...com muitas despesas administrativas e “cimento”, dizem especialistas
Um Orçamento de Estado “mais do mesmo”, com muitas despesas administrativas e “cimento”, dizem especialistas
A proposta de Orçamento de Estado para 2025 continua a deixar para segundo plano setores que especialistas, organizações e os timorenses consideram essenciais. Mantém-se o foco em algumas infraestruturas sem retorno para a população e o peso excessivo de custos administrativos, segundo a La’o Hamutuk. Apesar de o Fundo Petrolífero se ir esgotando, o Governo aumentou o orçamento em 12%.
A proposta do Governo de Orçamento Geral do Estado para 2025, no valor de 2,6 mil milhões de dólares, canaliza verbas substanciais para gastos administrativos e subsídios para veteranos, enquanto setores como a educação, saúde, agricultura, água e saneamento continuam a apresentar uma dotação reduzida. Além dos elevados custos administrativos e da falta de investimento em áreas essenciais para o desenvolvimento, mantêm-se despesas com grandes projetos que, defende a organização La’o Hamutuk, não têm retorno para o país.
Para o setor da educação, o Governo pretende alocar 145,8 milhões de dólares, um valor inferior à dotação de 207 milhões para o pagamento aos veteranos, que sofreu aumento de 94 milhões de dólares face a 2024, justificado pelo Executivo com a atualização do número de cidadãos que recebem este apoio. Bem inferior é também a dotação de 99,2 milhões de dólares para a área da saúde, a que acrescem 14,2 milhões de dólares para aquisição e distribuição de medicamentos e equipamentos médicos. O setor da agricultura fica-se pelos 40,8 milhões e a água e saneamento pelos 26 milhões de dólares. Juntos, estes setores sociais e produtivos, não representam mais de 19% do orçamento (não contabilizando as transferências internas da Segurança Social).
Perante este cenário orçamental, a La’o Hamutuk alerta, em comunicado de imprensa: “Apesar de o Governo reiterar o investimento nas condições sociais da população, a realidade mostra que esses setores perdem oportunidades”. A organização defende, por um lado, ser necessário reduzir os gastos administrativos (despesas relacionadas com o funcionamento geral da administração pública e dos serviços do Estado), incluindo os subsídios aos veteranos. Por outro, é preciso dar prioridade aos setores social e produtivo, pois “o investimento nas pessoas é a solução mais justa para preparar uma geração mais resiliente, capacitada e produtiva”.
Também António Serra, especialista português em Economia e política económica do desenvolvimento, com larga experiência profissional em Timor-Leste, considera que esta política orçamental é “a continuação da receita para o desenvolvimento usada até agora e não poderá deixar de ter como consequência mais do mesmo”. De acordo com o especialista, a maioria dos governos timorenses tem investido no “cimento” e no “alcatrão”, relegando para segundo plano os gastos em capital humano, na educação, saúde e “agricultura alimentar”.
Sobre o setor educativo, o economista lembra que os gastos médios em educação no conjunto dos países vizinhos do sudeste asiático são de cerca de 15% da despesa pública, enquanto em Timor-Leste se gasta metade. “Ou se altera rapidamente e em força esta situação ou o país estará condenado a permanecer num nível baixo de desenvolvimento, mantendo-se na cauda do grupo dos seus vizinhos”, alerta.
A posição de António Serra vai ao encontro do que defende o Banco Mundial num relatório de novembro de 2023, “Aproveitar as Oportunidades de uma Vida: A Revisão do Capital Humano de Timor-Leste”. Segundo o documento, Timor-Leste enfrenta uma crise de capital humano. As crianças que nascem atualmente no país serão menos de metade produtivas como adultas do que poderiam ser se tivessem uma educação completa e saúde plena. O facto de a população ser jovem é, para o Banco Mundial, uma oportunidade que deve ser aproveitada rapidamente, construindo-se “níveis elevados de capital humano através de educação de qualidade, saúde, nutrição e proteção social”. O estudo recomenda ainda um investimento estratégico nestas áreas “para garantir que todos os timorenses possam atingir o seu potencial”.
