Isabel
Moreira é a entrevistada do Vozes ao Minuto do dia de hoje
Isabel
Moreira, deputada pelo Partido Socialista, esteve à conversa com o Notícias ao
Minuto e falou abertamente sobre si, sobre o país, sobre o mundo e até sobre a
vitória portuguesa da Eurovisão, mostrando-se rendida a Salvador Sobral.
A
filha de Adriano Moreira sempre se interessou por política mas longe das
posições centristas do pai, tendo ingressado no Partido Socialista. A deputada
entrou tarde no Parlamento, porém as missões estavam bem definidas, assumindo
sempre dar a cara por causas como o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo
sexo.
As
suas convicções levaram-na longe e transformaram-na num dos nomes mais
conhecidos e reivindicativos da Assembleia da República. Uma mulher segura e
confiante dos seus ideais.
Como
é ser Isabel Moreira do PS num país em que Adriano Moreira foi um marco
político tão grande com ligações ao CDS?
Significa
apenas que vivo num país democrático e, portanto, a democracia começa em casa e
aconteceu em minha casa como acontece em muitas as pessoas não terem todas a
mesma filiação partidária ou as mesmas escolhas ideológicas.
As
discussões em casa começaram desde cedo ou não havia política à mesa?
No
meu caso sempre me interessei muito pela política e sempre segui muito a vida
política do meu pai, ainda hoje continuo a falar de política com o meu pai com
enorme interesse.
Quando
percebeu que os ideais do seu pai estavam longe das suas crenças mas que lhe
queria seguir os passos em termos políticos?
Em
bom rigor, tarde, no sentido do Parlamento. Eu já tinha herdado o gosto pela
Universidade, a minha vida e aquilo que mais me apaixonava era a minha vida universitária.
Eu lecionei durante 12 anos na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
o meu pai, por sua vez, lecionou a vida toda.
Depois,
mais tarde, estando na Universidade, comecei a interessar-me pelo tema do
aborto e mais tarde, com muito mais intervenção, pelo casamento entre pessoas
do mesmo sexo, fazendo inclusivamente um parecer pro bono para o Tribunal
Constitucional numa altura em que duas mulheres tentaram casar-se e,
evidentemente, isso foi-lhes negado porque ainda não era permitido em Portugal.
Estando presente na fundação do movimento pela igualdade, comecei a ter algumas
intervenções públicas, e sem que eu esperasse, foi-me feito o convite e percebi
que viram em mim uma pessoa capaz de ajudar a concretizar, no Parlamento,
algumas lutas.
Eu
própria percebi que fazia sentido, tendo em conta a minha formação e a minha
vontade intensa de lutar pela liberdade e pela igualdade, dar o salto para a
casa onde a lei é feita, para a casa da democracia. Portanto, senti que reunia
as condições e, um pouco inesperadamente, dei por mim a integrar as listas para
ser deputada pelo PS.
"Hoje não seria a mulher que sou, com a segurança que tenho, sem a comunidade LGBT que de alguma forma me salvou"
Celebrou-se na semana passada o Dia Mundial Contra
a Homofobia, como foi dar a cara por um movimento de nicho?
Em
primeiro lugar o esforço que fiz foi precisamente demonstrar que não é um
nicho, que é uma luta absolutamente transversal a toda a sociedade, que não se
isola o elemento identitário das pessoas como se fosse uma espécie de mito
urbano e como se estas questões só interessassem a um grupo imaginário que vive
algures em Lisboa, porque os gays, as lésbicas e os transexuais são pessoas do
Norte, do Sul, da classe mais pobre, da média, pessoas mais afortunadas, são
trabalhadores, pessoas que atravessam toda a sociedade. Fiz sempre um esforço
para demonstrar que havia um enorme silêncio.
Estas
pessoas eram e continuam a ser muito silenciadas e alvo do mito de que se trata
de uma questão fraturante, urbana, que não diz respeito ao país e isso é
mentira porque o que verdadeiramente fratura o país é a desigualdade. Por outro
lado, procurei demonstrar sempre, nas intervenções que fiz, que toda a
sociedade beneficia com o facto de todos e todas termos todos os direitos. Eu,
sendo heterossexual, sou prejudicada se uma pessoa gay ou lésbica não tem os
mesmos direitos do que eu. É bom para todas e para todos. É da coletividade que
estamos a falar, é dos nossos concidadãos, das nossas crianças.
Sinto
que a luta não é minha, é de muita gente, mas sinto, de facto, que toda a minha
energia em cada coisa que faço. Hoje não seria a mulher que sou, com a
segurança que tenho relativamente a mim, em todas as dimensões, sem a
comunidade LGBT que de alguma forma me salvou.
