Martinho Júnior | Luanda
1-
As modernas nacionalidades africanas são as únicas à escala global, cujas
fronteiras resultam da arquitectura e engenharia das potências coloniais em
finais do século XIX e esse tem sido um dos factores que marca como um anátema
a contínua desestabilização do continente até aos nossos dias, pelas terríveis
sequelas que a partir daí têm sido formatadas e incrementadas, sobretudo desde
a década de 90 do século XX, quando o capitalismo neoliberal saiu vitorioso da
assim considerada “Guerra Fria”.
Como
se isso não bastasse, o preço das matérias-primas é ditado pelo poder da
aristocracia financeira mundial, em função do que foi criado por ela em termos
de revolução industrial e nova revolução tecnológica nos chamados “países
industrializados do ocidente”, onde foram implantadas as culturas de rapina da “civilização
judaico-cristã ocidental”!
África
tem um substancial contributo global para o fornecimento de matérias-primas e à
medida que transferiram os interesses de domínio directo sobre os dispendiosos
territórios colonizados (com custos enormes devido aos encargos de ocupação e
administrativos), para as subtilezas do domínio indirecto, por via dos
exercícios do poder económico e financeiro (“soft power”), mais África ficou
avassalada, vendo sua economia, no quadro da globalização da hegemonia unipolar
eminentemente capitalista neoliberal, ser atirada para uma ultraperiferia da
qual muito poucos podem a curto prazo emergir, conforme testemunho anual dos
Índices de Desenvolvimento Humano da ONU.
As
subtilezas neocoloniais têm pois tido “curso livre” desde a década de
90 do século XX,“amarrando curto” o continente à geoestratégia da
hegemonia unipolar: os custos e a vassalagem ficam com e para os africanos,
para que os lucros se possam eternizar nas mãos dos tutores dos interesses da
aristocracia financeira mundial e isso com o agenciamento duma parte cada vez
mais importante dos dirigentes africanos emanados das vulneráveis e aculturadas
burguesias“nacionais”, como acontece claramente na África Ocidental e na África
Central.
A
bacia do Níger (o rio tem uma extensão de 4.180 km e a sua bacia cobre uma área
equivalente a 2.261.741 km2), é fulcral para esta região, no seu “hinterland” e
é de todas as bacias hidrográficas africanas, a mais afectada pela desestabilização
jihadista, intimamente associada, senão adstrita tacitamente, ao papel
neocolonial da “FrançAfrique”.
A “Niger
Basin Initiative” engloba nove países, grande parte deles compondo a “FrançAfrique”(Guiné
Conacry, Mali, Níger, Benin, Costa do Marfim, Burkina Faso, Camarões, Chade e
Nigéria, com a Nigéria a ser o mais decisivo deles todos e não fazendo parte da
zona do Franco CFA, embora circundado por alguns dos países componentes dessa “União”.
Angola
em função de seus esforços de paz em África, bem como de sua inserção nas
bacias do Congo e do Zambeze, deveria ser membro observador desta iniciativa da
bacia do Níger, de forma a integrar o agrupamento de países que estimulam a paz
no continente, por dentro das quatro bacias fundamentais de África: Níger,
Nilo, Congo e Zambeze.
É
nesse cadinho que a “FrançAfrique” se mantém pujante, dominante e com
moeda própria agenciada aos interesses franceses (o Franco CFA), na antiga
África Francesa (África Ocidental e África Central, num total de 14 países que
vão do Senegal à República do Congo e República Centro Africana).
A
área coberta pelo Franco CFA inscreve-se noutra mais ampla que a integra, que
abrange todo o ocidente africano, desde Marrocos (inclusive) à República do
Congo (que a espaços conseguiu alguns governos progressistas antes da década de
90 do século XX) e à República Centro Africana…
Senegal,
Costa do Marfim e Gabão, mantêm para o efeito bases militares e domínio de
inteligência franceses e é a partir daí, dos portos na costa do Atlântico
desses países, que é delineado todo o conjunto de operações no “hinterland” da
África do Oeste e da África Central, enquanto Djibouti o permite a leste
(África do Leste), numa altura em que a “FranlAfrique” é uma clara
opção dilecta avassalada às iniciativas do USAFRICOM.