Os sucessivos governos têm ignorado o consenso que existe em torno da necessidade de maior e melhor investimento em áreas sociais e produtivas. Um inquérito do Banco Mundial de 2020 que envolveu diferentes participantes – governo, empresas, organizações, meio académico e meios de comunicação social – demonstra essa preocupação. A educação surgia como a principal prioridade de desenvolvimento, selecionada por 57,9% dos inquiridos. Já a agricultura e o desenvolvimento rural foram vistos como o contributo mais importante para a redução da pobreza, com 51,9% dos participantes a selecionarem esta opção. A saúde também foi considerada uma prioridade fundamental, sendo selecionada por 33,6% dos inquiridos. A água e o saneamento foram a escolha de 31% dos participantes.
Na análise que fez da proposta de
orçamento para
Outra preocupação, para a La’o Hamutuk, é a eletricidade, área que “demonstra falta de sustentabilidade, de capacidade para gerar receitas e administrar-se de forma independente”. Para a organização, é urgente que o setor deixe de depender do Orçamento de Estado, cujas alocações passaram de uma média, entre 2019 e 2023, de cerca de 146 milhões de dólares, subindo para 174 milhões em 2024. Na proposta orçamental de 2025, este valor aumenta para 202 milhões.
O financiamento da TimorGAP é também um problema para a organização. Recordando o défice de 106 milhões em 2023 da empresa pública, a La’o Hamutuk considera “não haver justificação para continuar a alocar fundos para uma instituição que não cria receitas para o Estado e promove planos irrealistas para o povo e a nação”.
Fundo petrolífero vai-se esgotando, mas valor do orçamento aumenta
A proposta de orçamento para 2025
“representa um aumento de 12% em relação a 2023 e continua a aumentar as
despesas para o futuro”, alerta a La’o Hamutuk. “O Governo, em
discursos e documentos, reconhece de forma positiva a urgência de
fazer investimentos alternativos após a exploração do petróleo para evitar que
Timor-Leste enfrente uma crise fiscal a longo prazo. Infelizmente,
isto não se reflete no cenário da proposta do Orçamento de
O Fundo Petrolífero, que financia 83% do Orçamento do Estado, pode esgotar-se totalmente até 2034, de acordo com estimativas do Ministério das Finanças. O esgotamento do Fundo ameaça a estabilidade macroeconómica de longo prazo e leva Timor-Leste a um “precipício fiscal”.
Para que se evite este cenário,
segundo o Banco Mundial, seria necessário melhorar a capacidade produtiva através
de reformas estruturais, bem como a qualidade dos gastos públicos. Outras
medidas essenciais seriam apoiar o desenvolvimento do setor privado
para se atingir a meta de crescimento de 7% e realizar uma consolidação
fiscal para estender a vida do Fundo Petrolífero e garantir a sustentabilidade
fiscal. Não é este o atual cenário. O Banco Mundial prevê para
Timor-Leste um crescimento em média de 3,4% para o período de
O economista António Serra mostra-se crítico em relação à política de receitas e à inexistência de uma reforma fiscal. Recordando que os impostos indiretos (sobre o consumo) são, desde sempre, muito superiores aos que recaem sobre os rendimentos dos cidadãos, os impostos diretos, explica: “O Estado prescindiu do uso dos impostos diretos como elemento de alguma redistribuição de rendimentos através da cobrança de taxas de imposto mais altas aos que ganham mais e taxas mais baixas para os que ganham menos”. E exemplifica: “Já teria sido possível introduzir algum tipo de progressividade no imposto sobre o rendimento. Porque é que quem ganha mil dólares por mês paga 10% e quem ganha dez mil paga a mesma percentagem?”. O especialista defende ainda a introdução de três ou quatro escalões de rendimento com taxas diferentes.
Outra crítica do economista vai para o atual Governo, que “anulou o aumento das taxas aduaneiras de alguns produtos e desta em geral”. Para Serra, a medida do anterior Executivo permitia proteger a produção nacional da concorrência das importações de outros países que podem produzir muito mais e mais barato do que Timor-Leste. “Tal situação levou a que, com taxas aduaneiras tão baixas como as atuais e considerando as diferenças dos sistemas de produção dos países vizinhos, é muito mais económico importar da Indonésia ou da China do que produzir no país”, sustenta. E conclui: “Não defender as produções nacionais perpetua o subdesenvolvimento”.
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