Díli,
18 mai (Lusa) - Bersama, "guerrilheiro dedicado, com boa caligrafia"
recebeu hoje das mãos do Presidente timorense, o primeiro exemplar de um livro
nascido de um relatório de dois anos da resistência, que o primeiro ajudou
"a copiar a limpo".
"Em
1983 este rapaz saiu no levantamento de Kraras. Só tinha a segunda classe
indonésia e não sabia nenhuma palavra de português. Mas aprendeu com os líderes
da guerrilha a escrever português", lembrou Taur Matan Ruak, no lançamento
do seu livro, em Díli.
"Ser
livre é ser capaz de dizer de que não - Um relatório sobre o debate construtivo
da nação", lançado no Arquivo e Museu da Resistência Timorense, em Díli,
tem como elemento central o "2º Relatório do Estado-Maior das Falintil
referente ao período de dois anos - Agosto 1994 a Dezembro de 1996".
Atualmente,
major nas Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), Bersama (Mário Batista)
juntou-se aos guerrilheiros que combatiam a ocupação indonésia e recebeu a
complicada tarefa de escrever a limpo a "letra difícil" que Taur
Matan Ruak admite que tinha.
Depois
de três tentativas de copiar o relatório - essencial para perceber a dinâmica
do debate interno sobre políticas, ajuste estruturais e eficácia da resistência
- Bersama queria desistir: "Ainda tinha erros e ele disse-me: 'Comandante,
eu gosto muito de si, mas quero ir combater'".
Finda
a guerra, Bersama foi o primeiro aluno timorense da Academia Militar
Australiana, esteve na China no Curso de Altos Comandos e ficou em terceiro
lugar entre participantes de 43 países.
"Por
isso acho que mereces tu esta primeira cópia", disse no lançamento Matan
Ruak, dirigindo-se a Bersama.
A
obra escrita pelo próprio chefe de Estado há vários anos e lançada, a menos de
48 horas do fim do mandato, recorda alguns dos momentos da ação dos
guerrilheiros timorense na luta pela libertação de Timor-Leste contra a
ocupação indonésia.
Taur
Matan Ruak explicou que o livro pretende ser um contributo para o conhecimento
da história da resistência, retratando um "debate incrível, mas sempre com
muito respeito e civismo" travado na direção da luta armada.
"Espero
que sirva para encorajar os jovens, para perceber que realmente ser livre é ser
capaz de dizer não. Só os que têm alma é que têm convicções próprias. De outro
modo a sociedade não evolui. Fica estagnada, fica parada", afirmou.
As
referências a nomes de outros responsáveis da luta "não têm a intenção de
provocar debates polémicos", mas antes de "provocar todos a que
comecem a escrever e a contribuir um bocadinho" por "respeito para
com os jovens das gerações futuras", disse.
Benjamim
Corte-Real, responsável do Instituto Nacional de Linguística de Timor-Leste e a
quem coube apresentar uma obra "sobre a história da resistência, contada
por um dos seus protagonistas".
"Ainda
falta muito a contar e a descobrir, muito mais sobre o tal mítico fenómeno da
resistência timorense, para que melhor possamos contemplar a epopeia da luta do
nosso povo e melhor consigamos desfrutar o fruto da libertação da pátria",
disse.
Até
que os historiadores olhem para o que ocorreu "com mais tempo, distância
emocional, serenidade e objetividade de análise", este livro pode
responder à curiosidade de quem quer saber a história com relatos como este,
disse.
A
obra foi apresentada na sede do Arquivo e Museu da Resistência Timorense
(AMRT), espaço onde funcionou no tempo da ocupação indonésia a repartição dos
serviços de educação e antes disso, no tempo português, o Tribunal Provincial.
Um
espaço que serve hoje como "casa sagrada" para recordar os
"extremos sacrifícios que os heróis chamaram a si em troca da liberdade
coletiva" dos timorenses, disse.
Para
Corte-Real, o título da obra remete para o que foi o "exercício
democrático no contexto da guerra", uma "prática de diálogo,
persuasão de análise" sobre a "possibilidade de ideias, divergências,
em busca de convergências".
"A
obra também nos revela o estado de alerta constante daqueles homens a todos os
níveis. Homens classificados de bandidos, frustrados, isolados, atrasados. Que
não só tinham que fazer a luta armada, mas assumir a acrescida tarefa de
acompanhar, corresponder e contribuir para o sucesso das outras duas frentes da
luta", afirmou.
Taur
Matan Ruak termina o mandato como Presidente de Timor-Leste na noite de
sexta-feira.
ASP
// EJ
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