quinta-feira, 18 de maio de 2017

Guerrilheiro com "boa caligrafia" recebe primeiro exemplar do livro do Presidente timorense


Díli, 18 mai (Lusa) - Bersama, "guerrilheiro dedicado, com boa caligrafia" recebeu hoje das mãos do Presidente timorense, o primeiro exemplar de um livro nascido de um relatório de dois anos da resistência, que o primeiro ajudou "a copiar a limpo".

"Em 1983 este rapaz saiu no levantamento de Kraras. Só tinha a segunda classe indonésia e não sabia nenhuma palavra de português. Mas aprendeu com os líderes da guerrilha a escrever português", lembrou Taur Matan Ruak, no lançamento do seu livro, em Díli.

"Ser livre é ser capaz de dizer de que não - Um relatório sobre o debate construtivo da nação", lançado no Arquivo e Museu da Resistência Timorense, em Díli, tem como elemento central o "2º Relatório do Estado-Maior das Falintil referente ao período de dois anos - Agosto 1994 a Dezembro de 1996".

Atualmente, major nas Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), Bersama (Mário Batista) juntou-se aos guerrilheiros que combatiam a ocupação indonésia e recebeu a complicada tarefa de escrever a limpo a "letra difícil" que Taur Matan Ruak admite que tinha.

Depois de três tentativas de copiar o relatório - essencial para perceber a dinâmica do debate interno sobre políticas, ajuste estruturais e eficácia da resistência - Bersama queria desistir: "Ainda tinha erros e ele disse-me: 'Comandante, eu gosto muito de si, mas quero ir combater'".

Finda a guerra, Bersama foi o primeiro aluno timorense da Academia Militar Australiana, esteve na China no Curso de Altos Comandos e ficou em terceiro lugar entre participantes de 43 países.

"Por isso acho que mereces tu esta primeira cópia", disse no lançamento Matan Ruak, dirigindo-se a Bersama.

A obra escrita pelo próprio chefe de Estado há vários anos e lançada, a menos de 48 horas do fim do mandato, recorda alguns dos momentos da ação dos guerrilheiros timorense na luta pela libertação de Timor-Leste contra a ocupação indonésia.

Taur Matan Ruak explicou que o livro pretende ser um contributo para o conhecimento da história da resistência, retratando um "debate incrível, mas sempre com muito respeito e civismo" travado na direção da luta armada.

"Espero que sirva para encorajar os jovens, para perceber que realmente ser livre é ser capaz de dizer não. Só os que têm alma é que têm convicções próprias. De outro modo a sociedade não evolui. Fica estagnada, fica parada", afirmou.

As referências a nomes de outros responsáveis da luta "não têm a intenção de provocar debates polémicos", mas antes de "provocar todos a que comecem a escrever e a contribuir um bocadinho" por "respeito para com os jovens das gerações futuras", disse.

Benjamim Corte-Real, responsável do Instituto Nacional de Linguística de Timor-Leste e a quem coube apresentar uma obra "sobre a história da resistência, contada por um dos seus protagonistas".

"Ainda falta muito a contar e a descobrir, muito mais sobre o tal mítico fenómeno da resistência timorense, para que melhor possamos contemplar a epopeia da luta do nosso povo e melhor consigamos desfrutar o fruto da libertação da pátria", disse.

Até que os historiadores olhem para o que ocorreu "com mais tempo, distância emocional, serenidade e objetividade de análise", este livro pode responder à curiosidade de quem quer saber a história com relatos como este, disse.

A obra foi apresentada na sede do Arquivo e Museu da Resistência Timorense (AMRT), espaço onde funcionou no tempo da ocupação indonésia a repartição dos serviços de educação e antes disso, no tempo português, o Tribunal Provincial.

Um espaço que serve hoje como "casa sagrada" para recordar os "extremos sacrifícios que os heróis chamaram a si em troca da liberdade coletiva" dos timorenses, disse.

Para Corte-Real, o título da obra remete para o que foi o "exercício democrático no contexto da guerra", uma "prática de diálogo, persuasão de análise" sobre a "possibilidade de ideias, divergências, em busca de convergências".

"A obra também nos revela o estado de alerta constante daqueles homens a todos os níveis. Homens classificados de bandidos, frustrados, isolados, atrasados. Que não só tinham que fazer a luta armada, mas assumir a acrescida tarefa de acompanhar, corresponder e contribuir para o sucesso das outras duas frentes da luta", afirmou.

Taur Matan Ruak termina o mandato como Presidente de Timor-Leste na noite de sexta-feira.

ASP // EJ

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