Expresso
das Ilhas | editorial
Na
semana passada o Governo deu o dito por não dito. O custo dessa inversão de
marcha foi logo contabilizado em cerca de 45 mil contos anuais a serem
permanentemente acrescidos ao orçamento do Estado a partir de 2018. O
volte-face do governo surgiu no dia seguinte à ameaça de greve de zelo seguido
de greve geral a partir de Junho por parte do sindicato dos oficiais de
justiça. Na declaração pública, o governo voltou a afirmar que “é a favor da
não generalização do subsídio de exclusividade” mas em vez de ponderar como
agir na sequência do pronunciamento do Tribunal Constitucional e do veto
presidencial, como prometera menos de 24 horas antes, apressou-se em concordar
em incluir o subsídio, deixando forte impressão que o fazia por pressão do
sindicato.
Em
Março último acontecera algo similar. O sindicato da polícia tinha ameaçado
greve geral de três dias no fim desse mês se as reivindicações salariais feitas
não fossem cumpridas. Era uma ameaça que não se justificava, considerando que o
governo já tinha feito aprovar no orçamento de 2017 mais de 178 mil contos para
resolver velhas disputas salariais na polícia nacional. Mesmo assim a imagem do
sindicato saiu reforçada do confronto porque ficou a impressão de que o acordo
de entendimento teria sido conseguido sob pressão da ameaça, sem precedentes na
história do país, de deixar as ruas inseguras durantes três dias. Ninguém ganha
com a percepção de que o governo, perante a mínima pressão, cede a interesses
corporativos ou sindicais ou que é forçado a agir por causa de manifestações de
indignação nas redes sociais como se viu no caso do passaporte diplomático do
desportista Matchu Lopes.
A
reforma da administração pública é fundamental para se construir o futuro do
país. Há um consenso geral que para que Cabo Verde dê saltos de produtividade e
se torne competitivo é de maior importância que haja ganhos de eficiência na
gestão dos recursos do Estado e que a relação com os cidadãos e com as empresas
se deixe guiar por objectivos, agindo com eficácia para conseguir os melhores
resultados. Sabe-se que após anos sucessivos de estagnação de carreiras e da
falta de perspectiva na função pública muitos trabalhadores anseiam por
recuperar o tempo perdido e naturalmente que se apressam logo a avançar com as
suas reivindicações. Cabe ao novo governo transmitir a real situação do pais,
definir as prioridades e saber criar a vontade geral que permita que se faça
hoje sacrifícios para que o potencial de crescimento seja elevado e o país
possa produzir riqueza e criar empregos sustentáveis.
Este
é o momento errado para permitir que cada classe ou interesse corporativo se
fixe nos seus interesses exclusivos ignorando o panorama geral de falta de
dinâmica da economia nacional ou fingindo não ver os milhares de desempregados
e os outros milhares de jovens que todos os anos chegam ao mercado de trabalho
sem grande esperança de arranjar um emprego. Já é evidente que trabalhos do
Estado não podem empregar todos assim como soluções de auto-emprego ou de
actividade informal não resolvem o problema do desemprego. Dificilmente
mostram-se sustentáveis ou com potencial para fazer crescer o rendimento
das pessoas e criar mais postos de trabalho. Para além do Estado, praticamente
só o turismo e as actividades de exportação a partir de investimentos que
trazem consigo tecnologia e mercados é que já provadamente demonstraram que
podem rapidamente contratar milhares de pessoas e criar empregos permanentes.
Para
poderem resultar é preciso porém que o país tenha uma administração pública
ágil e eficiente e com consciência das suas prioridades e uma cultura de
prestação de serviço. Para se conseguir isso é fundamental a liderança do
Governo. Mas se em vez de lançar a administração do Estado para o patamar que
hoje se exige de um país dinâmico, inovador e inserido na economia
global, o governo deixar-se ir a reboque ou capitular perante interesses
ou reivindicações vindos dos sectores públicos será mais uma oportunidade
perdida de se fazer as reformas essenciais que se impõem. E ninguém ganhará com
isso, nem mesmo os sindicatos que poderão até passar, por algum tempo, a imagem
de poderosos com as vitórias tornadas fáceis na administração pública e nos
sectores públicos empresariais com a politização das causas e a deriva para o
populismo de certos actores políticos. Vão verificar rapidamente que embora a
curto prazo aparentam cuidar dos interesses dos seus associados, a longo termo
todos serão prejudicados com a falta de produtividade e de competitividade da
economia e com a incapacidade geral em criar empregos em número significativo.
O
governo já deixou passar um ano sem que em relação à administração pública e
com vista à melhoria significativa do ambiente de negócios fossem tomadas
medidas práticas ou conhecidos os seus planos e estratégia para reforma profunda
do sector. Não aproveitou o aparente consenso nesse sentido que vinha do
período eleitoral de 2015/2016 e deixou-se desviar dos objectivos com a questão
politicamente polarizante do concurso público e com a questão das
incompatibilidades. Também não ajuda a imagem que se vai criando que o governo
cede perante pressões de interesses corporativos e sindicais no sector público.
Certamente que está a tempo de recuperar e fornecer uma liderança efectiva da
administração pública e fazer as reformas que o país precisa, mas o tempo urge.
Olhando
para as experiências dos outros países, constata-se que não é fácil mudar
estruturas, criar uma outra cultura de organização e reorientar um aparelho
estatal construído para controlar tudo e todos num modelo de reciclagem de
ajuda externa, de forma a se transformar num instrumento dinâmico do
desenvolvimento. Mas terá que ser feito se se quiser deixar definitivamente
estes anos de crescimento raso e ir além das previsões do FMI em Abril deste ano
que projectam para Cabo Verde em 2017 e 2018 taxas de crescimento do PIB de 4%
e 4,1% respectivamente.
*Texto
originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº
807 de 17 de Maio de 2017.
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