"Nunca faço as coisas por reconhecimento, faço porque as acho imperativas, justas e urgentes em si mesmas"
Sente que foi importante para a comunidade ter uma cara
conhecida para que esta luta fosse em frente?
Não
consigo falar por uma comunidade, mas sinto que dei o meu melhor e que para
muita gente tem sido importante ter uma cara no Parlamento que está sempre
presente no que diz respeito aos direitos LGBT e que tem um historial nessa
matéria que está à vista. Nunca faço as coisas por reconhecimento, faço porque
as acho imperativas, justas e urgentes em si mesmas. Depois, se reconhecem o
meu trabalho, como qualquer pessoa, fico contente.
Chegou
a ser muito criticada por questões pessoais, desde tatuagens a fotografias de
biquínis. Como lida com estas pressões sociais?
Sendo-se
absolutamente livre. Isto é, vivendo-se como se o sexismo não existisse.
Apesar
disso é um dos nomes de política portuguesa mais presentes nas redes sociais.
Não
acho que tenha muita presença nas redes sociais. Não tenho Twitter, só tenho
Facebook e uso sobretudo para partilha de questões que me interessam
politicamente, tem uma dimensão mais de 90% política.
Mas
sente-se mais perto das pessoas com essa utilização do Facebook?
Sem
dúvida nenhuma, eu rejeito em absoluto a diabolização do Facebook ou a ideia de
que o Facebook serve para nos alienar da realidade. Isso depende do uso que
fizermos dele e o Facebook tem-me ajudado muito, nomeadamente através da aproximação
a pessoas que estão noutros pontos de Portugal e noutros países e a aceder a
informação que de outra maneira não chegaria. Acho uma excelente ferramenta que
obviamente é utilizada com a dose certa e com a inteligência de não se cair na
discussão efémera dentro dos comentários que são postos muitas vezes para
provocar. Uma pessoa vai aprendendo a distinguir o trigo do joio.
"Se António Costa não tivesse feito o que fez, teríamos assistido à 'Pasokização' do PS"
O Partido Socialista e o Governo têm-se congratulado com os resultados
conseguidos nos últimos tempos. Que balanço faz?
Em
primeiro lugar acho que nós conseguimos provar que havia uma alternativa e isso
é muito importante. Vivemos durante muito tempo sob o peso retórico da ideia de
não haver alternativa e esse discurso era feito pelo anterior governo e era
apoiado pelo discurso europeu. Tinha o conforto do discurso europeu, de não
haver alternativa, parecia quase uma heresia uma alternativa de Esquerda.
Quebrou-se essa força semântica e mostrámos que era possível alternativa e que
a austeridade que nós tivemos foi feita, de facto, de escolhas e não de
inevitabilidades. Isto é, a austeridade que tivemos no anterior governo foi
feita com convicção, aderindo a ela ideologicamente e entendendo que se deveria
pesar naqueles que têm menos, que se deveria flexibilizar a lei laboral, que se
deveria esmagar o Estado Social e que aí sim se atingiriam os números
pretendidos. Essa estratégia falhou redondamente.
Depois
foi-nos dito que não havia alternativa e o que esta solução mostra é que é
possível devolver rendimentos, devolver direitos sociais, fazer Orçamentos do
Estado constitucionais e repor a paz constitucional e entre os órgãos de
soberania e, ao mesmo tempo, ter crescimento de emprego, ter o défice mais baixo
da História, ter um crescimento de 2,8% que é um ótimo sinal e ter indicadores
económicos muito bons que não têm nada a ver com políticas do anterior governo,
mas sim com alterações de política por parte deste Governo.
Estamos
a viver um momento verdadeiramente histórico. Toda a gente reconhecerá, da
Direita à Esquerda, que era uma espécie de destino quase perpétuo do
centro-esquerda ter muita dificuldade em formar maioria absoluta porque só a
Direita é que fazia coligações e o facto de, finalmente, a Esquerda ter-se
entendido e ter feito aquilo que resulta da Constituição é absolutamente
histórico e provocou as reações tão absurdas como dizer que isso é ilegítimo
quando isso é exatamente o que resulta do nosso sistema
jurídico-constitucional. E é mais histórico ainda quando olhamos para o
panorama europeu, nomeadamente para o declínio dos Partidos Socialistas que, em
vez de terem tomado opções como a de António Costa, acabaram por se diluir
ideologicamente. No fundo, penso que se António Costa não tivesse feito o que
fez, teríamos assistido à 'pasokização' do PS.
