de modo a assegurar a mobilidade de cidadãos cabo-verdianos nos países da lusofonia.
Os ministérios das Finanças e da Defesa foram condenados pelos tribunais a pagar €6,4 milhões a 46 militares das Forças Armadas que exerceram funções no estrangeiro entre 1995 e 2007.
Assinala-se hoje o Dia Mundial da Doença de Parkinson, uma patologia que afeta perto de 18 mil portugueses. Um trabalho do DN revela que a colocação de elétrodos no cérebro alivia os sintomas motores.
O seu médico de família vai passar a querer saber que tipo de exercício físico faz no dia a dia, se é que faz algum. Não obstante os conhecidos benefícios para a saúde, menos de um quinto dos adultos assegura fazer duas horas e meia de exercício por semana.
Enquanto evoluem as ondas de choque provocadas pela repetição de mais uma onda de violência provocada por estudantes portugueses em Espanha, O JN diz-nos que as escolas estão sem meios para travar a violência e garante que há jovens a levar armas para os estabelecimentos de ensino.
LÁ FORA
Como a violência não escolhe geografias, pelo menos duas pessoas morreram, incluindo a professora, na sequência de um tiroteio numa escola em San Bernardino, no estado norte-americano da Califórnia. Há ainda dois alunos feridos. Segundo as autoridades, trata-se de um caso de tentativa de homicídio seguido de suicídio.
Dirigentes cipriotas gregos e turcos retomam hoje as conversações para a reunificação da ilha de Chipre, um estado membro da União Europeia que vive há 41 anos uma situação anómala e cuja capital, Nicósia, é a única capital dividida da Europa. A ilha está dividida há décadas, na sequência da invasão turca de julho e agosto de 1974, como forma de conter um golpe de estado fomentado pela junta militar grega, que pretendia a união de Chipre à Grécia. Apesar de ser um estado independente, o Governo só controla dois terços da ilha. O Norte está ocupado pela República Turca do Norte do Chipre, apenas reconhecida pela Turquia.
Sebastian Gorka, assistente adjunto de Donald Trump, ligado a grupos de extrema-direita húngaros, sugeriu um plano para dividir a Líbia em três áreas. Terá desenhado esta proposta num guardanapo durante uma reunião com um diplomata europeu, segundo o jornal britânico “The Guardian”, citado pelo Expresso. As zonas corresponderiam, aparentemente, às antigas províncias otomanas de Cirenaica no leste, Tripolitania no noroeste e Fezzan no sudoeste.
A pena de morte, abolida em Portugal há mais de 150 anos, foi o ano passado aplicada a 1032 prisioneiros em 23 países. São menos 602 do que no ano anterior, segundo relatório da Amnistia Internacional. 87% das execuções ocorreram no Irão, Arábia Saudita, Iraque e Paquistão. A China é acusada de não apresentar números fiáveis sobre o número de execuções efetuadas.
FRASES
“Especificamente no que toca à área do grego, a Universidade de Coimbra soube afirmar-se como instituição de excelência, por uma razão que facilmente enunciamos em quatro palavras: Maria Helena da Rocha Pereira”. Frederico Lourenço, escritor e tradutor, no discurso de aceitação do Prémio Pessoa,
"Esta entrega do Novo Banco que o Governo PS quer agora concretizar é a opção defendida desde o início por PSD e CDS. É uma opção que prejudica o país e o povo e é, por isso, uma opção que o PCP rejeita". Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP nas jornadas parlamentares daquele partido
“Como Mora Amaral era do Opus Dei, diziam que eu era do copus night”. Alberto João Jardim no I
“Os pais e a sociedade devem responsabilizar estes jovens pelos seus atos em Torremolinos”. Daniel Sampaio, psiquiatra, no Expresso Diário
“Neste país parece que vale a pena incumpri. O grande caloteiro assobia para o lado. Às vezes, a empresa faliu, mas os seus mandantes vivem ‘na melhor’”. António Bagão Félix, economista, no Público
“Esperava que o colega português pedisse a minha demissão, mas ele não o fez”. Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, em entrevista ao jornal holandês De Volkskrant