2-
É nesse quadro que ocorreram as “primaveras árabes” que afectaram à
partida países como o Egipto, a Tunísia, a Líbia e a Argélia, (a África onde
culturalmente há mais tradições fortes de emancipação), de modo a que, suas
potencialidades ficassem atrofiadas, ou inibidas, neutralizando qualquer
veleidade dos africanos romperem com as amarras neocoloniais…
Quando
Kadafi preconizou a instauração duma moeda africana para ser introduzida pela
União Africana em todo o continente e começou a trabalhar nesse sentido, ditou
a sua sentença de morte, com os países europeus ocidentais a ficarem com os
imensos depósitos de moeda forte que entretanto Kadafi havia feito nos bancos
da esfera da “civilização judaico-cristã ocidental”, no seu afã de
impulsionar esse plano económico e financeiro, que em 2011 foi morto no
embrião.
Como
se isso não bastasse a desestruturação da Líbia foi garantida, com a
disseminação do caos e do terrorismo em seu próprio território, de forma a
facilitar a expansão das linhas de caos e terrorismo por todo o Sahel, desde o
Atlântico (Mauritânia e Nigéria), ao centro do continente (República Centro
Africana), até ao Índico (Somália) e de modo a que isso pudesse contribuir para
o fluir do papel da intervenção de inteligência e militar do USAFRICOM e dos
componentes da NATO, explorando qualquer via aberta nesse sentido, inclusive as “missões
de paz da ONU”.
Os
vulneráveis governos africanos, que não conseguiram capacidades próprias de
emergência a norte da linha do Equador, ficaram assim “amarrados ainda
mais curto” ao “diktat” neocolonial e o jovem rei de Marrocos,
aproveitando o desaparecimento de Kadafi, a doença terminal de Bouteflika e os
problemas do Egipto, recebeu a “procuração de mãos livres” para
continuar a colonização do Sahara, ao mesmo tempo que disseminava os interesses
comuns com os ocidentais, em estreita conexão aos da “civilização
judaico-cristã ocidental” por toda a África do Oeste e África Central, a
tal ponto que são os países mais fortemente neocolonizados e “amarrados-curto”que
agora se apresentam numericamente dominantes na União Africana.
3-
Em África está-se assim num processo profundamente dialético, entre a mancha de
caos e de terrorismo expandindo-se a partir do norte, onde a vassalagem
neocolonial tem sido conseguida por via da máscara dum “soft power” que
tem sido entrecruzado com sangrentas operações militares “cirúrgicas” dos
membros da NATO e com o caos e terrorismo dos wahabitas-sunitas, como as que
vão ocorrendo na Líbia, no Mali, na Nigéria, na República Centro Africana, no
Sudão do Sul e na Somália (entre outros mais) e a mancha que procura
incessantemente a paz a sul do Equador, com Angola numa decisiva charneira em
direcção ao Golfo da Guiné, à África Central e aos Grandes Lagos alargados
(Sudão do Sul e República Centro Africana).
O
território a meio entre essa dialética de tensão entre guerra expandindo-se em
territórios desérticos e semidesérticos a norte (caos e terrorismo) e a
relativa paz a sul, é precisamente o território decisivo de África: aquele onde
estão concentrados os recursos hídricos interiores mais densos, onde a
biodiversidade é intensa, onde o espaço vital é de há séculos mais disputado e
onde as tensões, conflitos e guerras mais se prolongam.
Esse
é um dos anátemas da República Democrática do Congo, onde a regularização dos
conflitos tem sido extremamente difícil, também por que (outro dos anátemas)
por efeitos do carácter avassalado à aristocracia financeira mundial da
colonização belga e muito embora seja um território riquíssimo de
matérias-primas, muito poucas estruturas e infraestruturas foram criadas a fim
de sacudir a letargia e o atraso secular que o país tem sido votado em função
dos interesses de rapina típicos da “civilização judaico-cristã ocidental”!
Deliberadamente
à RDC a hegemonia unipolar não faz chegar nada em termos de realizações da
revolução industrial (estradas, caminhos de ferro, indústrias…) e muito pouco
em termos da nova revolução tecnológica, por que assim a letargia e o atraso
continuam implantados e, se não fosse assim, a aristocracia financeira mundial
teria muito mais dificuldades em dominar através do casamento “FrançaAfrique” (com
a Grã-Bretanha, a Itália, a Espanha, Portugal e Marrocos a reboque) com o
USAFRICOM.
Ilustrações: Mapa referente à cobertura vegetal do continente; Mapa da bacia do Níger; Mapa do Franco CFA ocidental e central (14 países africanos da África do oeste e da África Central); Símbolo da“Operação Serval”, uma das muitas missões militares francesas, de carácter neocolonial em África
Ilustrações: Mapa referente à cobertura vegetal do continente; Mapa da bacia do Níger; Mapa do Franco CFA ocidental e central (14 países africanos da África do oeste e da África Central); Símbolo da“Operação Serval”, uma das muitas missões militares francesas, de carácter neocolonial em África
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