Qual
é a sua leitura face à saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo
(PDE)?
A
saída do PDE assinala que estamos no caminho certo e que de facto havia
alternativa. Conseguimos um equilíbrio entre o controlo das contas públicas e,
finalmente respeitando a Constituição, a devolução de rendimentos e direitos
sociais. Os resultados em termos de défice, recuperação de emprego e
recuperação económica eram tidos por impossíveis pelos anunciadores do diabo.
Temos de continuar neste caminho, cientes de que ainda há muita gente privada
de uma vida digna.
Que
posição têm Bloco, PCP e PEV nesta 'Geringonça' e qual a relevância destes
partidos para que a solução resulte e seja aceite na Europa?
Têm
uma relevância muito grande. Sem o PCP, o Bloco de Esquerda e o PEV não havia
maioria parlamentar de suporte a este Governo. Por outro lado, acho que é muito
interessante que, sendo o Governo do PS, nenhum dos outros partidos perca a sua
identidade e que, por isso mesmo, possa fazer as suas reclamações em contínuo,
independentemente dos acordos que estão feitos com cada um deles, o que obriga
a um esforço enorme e bom de contínua concertação e reflexão sobre as coisas
por parte do Governo, porque têm sempre de atender àquilo que são as
expetativas desses partidos. Hoje em dia, o PS não pode estar no Governo com um
pensamento único. Acho que essa reflexão partilhada sobre os problemas do país
é muito positiva, apesar de existirem naturalmente diferenças entre os
partidos.
Relativamente
à Europa, sabemos desde o início que há divergências profundas sobre o
pensamento europeu entre o PS e o Bloco, o PCP e 'Os Verdes', mas penso que
ninguém tem de amar a União Europeia ou ser-se apaixonado pelo euro para fazer
parte de um Governo de Esquerda. Quem está no Governo é que tem de lidar com
essa questão e quem está no Governo é o Partido Socialista.
"Só por desconhecimento, estratégia política ou preguiça ativa é que se pode dizer que a reforma laboral do anterior governo é que provocou um aumento de emprego"
Por
outro lado, falou dos resultados do Governo. A Direita tem vindo a dizer que as
políticas, incluindo as do emprego, se devem a esforços do anterior governo.
Não há louros a atribuir ao anterior executivo?
Não.
O Passos Coelho, no início da governação, quando os números ainda não eram exatamente estes, culpava este Governo por todos os números que apareciam.
Agora, aparecem estes números e afinal diz que já são resultado da sua
governação anterior. Isto parece-me evidente, claramente não houve o corte de
600 milhões nas pensões que estava no Plano de Estabilidade e Crescimento do
PSD, queriam insistir na não devolução dos direitos sociais, nos cortes
salariais e tudo isto foi uma inversão da política.
E,
quanto à questão laboral, dizerem que o crescimento do emprego tem alguma coisa
a ver com a flexibilização laboral só pode ser política. Isto é, estão a fazer
política por desespero, porque o básico da legislação laboral que está em vigor
é de um tempo anterior, do PS e do atual ministro da Segurança Social, e a
reforma laboral que o anterior governo fez em setembro de 2013 teve um travão
bastante grande por parte do Tribunal Constitucional. Só por desconhecimento,
estratégia política ou preguiça ativa é que se pode dizer que a reforma laboral
do anterior governo é que provocou um aumento de emprego.
O
défice de 2% conseguido em 2016 já está confirmado. E as previsões para 2017
parecem ser ainda mais positivas, falando-se num défice de 1,6%. A meta
estabelecida é mesmo possível de alcançar?
Não
sou dessa área, agora aquilo que vejo é que Portugal, como qualquer país, pode
sempre sofrer os efeitos da conjuntura externa e esse poderá ser um dos
elementos que, eventualmente, pode alterar ou não as previsões do Governo.
Apesar
dos resultados maioritariamente positivos, há polémicas que têm surgido à volta
do Governo em casos como a CGD, nomeadamente, perante o fecho do balcão de
Almeida, como se responde a estas pessoas?
É
uma questão muito difícil e não tenho uma resposta pronta, não estou na
administração da CGD e não conheço os contornos da gestão de dossier do fecho
dos balcões, mas é uma questão que me preocupa, sobretudo se se vier a
demonstrar ser uma forma de favorecimento da banca privada.
Muito
se tem falado da posição de Marcelo Rebelo de Sousa em relação ao Governo.
Acredita que o Presidente da República tem levado o Executivo ‘ao colo’?
Não,
acredito que Marcelo Rebelo de Sousa tem feito o melhor que sabe e como sabe
para que a leitura do seu primeiro mandato seja a que ele quer que seja feita.
