Mariana
Mortágua – Jornal de Notícias, opinião
Dijsselbloem
não compreende porque se ofendeu tanto Portugal com as suas considerações
preconceituosas sobre "copos e mulheres". Não compreende porque não
lhe interessa a história da nossa gente. Porque ignora que, em Portugal, a
pobreza sempre foi o produto de longas jornadas de trabalho por muito pouco
salário. Não sabe nem quer saber que já em 1964 um operário do fabrico de
telhas ganhava em Portugal seis vezes menos que na Holanda.
Talvez
lhe fizesse bem ler os "Esteiros", de Soeiro Pereira Gomes. O livro
dedicado aos "filhos dos homens que nunca foram meninos", sendo que
muitos desses filhos e filhas também nunca chegaram a sê-lo. São os pais e as
avós das gerações de hoje, que começaram na lida dos campos, das fábricas, das
minas ou a servir em casas alheias, desde os dez, ou onze anos, às vezes mais
cedo. Trabalho de dia inteiro, a "construir as cidades pròs outros,
carregar pedras e desperdiçar muita força pra pouco dinheiro", escreveu o
Sérgio Godinho. Mas Dijsselbloem também não conhece Sérgio Godinho.
Não
são uma minoria. Mais de metade das pessoas que hoje se reformam começaram a
trabalhar antes dos 16 anos. Nada mau, para um país de alegados preguiçosos.
Dijsselbloem
e Schäuble, o ministro das Finanças alemão que encontra satisfação em fazer de
Portugal o bode expiatório dos males da Europa, não devem nada a esta geração
de trabalhadores a não ser um pedido de desculpas pelo insulto à sua vida de
trabalho. Mas nós, sociedade, devemos-lhes muito.
Temos
a responsabilidade de conquistar o direito ao descanso e à reforma para todos
os trabalhadores depois de 40 anos de contribuições. E dentro desta
reivindicação há uma urgência, que deve ser resolvida já, enquanto é tempo.
Não
podemos aceitar que se penalize quem, apesar de ter quarenta ou mais anos de
descontos, ainda não atingiu a idade da reforma porque começou a trabalhar em
criança. A infância não pode ser devolvida, mas a reforma sem penalizações é um
direito que não pode ser adiado.
*
Deputada do BE
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