O QUE ANDO A LER
Dizia Maria Helena da Rocha Pereira, a mulher que não sabia conceber o infinito e hoje vai a enterrar, não estar registado tudo quanto faz parte da pré-História. Mas, desde que surgiu a escrita, não conhecia nenhuma época em que não houvesse pelo menos uma guerra. Por isso, num tempo cada vez mais sisudo e com tanta gente com vocação guerreira, aí vão duas propostas completamente fora da caixa, com tudo quanto isso possa significar. Começo com “O que não é Teu não é Teu”, da nigeriana educada em Londres, Helen Oyeyemi. Esqueça tudo. Este conjunto de contos nada tem nada a ver com o que possa ter lido. Numa explosiva mistura de realismo mágico, com referências místicas africanas e alguma cultura europeia, Oyeyemi cria um universo desconcertante, atravessado por mitos, lendas, tempos diferentes, e uma chave. Em todos os contos há uma chave, literal ou metafórica que vai ter um contributo não desprezível para a excentricidade deste mundo criado por Oyeyemi. Veja-se como arranca o conto “Freddy Barrndoy faz o… Check-in?”: “Como eu estava a dizer, sou um filho incapaz. Só reparei nisso quando cheguei à idade que o meu pai tinha quando foi preso por andar a arranjar os mostradores partidos dos relógios das torres sem autorização. Tinha despertado a raiva das pessoas que querem que certas coisas não funcionem. Fora essa a missão atribuída aos relógios estragados das torres: recordações de uma guerra civil que tinha parado o tempo em vários locais do país do meu pai. Arranjar os mecanismos parecia um gesto político, apesar de ser impossível chegar a acordo quanto ao significado exato desse gesto. Quando o meu pai viu o primeiro mostrador partido, pensou apenas que era uma obra linda e digna que, depois de restaurada, tiraria o peso terrível ao facto de nos dizer que estávamos atrasados, quanto tempo tínhamos estado á espera e quanto tempo ainda tínhamos de esperar”.
O outro livro chegou-me pelas mãos do jornalista e escritor Viale Moutinho e é uma edição do Círculo de Leitores. Não é para ler. É para ir degustando. Trata-se do último dos volumes dedicados á recolha de textos poucos conhecidos, contos, novelas, romances curtos, polémicas, artigos de jornal e quejandos da autoria de Camilo Castelo branco. Já lhe chamei “Peregrinação Camiliana á volta de uma obra infinita”. Com muitas bengaladas à mistura, que Camilo era homem de pena verrinosa e os visados tinham mão leve ou cacete sempre à disposição, trata-se de uma leitura imperdível para jornalistas, candidatos a, apaixonados por boa prosa e disponíveis para uma franca gargalhada. Já não há homens assim. Já não se escreve assim. Depois de ter sido convidado a dirigir a Gazeta Literária do Porto, veja-se o modo engenhoso como Camilo pede colaboração ao poeta Feliciano de Castilho: “Contra o parecer de V. Exª, a meu ver sisudíssimo, aceitei a direção da Gazeta Literária do Porto. Isto há-de viver pouco. O fedor do bacalhau daqui faz tubérculos nos bofes destes periódicos em que se não dá o preço do feijão e do sumagre. Se pouco viver menos terei a perder. Não peço a V. Exª a sua colaboração, mas aceito-a com muito reconhecimento. Não lha peço porque os proprietários dão 1600 réis por página. Deus me livre do opróbio de oferecer isto a António Feliciano de Castilho”. É de mim, ou estamos a precisar de um Camilo capaz de chamar os nomes pelos bois “à coisa”?
UM POEMA
Canto a raiz do espaço na raiz
do
tempo. E os passos por andar nos passos
caminhados.
Começa o canto onde começo
caminho
onde caminhas passo a passo.
E
braço a braço meço o espaço dos teus braços:
oitenta
e nove mil quilómetros quadrados.
E
um país por achar neste país.
(Raiz,
in O Canto e as Armas, de Manuel Alegre)
Está servido o seu Expresso Curto. Ao longo do dia acompanhe as plataformas do
Expresso para saber o que se passa no país e no mundo. Tenha um bom dia.
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