Isto é, de um Presidente que se preocupou com a estabilidade governativa, que é
de facto uma das funções do Presidente. Tem procurado criar pontes com os
parceiros sociais e órgãos de soberania e, portanto, é do interesse da própria
Presidência que contribua para o normal funcionamento das instituições.
Há
um clima de paz social que nós não tínhamos, as pessoas já não vivem naquela
situação de não saber o que é o amanhã, da constante surpresa do que acontecia
com o anterior Governo e penso que o Presidente tem feito aquilo que cola bem
com o que é uma boa presidência. Ele faria o mesmo se fosse um governo de outra
formação ideológica que estivesse a ter os mesmos resultados, a mesma adesão e
que não causasse perturbação social.
"Não vejo razões para fazer futurologia de crise entre Governo e Presidente da República"
E acha que Marcelo poderá ‘virar costas’ quando algo não correr como
previsto?
Já
tem acontecido, o Presidente da República já fez críticas, já disse em que é
que se devia apostar mais, aquilo em que está mais satisfeito e menos
satisfeito e isso não é virar costas, é um dos poderes implícitos do Presidente
da República, o poder da palavra e dizer aquilo que pensa sem interferir
demasiado no Executivo. Mas, neste momento, não vejo razões para fazer
futurologia de crise entre Governo e Presidente da República.
Relativamente
às eleições autárquicas, o PS teve um imprevisto no Porto. Manuel Pizarro é a
pessoa indicada para defrontar Rui Moreira?
Não
tenho dúvidas disso, foi o nome escolhido claramente pela concelhia e faço uma
declaração de interesses: sou amiga pessoal dele e acho-o um excelente
candidato.
"Rui Moreira, estava à espera de um pretexto para a sua demarcação e encontrou o pretexto"
A
secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, esteve envolvida
diretamente na decisão de Rui Moreira, mas António Costa esteve sempre ao seu
lado. Como vê esta situação?
Ana
Catarina Mendes é uma excelente secretária-geral adjunta do Partido Socialista,
uma mulher competentíssima, e isso às vezes também chateia. Ana Catarina Mendes
não disse nada de especial, Paulo Portas disse-o em 2013 relativamente a Rui
Moreira. Ela disse uma coisa autoexplicativa, evidentemente se o PS apoia
determinada pessoa vai celebrar a vitória. Portanto, Rui Moreira, estava à
espera de um pretexto para a sua demarcação e encontrou o pretexto.
E
em Lisboa, Fernando Medina tem adversários à altura?
Com
todo o respeito pelos adversários penso que o candidato do Partido Socialista é
o candidato mais bem colocado e o que faz mais falta a Lisboa.
O
PS apresenta-se em força nas próximas eleições. O trabalho no Governo e a paz
social poderão favorecer o Partido Socialista?
Penso
que sim porque há uma paz social que se sente pelo país. Agora, as eleições
autárquicas têm especificidades muito próprias, são eleições de grande
proximidade, e, portanto, são eleições diferentes e isso tem de ser tido em
conta. A proximidade com os problemas diários do local onde se vive é o que é
determinante no voto e muitas vezes não pertence ao partido com o qual até se
está satisfeito. De todo o modo, acho que o PS está bem lançado para esta
campanha autárquica, tem boas candidatas e bons candidatos e beneficia de uma
governação que tem incutido um clima de confiança e paz social ao país.
Ainda
em relação às autárquicas, Passos Coelho já disse que não se demitiria
independentemente do resultado das eleições. Como é que vê esta posição do
líder do PSD?
Não
comento.
Mas
é bom ou mau para o Partido Socialista?
Penso
que é irrelevante. O comentário que tenho a fazer a Passos Coelho não passa
pelo facto de ele se demitir ou não se demitir consoante o resultado das
eleições autárquicas. O que me tem causado preocupação no que toca a Passos
Coelho é a sua total ausência de rumo e projeto para o país enquanto líder do
maior partido da oposição, porque para a democracia faz falta que isso exista.
Tem
sido uma má oposição ao Governo?
É
um total vazio de oposição, um impressionante vazio de oposição que
evidentemente tem nele a face. Pode ser visto como altamente facilitador do PS,
mas para quem deseja uma democracia rica e feita de escolhas, que é o meu caso,
é preocupante.
"Tinha bastantes expetativas em relação a Assunção Cristas, mas penso que ela ainda não encontrou o seu rumo"
E como vê o comportamento do CDS enquanto partido da
oposição?
