Os
projetos da EMATUM, MAM e Proíndicus não foram concebidos para gerar
rendimentos, segundo Luís Magaço. O economista entende que a solução para as
chamadas dívidas ocultas passa pela venda do património das empresas.
Uma auditoria
independente levada a cabo pela consultora Kroll, que terminou no
início de julho, não é conclusiva sobre o destino dos cerca de dois mil milhões
de dólares concedidos em empréstimos às empresas Proíndicus, Mozambique Asset
Management (MAM) e Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM).
A
auditoria foi imposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), como condição
para a manutenção da cooperação entre o país e os seus parceiros
internacionais. O organismo rumou
até Maputo a 10 de julho para discutir com o Governo moçambicano os
resultados desta auditoria, numa missão que termina esta quarta-feira (19.07).
Em
entrevista à DW África, Luís Magaço, economista moçambicano, considera que
estes projetos "foram concebidos para sustentar a necessidade de
financiamento de outras operações" e que a "falta de rendimentos do
gás" terá tido um impacto significativo na gestão desta dívida.
O
economista defende ainda que o único caminho para evitar sobrecarregar o Governo
moçambicano com esta dívida é "desmantelar as três empresas" que
considera não estarem adequadas ao panorama económico de Moçambique, e que a
situação manter-se-á "complicada" até à retoma da ajuda dos parceiros
internacionais.
DW
África: Quais acham que são as principais conclusões desta auditoria?
Luís
Magaço (LM): Eu acho três coisas. Primeiro, a auditoria mostra que os
projetos foram concebidos para sustentar a necessidade de financiamento de
outras operações. Não foram concebidos com o propósito de gerarem rendimento
que permitisse reembolsar os valores emprestados. Os projetos não têm
capacidade de operação: os barcos estão parados, são inadequados para as
operações de pesca.
Ou
seja, no fim do dia, essa dívida seria sempre assumida pelo Estado. O que
eu presumo é que essas dívidas foram assumidas com consciência de que depois
seriam reembolsadas com as receitas previstas do gás, que estão demoradas.
Se tudo tivesse corrido como previsto, hoje não estaríamos a falar deste problema
com esta dimensão, porque esta dívida estaria a ser normalmente paga, com base
nestas receitas extrordinárias e nesses excedentes financeiros gerados pelo
negócio do gás. O que ninguém previu é que o negócio do gás não iria
correr tão bem e, de facto, não só não correu bem, como as coisas não
estão garantidas. Neste momento, não há garantias sequer que a 2023 nós
tenhamos a primeira produção, porque o mercado dos recursos energéticos é
muito instável e imprevisível e, neste momento, não há sequer interesse
dos financiadores em colocar dinheiro numa indústria sem saber quando este vai
ser reembolsado.
DW
África: E além disso há o problema das comissões pagas aos bancos
internacionais devido a esses empréstimos. Como é que Moçambique vai conseguir
cobrir todos esses gastos?
LM: Quaisquer
empréstimos feitos em operações com as quais os bancos têm pouco conforto
custam mais. As comissões aumentam com a fragilidade das garantias, aumentam
com a incerteza. Posso concluir que esses bancos tinham a consciência de
que essas operações eram operações de alto risco e, por isso mesmo, as
comissões aplicadas foram acima do que seria normal.
DW
África: O relatório também demonstra um provável escândalo de desvio de
dinheiro.
LM: No
meio disto tudo, há alguns montantes que desapareceram, que saíram
da origem, mas que não chegaram ao destino. [Por exemplo] 500 milhões
de dólares que foram enviados para o Ministério da Defesa, mas não estão na
Defesa.
Onde
é que estão? O dinheiro não desaparece no ar. Não se sabe o destino de
alguns montantes, que têm uma saída, mas que não têm uma chegada. E não é pouco
dinheiro. No fim do dia, enquanto cidadãos moçambicanos, o que nós
queremos é que o dinheiro volte. O dinheiro que saiu daqui e que foi
indevidamente comprometido ao Estado como dívida, que gerações irão pagar, que
esse dinheiro volte, para ajudar a pagar essas dívidas e a arrumar este dossiê.
Isto é fundamental. E depois, os responsáveis pelas operações, aqueles
que, de fato, se possa provar que têm tido uma prática de dolo possam ser
devidamente responsabilizados.
DW
África: Disse que não há interesse em financiar essas empresas, porque ela
estão sem infraestruturas, com equipamentos caros a enferrujar, etc. O que é
que deve ser feito agora? Como é que essas empresas podem ser reestruturadas?
LM: Eu
não estou a ver a sua relevância, a sua importância. Para mim, essas empresas
não têm razão de existir. Eu, se tivesse que tomar alguma decisão em torno
dessas empresas, venderia todo o património, até porque as dívidas já foram
assumidas pelo Estado, porque elas não têm viabilidade. Os barcos não são
adequados. No dia em que eles chegaram cá, eles não estavam adequados para a
pesca. Não estou a ver que haja alguma volta a dar a isto. Só desmantelar as
empresas, vender o património, o Estado já assumiu a dívida, recuperar o
dinheiro que saiu daqui indevidamente, ajudar a pagar parte da dívida e,
depois, renegociar com os bancos e financiadores uma forma de haver uma
partilha de custos.
DW
África: Moçambique devia ter pago, na terça-feira (18.07) uma parcela de juros
da dívida aos detentores dos 10,5% dos cerca de 700 milhões de dólares que
venceriam em 2023, mas o Ministério da Economia e Finanças alegou que a
capacidade de pagamento de dívida do país continua extremamente limitada em
2017. Qual vai ser a perspetiva para os próximos anos?
LM: Eu
acho que a perspetiva para os próximos anos é que esta dificuldade não há de
passar antes da retoma do apoio dos parceiros de cooperação, a começar pelas
negociações neste momento em curso com o FMI. Não vai ser possível pagar estas
dívidas com base em receitas ordinárias. Vamos continuar em incuprimento
durante muito tempo enquanto isso não se esclarecer. Então a situação é muito,
muito grave.
Karina
Gomes | Deutsche Welle
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