No
início tinha bastantes expetativas em relação a Assunção Cristas, mas penso que
ela ainda não encontrou o seu rumo e vê-se de debate quinzenal para debate
quinzenal que recorre a expedientes bastante populistas, como foi recentemente
a ideia de abrir 16 estações de metro depois das responsabilidades que teve
enquanto governante, com os resultados que teve na gestão dos transportes
públicos, mas acho que tem sido um pouco errática, populista e ainda a
encontrar o seu rumo. Mas, em todo o caso, acho que há uma distinção a fazer
entre o CDS e o PSD. Acho que o CDS é um partido que, em todo o caso, tem apresentado
as suas propostas, as suas ideias e faço essa distinção.
Não acho que seja de não se prestar atenção ao crescimento da extrema-direita porque a Le Pen não ganhou as eleições
Num cenário mais global, não se
acreditava que o Brexit acontecesse, que Trump fosse eleito presidente dos
Estados Unidos, mas tudo isto aconteceu. Por outro lado, Le Pen perdeu em
França. Estamos perante uma inversão de sentido da extrema-direita?
Nós
tivemos um alívio com a não vitória de Marine Le Pen, mas não posso esquecer que
os milhões de pessoas que votaram nela são pessoas reais, que existem, que
estão lá. E também não me posso esquecer de que ela não ganhou perante um
candidato... No fundo as pessoas votaram contra ela, muita gente não votou
propriamente no candidato. Agora ainda vêm aí as legislativas mas foi um enorme
alívio que Le Pen não ganhasse porque estou convencida de que se ela ganhasse,
a Europa como a conhecemos desapareceria, mas não penso que o fenómeno esteja
morto, longe disso.
É
preciso ver a evolução de resultados desde o tempo em que o partido [Frente
Nacional] se apresenta a eleições e ela atingiu um máximo, com valores
absolutamente históricos. Não acho que seja de não se prestar atenção ao
fenómeno de crescimento da extrema-direita porque a Le Pen não ganhou as
eleições.
Foi
uma vitória da Europa contra o extremismo de Direita?
Não
há dúvida nenhuma que ela perdendo foi uma derrota do fascismo, do populismo,
uma derrota do pior que nos podia acontecer.
Portugal
surge aqui um pouco contracorrente com a ‘Geringonça’ a ser encarada como um
caso de estudo em termos europeus. Estamos imunes a este fenómeno de
extrema-direita?
Portugal
é de facto um caso de estudo e tenho falado com amigos meus que vivem noutros
países da Europa e, pela primeira vez, têm-se interessado muito pela política
portuguesa, precisamente porque nos países deles está a acontecer o inverso.
Portugal tem particularidades grandes, até constitucionais, e é preciso ver que
tivemos 48 anos de uma ditadura de Direita e isso evidentemente influencia o
não surgimento de partidos de extrema-direita. Acho que foi muito importante,
após o 25 de Abril, ter-se lutado, e aí Mário Soares teve uma influência muito
grande, pela defesa de um sistema pluripartidário e altamente representativo
que incluísse a institucionalização do PCP por um lado e do CDS, partidos que
foram atacados por razões opostas. O PCP tem sido um tampão para o surgimento
de movimentos inorgânicos extremistas de Esquerda, assim como o CDS tem sido um
tampão para o surgimento de partidos inorgânicos extremistas de Direita.
"Sou uma fã declarada do Salvador Sobral"
Portugal está a viver um momento áureo e
perguntava-lhe o que acha da vitória de Salvador Sobral na Eurovisão, um
concurso que era esperado há tantos anos?
Achei
absolutamente extraordinário, acho que o Salvador Sobral tem uma performance
que ultrapassa todo o conceito da Eurovisão. Comove-me profundamente o poder da
música e da interpretação. O Salvador Sobral conseguiu, cantando em português e
com uma interpretação tão genuína, corajosa e com uma mensagem tão simples no
meio de um mundo tão bombardeado com coisas tão complexas, chegar ao coração
das pessoas. Acho que foi, mais do que uma vitória de Portugal, uma vitória
dele, da irmã dele, mas uma vitória da música e eu sou uma fã declarada do
Salvador Sobral.
A
receção apoteótica no aeroporto foi a união do povo português por algo que mexe
com os sentimentos e com a emoção?
Ouvi
um testemunho de um senhor com cerca de 60 anos que comentava a gestualidade
dele, a doçura da voz, a espontaneidade, a autenticidade e que aquilo lhe tinha
tocado e o tinha comovido. Isso significa que a música entrou nele. E acho que
o Salvador conquistou toda a gente, homens, mulheres, crianças, pessoas de
todas as idades.
Inês
André de Figueiredo | Notícias ao Minuto
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